Opção complicada
Questões fiscais e trabalhistas levam empresas a repensar planos de stock options

stock1Remuneração é um tema que acende os ânimos. Coloca em lados opostos os que defendem a transparência máxima e os que pleiteiam o direito à privacidade. Nos últimos anos, a discussão tornou-se ainda mais complexa com a adição de um elemento: os planos de opção de compra de ações. Outorgantes do direito de se adquirir os papéis na bolsa em data futura por valor previamente definido, as opções são cedidas a executivos com o intuito de estimulá-los a gerar valor e sentirem-se sócios. Tudo iria muito bem não fosse o fato de os efeitos colaterais terem ganhado mais fama que os benefícios. As opções tornaram-se alvo de críticas de investidores, de contadores e até da Receita Federal.

As stock options surgiram nos Estados Unidos na década de 1950, mas se propagaram no Brasil apenas a partir dos IPOs de 2004. Na época, as companhias estreantes peregrinavam em busca de sócios estrangeiros, que respondiam com interesse e abocanhavam cerca de 70% das ofertas. Para atraí-los, era preciso apresentar planos de crescimento sedutores e também pacotes de remuneração que pressionassem os executivos a colocá-los em prática. Um conjunto de fatores alçava as opções de ações ao topo da preferência para se atingir esse objetivo. Com a bolsa em tendência de alta, elas botavam sangue nos olhos dos executivos. O lucro ao exercê-las era certo.

A pouca regulamentação ajudou na difusão. Até então, apenas a Lei das S.As. tratava do tema, ao prever a outorga de “opção de compra de ações a administradores e empregados”, desde que dentro do limite de capital autorizado.
Sem outras amarras legais, consolidou-se a ideia que agradava a todos: as stock options eram entendidas como uma modalidade de investimento em ações, sem natureza salarial. Para a companhia, isso significava livrar-se de custos trabalhistas e previdenciários (recolher a contribuição de 20% do INSS, o FGTS e, ainda, incluí-las nos cálculos dos pagamentos referentes a férias e 13º salário). Do lado dos executivos, a grande vantagem era no campo tributário. Não precisariam deixar 27,5% do total recebido para o fisco, mas apenas os 15% sobre o ganho de capital auferido — como acontece com os investimentos em ações.

A reviravolta começou em 2014, quando o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que soluciona litígios tributários federais, iniciou seu histórico de julgamentos sobre stock options. O desfecho dos primeiros casos, todos desfavoráveis às companhias, assombrou o mercado. No sétimo dos 15 acórdãos publicados, no entanto, veio uma decisão favorável. Ficou claro que os detalhes de cada plano seriam cruciais para se obter uma avaliação positiva.

Sem risco, é salário
Das nove companhias autuadas pelo Carf, apenas duas tiveram seus planos de opções de ações caracterizados como mercantis, e não de natureza salarial. A stock option considerada remuneratória é aquela que tira o risco do beneficiário, explica Celso Grisi, advogado tributarista sócio do Tauil & Chequer. As empresas que concedem opções de compra com preço de exercício inferior ao valor de mercado das ações estão nesse grupo. “Para que as stock options não tenham caráter remuneratório deveria haver incertezas, riscos comuns nas operações financeiras”, afirmou Marcelo Oliveira, no voto de minerva que condenou a Cosan, a primeira a ser avaliada pelo Carf, em abril de 2014.

Para que as stock options não tenham caráter remuneratório, é preciso haver incertezas

A companhia passou pelo escrutínio do conselho após receber um auto de infração inicial de cerca de R$ 30 milhões, referente ao período de novembro de 2006 a dezembro de 2009. A outorga de suas opções foi feita em 22 de setembro de 2005, ao preço de exercício de R$ 6,11, antes da obtenção de registro de companhia aberta, em outubro. Ao começar a ser negociada na bolsa, a ação ordinária da Cosan valia o dobro do preço da opção: R$ 12,39 no fechamento do dia 17 de novembro.

A ALL também levou cartão vermelho do Carf, depois de ir ainda mais longe. A companhia cancelou os programas de 2007 e 2008 depois de constatar que os preços de exercício das opções, de respectivamente de R$ 21 e R$ 20 por unit, superavam o valor de mercado das ações. O benefício foi substituído por opções do programa de 2009, com preço de exercício de R$ 11, que já refletia os efeitos da crise financeira de 2008 — e também uma mudança na composição das units, que deixaram de representar quatro PNs e uma ON e passaram à proporção de nove para cinco. Em 2010, a ALL outorgou opções ao preço de exercício de R$ 0,01, enquanto o valor de mercado era de R$ 16,50, mediante o alcance de metas de desempenho pessoal e da empresa. Além disso, a companhia concedia empréstimos para financiar a adesão dos funcionários ao plano.

O conjunto de fatores fez com que os conselheiros concluíssem que as stock options da ALL tinham natureza remuneratória. Elas não impunham risco ao trabalhador, não cumpriam o objetivo de reter talentos e estavam atreladas ao desempenho individual — todas características que distanciam a opção dos riscos que um investidor naturalmente corre ao negociar ações na bolsa. Argumentos semelhantes foram dados nos julgamentos de Gafisa, Anhanguera (hoje unida à Kroton), GVT (que cancelou seu registro de companhia aberta em 2010), POP Internet e BM&FBovespa. Em todas elas, os planos analisados foram considerados remuneração disfarçada sob a forma de stock option e, por isso, devedores das contribuições previdenciárias. As empresas condenadas ainda têm uma cartada: podem recorrer ao plenário do Carf.

Razões certas
Ao cravar os planos que se assemelham a remuneração, o Carf sinalizou também quais fazem jus ao tratamento mercantil. Duas companhias acabaram salvas das autuações: Sadia (atualmente BRF) e Itaú Unibanco. Além de exigir que a outorga acompanhasse o preço de mercado das ações, ambas impunham um fator adicional de risco ao beneficiário do plano: um prazo de carência para a venda das ações. No caso do Itaú Unibanco, apenas 50% das ações poderiam ser negociadas imediatamente após o exercício. A outra metade ficava congelada por dois anos.

“O plano de stock option bem feito é aquele que deixa claro que o objetivo é reter e engajar, e não apenas remunerar”, diz Elisabeth Libertuci, sócia do escritório Trench, Rossi e Watanabe e coordenadora do livro Stock options e demais planos de ações. De acordo com Ramon Castilho, sócio do Souza Cescon, as companhias têm se movimentado para adicionar fatores de risco aos seus planos. O objetivo é fazer com que os executivos corram exatamente os mesmos riscos a que estão submetidos os acionistas de longo prazo. Por isso, diante do cenário econômico atual, é crescente o uso de stock options com previsão de correção monetária. Assim, para o executivo lucrar com o plano, a cotação em bolsa terá que superar o preço da outorga e, adicionalmente, exceder a inflação acumulada no período.

Segundo a consultoria Towers Watson, de 2014 para 2015, a adesão das companhias de capital nacional a planos de opções caiu de 60% para 47%. A amostra reuniu 183 empresas, consultadas em fevereiro e março deste ano. A concessão de ações restritas — aquelas que são oferecidas ao executivo com a imposição de um prazo mínimo para venda — subiu de 6% para 14%. A BM&FBovespa, uma das empresas condenadas pelo Carf, acompanhou esse movimento. Em fevereiro, a Bolsa anunciou ter oferecido aos beneficiários do seu plano de opções a alternativa de cancelarem o saldo e serem reembolsados de duas formas: recebendo em dinheiro o valor referente às opções que já cumpriram o prazo de carência; ou em ações restritas aquelas que ainda estavam sujeitas ao embargo. Centenas de executivos aceitaram a troca.

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Nada é perfeito
Ação restrita, em princípio, acarreta encargos trabalhistas: não há componente de risco, uma vez que o executivo sempre ganhará algo ao vender os papéis. Não há, contudo, decisão do Carf que crave o entendimento, o que não deixa de ser uma vantagem. No aspecto tributário, vale o mesmo: aplica-se os 27,5%, e não os 15% do ganho de capital. Há dúvidas, no entanto, sobre a base de cálculo. Não existe um histórico de decisões sobre o que deve prevalecer: se o valor das ações na outorga ou no momento em que o executivo faz a venda dos papéis e, efetivamente, registra o lucro. Maurício Tanabe, sócio da área trabalhista do Tauil & Chequer, pondera que o ônus fiscal, embora considerável, é compensado pela simplicidade do modelo.

A ação restrita também tem limitações do lado motivacional. “Ela atende à necessidade de reter os executivos, mas não serve quando o objetivo é alinhar interesses”, ressalta Marcos Morales, diretor de remuneração executiva da Towers Watson no Brasil. Como o beneficiário ganha a ação da companhia, suas chances são sempre de ganho — a opção, ao contrário, pode virar pó se o preço de mercado estiver abaixo da cotação de exercício.

Por essa razão, no longo prazo, a tendência é que as companhias brasileiras caminhem na direção do cenário internacional, mais adepto das ações concedidas mediante performance (ou performance share). A modalidade dá ao executivo o estímulo para perseguir a valorização das ações, mas não se limita a isso. A companhia pode, por exemplo, conceder ações com permissão para serem vendidas depois de um prazo pré-estabelecido e mediante o cumprimento de uma meta de geração de valor também previamente definida.

Se bem executado, o plano de ação por performance é imbatível: une o benefício comportamental a uma tributação sobre ganho de capital para o funcionário e sem encargos trabalhistas para o empregador. As subsidiárias de empresas estrangeiras, que replicam os modelos de remuneração adotados no exterior, dão uma amostra do interesse crescente pelo modelo. Neste grupo, a adesão aos planos de ação por performance disparou de 18% para 41% entre 2014 e 2015, enquanto o uso de ações restritas caiu de 50% para 48%, e as stock options permaneceram estáveis, em 43%.

A movimentação vai ao encontro do alinhamento que os investidores sempre almejaram nos programas de remuneração variável: incentivos que imponham risco para o executivo e o façam perseguir o crescimento da companhia sem colocar o próprio bolso em primeiro lugar. No caso das ações por performance, Morales, da Towers Watson, recomenda atrelá-las sempre a indicadores como lucro econômico ou retorno sobre o ativo, e nunca a métricas de curto prazo, como lucro ou faturamento.

Transparência
Se o Carf ajustou questões motivacionais e trabalhistas, os aspectos tributários dos instrumentos de remuneração seguem cercados de dúvidas. O motivo é a Lei 12.973, editada em maio para pôr fim ao Regime Tributário de Transição (RTT), responsável pela neutralidade fiscal durante a implantação do IFRS. A norma prevê a contabilização, como despesa dedutível, do valor dos dispositivos baseados em ações. Há dúvidas, no entanto, sobre o cálculo desse valor e o momento em que ele deve ser contabilizado. No caso das opções, por exemplo, se na entrega do benefício ao funcionário ou no seu exercício.

Os episódios recentes também evidenciaram que a divulgação de informações sobre remuneração continua sendo um dos pontos fracos do mercado brasileiro. Boa parte das informações usadas nos julgamentos é pública — os planos de remuneração baseados em ações devem ser aprovados em assembleia e têm dados reportados no formulário de referência —, mas um investidor teria dificuldades se quisesse fazer uma avaliação semelhante à do órgão fiscal por conta própria. O conteúdo é disperso em documentos e no tempo. Normalmente, um plano tem suas diretrizes gerais aprovadas na assembleia, mas anualmente recebe ajustes (como novos gatilhos), conforme definição do conselho de administração. As mudanças nem sempre chegam ao conhecimento dos investidores.

stock3Em julho, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) avaliou o caso da ALL: a companhia não incluiu as opções de ações no montante global da remuneração submetido à aprovação dos acionistas em assembleia. O regulador percebeu que, em 2011, conforme o formulário de referência, a remuneração dos administradores somava R$ 41,8 milhões, ao passo que o montante máximo aprovado em assembleia totalizava R$ 29,5 milhões. A diferença era o pagamento de stock options que, na visão da CVM, deve ser incluído no pacote validado anualmente. Segundo o regulador, a remuneração global deve incluir, além de salários, os benefícios e as verbas.

A CVM observa que o pacote de opções da ALL contém apenas dispositivos gerais sobre o benefício — cabe ao conselho de administração a tarefa de determinar as minúcias. “O plano da ALL contém comandos genéricos, que impedem o conhecimento preciso dos gastos anuais da companhia com essa despesa”, resumiu Roberto Tadeu, relator do caso, em seu voto. A incerteza também é a base da argumentação da empresa para justificar seu ponto de vista: não faz sentido estimar esse gasto logo no início do ano. Além das variáveis intrínsecas ao plano, é possível que o grupo de executivos beneficiados sofra alterações.

A transparência dos dados sobre remuneração variável não esbarra apenas no complicado cálculo exigido pela CVM. Ao longo dos anos, o tema tornou-se cada vez mais opaco. Pesquisa feita para a edição 2015-2016 do Anuário de governança corporativa das companhias abertas, publicado pela capital aberto, mostrou que o número de companhias que não divulgam a remuneração individual de seus diretores subiu de 32% para 33% em relação ao ano anterior. O percentual corresponde às empresas aderentes à liminar obtida pelo Instituto Brasileiros de Executivos de Finanças (Ibef) e é crescente desde que os dados começaram a ser coletados. Em 2011, no primeiro ano da série, 26,26% das 100 companhias de maior liquidez da BM&FBovespa usavam o artifício. O desejo de se manter discreto, infelizmente, tem falado mais alto que o compromisso em prestar contas.

Ilustração: Beto Nejme /Grau180.com


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