Proposta da Bolsa para acomodar companhias com super PNs é alvo de crítica
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

O equilíbrio entre o comprometimento financeiro e a parcela do capital social que o aporte garante é considerado peça-chave para a harmonia entre sócios. Esta estabilidade, no entanto, vem sendo colocada à prova com a chegada ao pregão de companhias que apostam justamente no contrário ao lançarem ações preferenciais turbinadas, as chamadas superpreferenciais. Para apimentar a discussão, a controversa estrutura pode ganhar o selo de boa prática de governança corporativa.

Primeira a apostar no modelo das superpreferenciais, a Gol Linhas Aéreas se mantém no Nível 2 de governança corporativa da BM&FBovespa graças a uma licença especial. O segmento exige das empresas listadas a manutenção de pelo menos 25% do capital social em circulação — mesmo patamar do Novo Mercado —, mas o free float da aérea hoje é de apenas 2,5% do capital (equivalente, no entanto, a 68% do valor de mercado da companhia). O desenquadramento originou-se em uma mudança na estrutura de capital feita em 2015: com suas ações PN muito próximas do limite permitido pela Lei das S.As. — 50% do capital total —, a Gol desdobrou cada ação ordinária na proporção de 35 para 1, de modo a elevar em 35 vezes o número de ONs em circulação e reduzir a proporção de PNs. Para compensar os preferencialistas, atribuiu-lhes o direito a dividendos 35 vezes superiores aos destinados às ações com voto. O espaço para lançar novas PNs era necessário para a companhia captar recursos.

O redesenho do capital da Gol desencadeou uma discussão sobre uma possível flexibilização na regra do free float dos níveis diferenciados. Em julho de 2015, para abrigar companhias que emitem ações turbinadas, a Bolsa chegou a promover uma alteração do regulamento do Nível 2. Como alternativa à exigência de 25% do capital em free float incluiu a possibilidade de a companhia ter ao menos 50% das ações preferenciais em circulação — critério que englobaria, por exemplo, a estrutura da Gol. A alteração, entretanto, foi vetada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em outubro do mesmo ano. A autarquia considerou que o assunto precisaria ser discutido mais amplamente.

Na reforma mais recente dos níveis especiais, que permaneceu em audiência pública até janeiro, a Bolsa apresentou uma nova proposta: alternativamente à exigência de 25% do capital em circulação, a prerrogativa de manutenção de apenas 15% do capital no mercado nos casos em que o volume diário de negociação das ações superar R$ 25 milhões. Segundo a Bolsa, essa já seria uma condição suficiente para proporcionar liquidez aos investidores. A Gol, nessa hipótese, continuaria a não se encaixar na norma (uma vez que seu free float é de 2,5%). Permaneceria, portanto, dependente da licença especial da qual usufrui atualmente.

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A Associação Brasileira de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) rejeita qualquer flexibilização que possa ajudar companhias com superpreferenciais a se listar nos segmentos diferenciados da Bolsa. Em informativo enviado aos associados, a entidade destacou que “defende inequivocamente a estrutura one share, one vote”. Segundo a Amec, “a maioria dos problemas de governança corporativa estudados pela associação podem ser creditados diretamente ao desequilíbrio entre poder político e comprometimento de capital”.

Do ponto de vista legal, as preferenciais economicamente turbinadas não enfrentam nenhum obstáculo. A própria CVM analisou a estrutura e a avalizou. O inaceitável, na visão da Amec, é permitir que as companhias emissoras dessas ações ganhem a chancela dos níveis especiais de governança corporativa. “A CVM não tem poder discricionário e corretamente reconheceu a superpreferencial. Mas uma das funções da autorregulação é justamente fechar essas brechas do mercado”, afirma Mauro Cunha, presidente da Amec.

Na sua avaliação, a estrutura é tão potencialmente nociva que é como se o mercado de capitais brasileiro voltasse ao estágio em que estava nos anos 1980 e 1990. Na época, a Lei das S.As. permitia que até dois terços das ações emitidas por uma companhia aberta fossem preferenciais — assim, o controlador podia manter domínio político absoluto sendo dono de apenas 16,5% do capital. Os investidores, afirma Cunha, só compram os papéis turbinados porque têm visão de curto prazo e grande interesse nos dividendos expressivos que eles oferecem. “Os problemas só vão aparecer daqui a dez anos, prazo superior ao horizonte desses investidores”, avalia.

Além da Gol, a Azul terá PNs turbinadas. No dia 6 de fevereiro, a empresa oficializou na CVM seu pedido para um IPO. A companhia aérea pretende listar suas ações no Nível 2 da BM&FBovespa e na Bolsa de Nova York. No pagamento de dividendos, a preferencial terá direito a 75 vezes o valor pago a cada ordinária.

A próxima da fila é a XP Investimentos, dona da maior corretora de valores mobiliários do País. Seu IPO ainda não está registrado na CVM, mas estima-se que a venda das ações movimentará até R$ 4 bilhões ainda neste semestre. A cifra, projetam interlocutores do mercado, só será alcançada com a venda de PNs turbinadas. Assim como nas companhias aéreas, o bônus econômico pode abrir espaço para uma captação maior, mas que mantenha 50% das ONs nas mãos de um controlador definido, como exige a regulação do Banco Central.


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