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Duelo entre Triunfo e BNDES ilustra o conflito de credores que são também acionistas em uma recuperação judicial
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

A concessionária Triunfo Participações e Investimentos (TPI) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), maior credor e também acionista da companhia, estão às turras desde o início deste ano. A troca de acusações ficou mais corpulenta desde o pedido de recuperação extrajudicial da empresa, em julho. A TPI acusa o banco de fomento de burlar a lei para forçar sua participação na renegociação das dívidas. O BNDES rebate, dizendo que a companhia fez manobras para deixá-lo de fora da votação do plano de recuperação. O caso fica mais complexo por causa do conflito de interesses dos envolvidos — a matéria, tradicionalmente polêmica no direito societário, promete chamar atenção também na área de recuperação de empresas.

A Triunfo Participações nasceu em 1999, do repasse de concessões rodoviárias até então detidas por sua controladora, a construtora Triunfo: Concepa, que administra uma rodovia na região metropolitana de Porto Alegre; Concer, responsável pelo trecho da BR-040 que liga Juiz de Fora, em Minas Gerais, à Baixada Fluminense; e Econorte, concessionária de estradas do interior do Paraná. Ao longo dos anos, acumulou concessões nos setores de portos, aeroportos e energia. O relacionamento com o BNDES sempre foi próximo. Afinal, poucos setores da economia são tão sedentos por financiamento de longo prazo, especialidade do banco, quanto o de infraestrutura. O prospecto da oferta pública inicial de ações (IPO) da Triunfo, concretizada em 2007, já listava o banco de fomento entre os principais provedores de recursos.

Apesar de grande financiador desde sempre, o banco só se transformou em acionista da Triunfo em 2013. Em maio daquele ano, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a entrada da BNDESPar no capital da companhia. Um mês depois, o banco arrematou mais da metade de um aumento de capital de 30 milhões de reais. A investida lhe rendeu um naco de 14,75% da Triunfo e a participação no acordo de acionistas. Na época, a estratégia mista de financiamento estava em alta no BNDES. “O uso combinado de instrumentos de renda fixa (como financiamento e debêntures) e renda variável (como ações e cotas de fundos) amplia as possibilidades de financiamento do investimento e abre espaço para o desenvolvimento de uma indústria financeira de longo prazo no País”, destacava o relatório anual do BNDES relativo a 2013. O que não se previu foi a confusão que a sobreposição de papéis poderia render.

Azedou

Os problemas financeiros da Triunfo são oriundos da alta alavancagem de projetos que não geraram o retorno esperado. Bom exemplo é o aeroporto paulista de Viracopos, em Campinas, cuja concessão a Triunfo partilha com a empreiteira UTC — ambas comunicaram em julho ao poder público terem decidido devolvê-la. No ano passado, a movimentação de passageiros atingiu apenas 52% do que estimava para o período a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na época da licitação, enquanto o giro de cargas correspondeu a 40% do que se esperava. Em meio ao descolamento entre realidade e expectativa, a Triunfo deixou de honrar alguns de seus empréstimos. No início de 2017, o BNDES, na qualidade de credor, pediu na Justiça a execução de quase 1 bilhão de reais em empréstimos vencidos no fim de 2016: 219 milhões de reais da controlada Concer e outros 760 milhões de reais da Concebra. Operadora de estradas que ligam o Triângulo Mineiro à região de Goiás no entorno do Distrito Federal, a Concebra tem a maior dívida entre as empresas do grupo. A cobrança, como ficaria evidente nos meses seguintes, acabou por azedar a relação entre a companhia e o banco.

Com a saúde financeira abalada, a Triunfo resolveu pedir ajuda. No último dia 6 de fevereiro, assessores da Alvarez & Marçal começaram a auxiliá-la a melhorar a estrutura de capital. Em março, foram ao BNDES para uma reunião de que participaram tanto representantes da área credora quanto da BNDESPar. A ideia era revelar a solução encontrada: um plano de recuperação extrajudicial — rito que, de maneira diversa da recuperação judicial, envolve a negociação de dívidas selecionadas diretamente com os credores.

Ocorre que um detalhe da lei excluiria o BNDES da votação do plano de recuperação, apesar de seus créditos representarem cerca de 50% das dívidas a serem renegociadas. A limitação é dada pelo artigo 43 da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101), que veda a votação por credores que sejam também sócios. Dessa forma, ainda que as dívidas com o banco estatal fossem contempladas na renegociação, a homologação ficaria exclusivamente a cargo dos credores minoritários. O plano foi finalmente aprovado em 21 de julho, com o apoio de 60% dos votantes, como requer a lei.

O BNDES não se conformou. Na leitura do banco, seu direito de votar na matéria era legítimo, mesmo que acumulasse os papéis de acionista e credor. O respaldo para essa interpretação estaria no fato de a BNDESPar ter vendido uma parcela da sua participação acionária na Triunfo nas semanas anteriores à aprovação do plano. De 14,75% do capital, o braço de participações caiu a 9,13%. Indignado, o BNDES pediu na Justiça a impugnação do plano. O processo está sob análise do juiz Marcelo Barbosa Sacramone, da 2ª vara de falências de São Paulo.

Contra a avaliação do BNDES joga a clareza da Lei de Recuperação Judicial: o artigo 43 estabelece que credores que sejam sócios do devedor não têm direito de votar e não são considerados para fins de verificação dos quóruns de instalação e deliberação. O artigo impede também o voto de empresas cujos sócios tenham participação superior a 10% no capital do devedor. É com base nesse ponto que o BNDES fez uma interpretação peculiar para defender seu alegado direito a voto — afinal, a BNDESPar deteria menos que esse percentual depois de ter vendido ações no mercado. Mas essa argumentação desconsidera o que a lei claramente determina: o impedimento dos sócios, seja qual for a parcela de ações detida. O trecho que menciona o limite de 10% refere-se a empresas cujos sócios participem do capital do devedor — uma situação completamente distinta. O BNDES participa diretamente da Triunfo.

O próprio juiz Sacramone, em outra circunstância, já deu um veredito a favor do impedimento de voto de credores que acumulam a condição de sócios. “Proíbe-se que credores, com interesses diversos dos interesses exclusivos como credores, interfiram na verificação da viabilidade econômica ou não do plano”, afirmou, em decisão proferida após surgirem dúvidas sobre o impedimento de voto do Mizuho Bank, credor do grupo Schahin. O banco japonês ficou fora da deliberação. Vale ressaltar que, no caso da Triunfo, a BNDESPar, além de acionista, é signatária do acordo de acionistas e desfruta de privilégios como o direito a um assento no board e o poder de veto em matérias específicas.

Bola fora

Se a venda da participação foi efetivamente conduzida com o intuito de inserir o BNDES na votação do plano de recuperação judicial da Triunfo, não parece ter sido uma boa estratégia. Além de não ter servido à finalidade, foi uma medida ousada. Quando se deram conta da venda de ações pela BNDESPar — basicamente entre fevereiro e o dia 21 de julho, quando foi fechado o plano —, investidores levaram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a acusação de que teria ocorrido mediante o uso de informação privilegiada (insider trading). Eles argumentam que os demais acionistas, ao contrário da BNDESPar, não sabiam das discussões sobre um plano de recuperação extrajudicial. A CVM investiga o caso.

Fontes da BNDESPar se defendem, dizendo que as informações tratadas na reunião de março não eram propriamente relevantes. Na data do encontro, o plano de recuperação existia, a rigor, como um projeto. Os demais credores foram consultados somente em encontros posteriores, o que levou ao anúncio da homologação da recuperação extrajudicial na Justiça em 21 de julho. Essas fontes afirmam ainda que a informação de que a companhia buscava um plano de equacionamento de dívidas era pública desde fevereiro, quando anunciada a contratação da Alvarez & Marçal. Na visão dos interlocutores da BNDESPar, a venda das ações no meio do caminho era imperativa — uma forma de proteger o patrimônio do banco diante da depauperação financeira da companhia. Mas não há dúvidas de que a coincidência cronológica — as vendas aconteceram precisamente entre a data da reunião e o encerramento do plano — pesa contra o banco.

Mas o que justificaria a BNDESPar ter se submetido a esse risco? “As partes cometeram excessos no afã de realizar o melhor trabalho e fazer valer seus interesses”, avalia um dos advogados envolvidos no caso, referindo-se tanto à área de crédito quanto ao braço de participações. A troca de farpas, observa, pode até ser um sinal de que, de maneira oposta ao que se especula, cada parte teria agido com autonomia. A área de participações teria vendido ações para preservar seu patrimônio (em última instância, recurso público) diante da possibilidade de um novo e negativo fato relevante; a área de crédito estaria brigando para ter voz ativa no processo de recuperação. “Não há caso mais rico para avaliarmos a extensão e os danos que o conflito de interesses acionista-credor pode causar”, conclui.


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