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Os desafios para o avanço das healthtechs no Brasil
Startups de saúde propõem soluções tecnológicas de ponta, mas ainda enfrentam obstáculos culturais, de financiamento e regulatórios
Os desafios para o avanço das healthtechs no Brasil

Ilustração: Rodrigo Auada

O Brasil tem o oitavo maior mercado de saúde do mundo e ocupa a nona posição no ranking de maiores gastos públicos na área — os recursos correspondem a 8,5% do PIB do País. O setor privado, por sua vez, vem se recuperando depois de um período de retração. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) indicam aumento do número de pessoas beneficiárias de planos de saúde privados em 2018, cenário que, ao lado do irrefreável impulso das novas tecnologias, abre caminho para a disseminação das startups focadas em saúde, as chamadas healthtechs.

Com base em ferramentas digitais, inteligência artificial e outras tecnologias de ponta, as healthtechs apostam na melhora da experiência do paciente para consolidar seus modelos de negócio. Segundo relatório de 2018 da Liga Insights, braço de inteligência da aceleradora brasileira Liga Ventures, existem ao menos 263 startups desse nicho no Brasil, divididas em 18 categorias de atuação. Elas atendem principalmente às áreas médica, farmacêutica e biomédica, com soluções que vão de aplicativos de terapia digital – voltados para mudanças de comportamentos e hábitos para prevenção e tratamento de doença – a dispositivos wearables, termo que designa as tecnologias “vestíveis”. Não falta às estratégias das healthtechs a preocupação com a oferta de serviços por valores acessíveis.

Embora o ambiente seja amplamente favorável ao crescimento, as healthtechs ainda encontram dificuldades para atrair investidores no mercado de capitais e para consolidar parcerias com empresas tradicionais, o que suscita uma série de questões. Como elas podem atrair fundos de venture capital? Quais segmentos mais interessam a potenciais investidores? Que desafios tiram o sono dos empreendedores dessas startups? De que maneira redes tradicionais do setor têm integrado as tecnologias desenvolvidas pelas healthtechs a seus modelos de negócio?

Esses pontos foram abordados no Grupo de Discussão “O avanço das healthtechs”, promovido pela CAPITAL ABERTO no último mês de março. Mediado por Rodrigo Menezes, sócio do Derraik & Menezes Advogados, o debate contou com participação de Marcelo Fonseca, diretor de novos negócios do dr.Consulta; Patricia Cordeiro Nader, head de investimentos da Vox Capital; Marco Billi, gerente de novos negócios e corporate venture da Eurofarma; e Lívia Gandara Prado, head de inovação da Libbs Farmacêutica.

Menezes: No Brasil, em que segmentos do setor de saúde têm surgido mais startups?

Prado: É comum dizerem que essas startups atendem principalmente a área farmacêutica. Mas, teoricamente, elas conseguem atender qualquer indústria, pois têm foco nos processos internos. Em saúde, temos visto muitos dispositivos wearables, mas há também empresas trabalhando na melhoria do relacionamento com os médicos, na aproximação com esses profissionais. Há também novidades em drogas e terapias celulares, mas isso ainda é muito incipiente no Brasil. Acredito que o desafio das healthtechs é equiparar saúde e tecnologia em seu negócio, já que hoje o lado “tech” é fundamental para o desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Billi:  No Brasil vejo muitas startups voltadas para diagnóstico, usando diversas tecnologias para diferentes tipos de exames. Já olhando para os Estados Unidos, há um foco bastante grande em eficiência de P&D [pesquisa e desenvolvimento], pois é essa a área que mais gera custos para o setor farmacêutico. A tecnologia pode ajudar os produtos a passar com mais facilidade em testes clínicos, ou até mesmo na detecção de algum grau de toxicidade nos medicamentos antes de eles serem testados. Essas healthtechs aparecem em menor grau no cenário brasileiro pelo fato de que grande parte das startups surge nas universidades. Temos muita dificuldade de tirar esses projetos do papel e de implantá-los em empresas por aqui. As organizações americanas têm programas engajados com entidades de ensino superior e cientistas, por exemplo. Em uma outra frente, têm surgido muitos aplicativos de relacionamento com o paciente, para acompanhamento do uso de medicamentos e relato de desvios de comportamento no tratamento.

Menezes: Essa última modalidade tem um modelo de negócios mais fácil, com barreira de entrada mais baixa e maior facilidade para prosperar?

Billi: Acho que a dificuldade desse modelo de negócios é conquistar os clientes, pois tem um custo elevado. Fora isso, as barreiras regulatórias do setor farmacêutico são o nosso maior entrave.

Menezes: Para o dr.Consulta, que está na ponta do relacionamento com o paciente, a barreira é mais visível do que para as startups engajadas em aplicativos? Os médicos estão aceitando bem essas mudanças?

Fonseca: O dr.Consulta começou na favela de Heliópolis [comunidade da zona sul da capital paulista]. Hoje, o perfil dos nossos pacientes é bem diferente: 60% deles são das classes A e B, sendo que 20% têm plano de saúde e mesmo assim preferem pagar pela nossa consulta — por causa de custo e disponibilidade, principalmente. Deixamos de ser uma clínica popular para nos posicionar mais perto do cliente para, a partir disso, acessar seu histórico médico e cuidar de sua saúde com mais eficiência. Em qualquer negócio envolvendo saúde, o grande desafio é o acesso à informação clínica do paciente, pois ela está segmentada: o laboratório tem os exames, o médico tem os diagnósticos, o hospital tem a informação sobre a internação. Assim, ninguém tem conhecimento amplo e completo das informações sobre esse paciente, nem o plano de saúde. Essa é uma questão primordial para os aplicativos de relacionamento com o cliente.

Outro grande desafio é o engajamento do paciente. Uma pessoa que fuma precisa de estímulos emocionais para largar o cigarro, por exemplo, e isso é muito difícil. Em relação aos médicos, é necessário garantir que eles tenham uma remuneração adequada, aliada a um senso de propósito sobre seu trabalho. No dr.Consulta, trabalhamos com um prontuário eletrônico que permeia a atividade de toda a empresa. Por parte dos médicos, a aderência ao sistema é de 95% e, por meio dele, podemos ter acesso aos profissionais e interagir com eles.


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Menezes: Os investidores estão mensurando o engajamento dos pacientes em relação aos produtos e serviços das startups? Isso é algo relevante para a decisão de investimento? O que se mede quando o assunto é healthtech?

Nader: Nosso portfólio hoje não tem tantas empresas com contato com o paciente final; trabalhamos principalmente com desenvolvedores de equipamentos hospitalares. Mas esse engajamento é muito importante. Depois das recentes regulamentações sobre a telemedicina [a Resolução 2.227/18 do Conselho Federal de Medicina (CFM) passou a permitir que médicos brasileiros atendessem a distância, mas foi revogada em fevereiro e uma consulta pública sobre o tema foi convocada], vemos isso como o futuro da área da saúde, e temos empenhado tempo e esforço para encontrar startups que sigam nessa direção.

Menezes: A telemedicina muda alguma coisa para empresas como o dr.Consulta?

Fonseca: Muda sim. A telemedicina é fundamental, tem uma série de aplicações muito importantes. As pessoas tendem a pensar que a telemedicina diz respeito apenas a consultas virtuais, mas a verdade é que ela engloba todas as interações não presenciais que o médico tem com o paciente. Um sistema de saúde muito bem organizado como o Kaiser Permanente, nos Estados Unidos, tem 60% das queixas de seus clientes resolvidas via e-mail, ligação telefônica ou até mesmo por aplicativos de comunicação como o WhatsApp. Essas interações já acontecem informalmente, então por que não formalizar? Isso vai mudar muito a relação médico-paciente. Telemedicina é um campo bastante amplo que vai permitir o fortalecimento da relação com os pacientes e a avaliação global, e não segmentada, de sua saúde. Infelizmente a resolução [2.227/18] foi cancelada, mas acredito que isso seja parte de um processo de evolução.

Menezes: No Brasil, com que força as healthtechs têm nascido nas universidades? O que surge em termos de desenvolvimento em inovação e tecnologia nesse campo?

Billi: Na Eurofarma, temos três áreas dentro do nosso corporate venture: uma corresponde ao relacionamento com startups, cujo objetivo final é encontrar novos fornecedores; a segunda é um fundo de investimento; e a terceira surgiu a partir das duas primeiras e consiste na ideação, ou cocriação. Com essa última, pretendemos nos aproximar de universidades, criando programas para facilitar projetos e tirar do papel startups que ainda não existem. Muito do que temos visto nas faculdades de biologia e medicina é relacionado a P&D, com cientistas desenvolvendo ideias de como gerar maior eficiência em diferentes frentes na área de saúde ou até mesmo propostas de criação de drogas.

Prado: Nosso ambiente universitário é bastante diferente do de outros países. Em Israel, por exemplo, já faz parte da cultura a criação de negócios com potencial. Nossa cultura é mais da pesquisa, com um menor enfoque em implementação prática. Das startups que avaliamos, acredito que menos de 10% tenham médicos como fundadores. Esses profissionais estão nos boards das empresas, mas não são eles que as criam.

Menezes: E as pessoas que têm a ideia inicial de uma healthtech não procuram profissionais da área da saúde para cocriação?

Prado: Pelo que vejo, não. A classe médica está pouco engajada em relação a isso. Talvez a nova geração de médicos esteja mais aberta a novidades, mas a grande maioria ainda está presa ao modelo tradicional de consulta. Podemos chegar ao modelo de Israel, em que esses profissionais participam ativamente da inovação tecnológica, mas antes é preciso uma mudança de mentalidade.

Menezes: Quais tipos de healthtechs os investidores estão procurando? Que setores de atuação e características mais interessam?

Nader: Quando pensamos em um case de venture capital tradicional, os investimentos são feitos em segmentos grandes o bastante para se ter uma saída interessante. No nosso caso, é importante que também haja um impacto positivo para a população, pois estamos lidando com a saúde das pessoas. Então, procuramos oportunidades para melhorar a experiência do paciente, que é o consumidor final, como encurtar as filas do SUS, por exemplo.

Menezes: O paciente está se engajando nessas novas tecnologias? O quanto esse interesse é necessário para as empresas da área da saúde?

Prado: Hoje, o engajamento do paciente em relação às novas tecnologias da área da saúde é baixíssimo. Na Libbs, temos uma preocupação grande na adesão do cliente ao tratamento. Fazemos os medicamentos para que eles sejam, de fato, usados, e da melhor forma possível. Então, buscamos formas de garantir essa adesão e isso é algo que consegue engajar o médico. Quando mostramos ao profissional uma ferramenta que vai gerar resultados e retorno de dados, ele se interessa pela tecnologia. Precisamos cada vez mais tratar o paciente integralmente, pensando em como triangular isso de forma eficiente para todos os atores e nos preocupando com a regulamentação.

Billi: Encontramos algumas startups voltadas diretamente ao relacionamento com o paciente. Nesse caso, há barreiras regulatórias para se obter informações dos clientes. Mas sou entusiasta dessas empresas, principalmente daquelas da área de terapia digital. Alguém com câncer, por exemplo, obviamente utilizará medicamentos tradicionais, mas é possível ofertar, paralelamente, um aplicativo que mede o uso correto do fármaco pela própria pessoa, interagindo com ela. Existem startups que conseguiram provar ao FDA [Food and Drug Administration, órgão regulador da área da saúde nos Estados Unidos, equivalente à brasileira Anvisa] que esse tratamento combinado prolonga a vida do paciente. Algumas terapias digitais visam, inclusive, substituir a droga. É o caso de aplicativos que medem a fertilidade da mulher a partir de ferramentas como a temperatura basal. Com confiabilidade de 98%, podem fazer a paciente deixar de usar pílula anticoncepcional. Acredito que há uma tendência de as pessoas serem mais preventivas e tomarem menos medicamentos, e muitas startups têm surgido para suprir essa demanda.


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