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Gestoras de recursos ingressam em 2020 sob pressão
Assets globais enfrentam demanda de investidores por retornos maiores e serviço mais barato, além da ameaça dos robôs
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Ilustração: Rodrigo Auada

Constantes testemunhas dos dramas que inevitavelmente enfrentam muitas empresas listadas em bolsas no mundo todo, hoje muitas gestoras globais de recursos se veem — ironia do destino — em situação bastante parecida. Retornos decepcionantes de carteiras, cobrança de elevadas taxas pelos serviços de gestão e a chegada esmagadora de robôs que automatizam decisões de investimento sem cobrar quase nada pelo trabalho provocam uma mudança estrutural nesse setor, em especial no segmento de gestão ativa de portfolios. O terremoto tem epicentro nos mercados desenvolvidos, mas no futuro pode reverberar no Brasil.

O contexto desfavorável contribuiu para a primeira queda no valor dos ativos sob gestão desde 2008. Segundo o Boston Consulting Group, o montante de recursos administrados globalmente caiu 4% entre 2017 e 2018, de 77,3 trilhões de dólares para 74,3 trilhões de dólares. O tombo foi ainda maior na América do Norte, de onde saíram dois terços das perdas registradas nesse período.

Passivos levam vantagem

O momento é especialmente delicado para as gestoras de fundos ativos, que cobram taxas de administração proporcionais à expertise e à fama de seus profissionais — em cuja percepção e capacidade de análise os investidores confiam. As taxas representam uma parcela considerável do obstáculo. Para que um fundo gere bons retornos, ele deve superar seu índice de referência (benchmark) — como S&P 500 nos Estados Unidos e o Ibovespa ou o CDI no Brasil — com uma margem suficiente para que do valor seja possível abater a taxa de administração. Em tempos de vacas magras e juros baixos, os retornos evaporam e o tamanho das cobranças fica cada vez mais aparente.

Em contrapartida, o cenário é ideal para o crescimento dos fundos passivos, calcados no marketing das baixas taxas de administração. Eles podem cobrar pouco porque, em vez de tentar superar o benchmark, a gestão passiva busca simplesmente replicar a performance dessa referência, o que reduz consideravelmente a dependência do “talento” de um gestor “caro”. E de fato os fundos passivos têm levado vantagem. De acordo com balanço da consultoria Morning Star, apenas 23% de todos os fundos ativos dos Estados Unidos superaram a média dos indexados entre 2009 e 2019.

Impelidos pela combinação de taxas altas com retornos modestos, grandes investidores internacionais têm gradativamente mudado de posição. Em agosto de 2019, a indústria global de gestão de recursos chegou a um ponto de virada: naquele mês, o montante gerido pelos fundos passivos dos Estados Unidos ultrapassou o dos ativos pela primeira vez na história. Os replicadores de índices chegaram à marca dos 4,27 trilhões de dólares sob gestão, ante 4,25 trilhões de dólares dos rivais, ainda segundo levantamento da Morning Star.

A modalidade que agora representa metade do mercado americano surgiu em 1976, quando foi lançado o primeiro fundo mútuo de índice. Hoje o segmento da gestão passiva está dividido basicamente em dois segmentos: fundos mútuos passivos (ou indexados) e exchange traded funds (ETFs), fundos negociados em bolsa. Os ETFs surgiram nos Estados Unidos em meados da década de 1990 e formam atualmente a modalidade que mais cresce dentro da gestão passiva. De 2007 a 2017, a participação de ETFs aumentou dez pontos percentuais entre os passivos, abocanhando 40% desse mercado, segundo dados do Bank of International Settlements (BIS).

A Vanguard, gestora que lançou o primeiro fundo indexado, se tornou a segunda maior asset do mundo, com 4,9 trilhões de dólares sob gestão. A maior parte do dinheiro que fluiu para o universo dos indexados nos últimos anos foi direcionada às assets do porte dessa pioneira, capazes de oferecer menores custos. Entre 2010 e 2018, as três maiores gestoras de fundos do mundo — BlackRock, Vanguard e Fidelity — receberam cerca de 70% do valor acumulado das entradas de capital em fundos passivos, de acordo com o BIS.

O Brasil ainda está um passo atrás nessa revolução. Enquanto o mercado externo observa uma concentração cada vez maior de investimentos nas mesmas mãos, aqui proliferam as pequenas e médias gestoras. “Na última década, houve um crescimento de quase 100% no número de gestoras no Brasil porque o mercado local está em expansão. À medida que se estabilizar, é possível que vivencie essa mesma tendência de consolidação em assets maiores que hoje se vê no exterior”, afirma Caio Arantes, sócio da PwC Brasil.

A gestão passiva, por si só, também não é forte por aqui, principalmente quando associada ao CDI, que entrega rendimentos cada vez menores conforme os juros vão baixando. Isso não significa que os gestores brasileiros possam dormir despreocupados. Levantamento da Luz Soluções Financeiras para o jornal Valor Econômico mostrou que apenas 44% dos fundos ativos de renda variável foram capazes de superar o Ibovespa entre 2016 e 2019. Caso o País siga a tendência mundial, a performance fraca poderá ser mais uma arma potente na mão da gestão passiva na competição pelo dinheiro dos investidores.


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Os indexados, no entanto, não estão imunes a pressões. Brendan Powers, diretor para o desenvolvimento de produtos da consultoria Cerulli, observa que, para além do custo e do nome da marca, há pouca diferença entre as estratégias de replicação de índices. “Os gestores desses fundos também estão competindo em termos de custos, o que tem levado muitos produtos a ter taxas de administração baixíssimas ou até mesmo zeradas”, destaca. Existe ainda o temor de que o investimento “mecânico” dos fundos passivos possa causar distorções em preços de ativos nas bolsas. O crescente volume de fundos baseados em índices poderia influenciar, de forma artificial, a dinâmica de preços das ações integrantes dos benchmarks.

O tema é tão complexo que um um estudo do BIS feito em 2018 chegou a conclusões aparentemente antagônicas sobre a influência da estratégia passiva sobre os mercados. A pesquisa constatou que, caso a gestão passiva continue a crescer, existe sim a possibilidade de que se consolide uma influência artificial sobre a precificação dos papéis listados. No entanto, o mesmo trabalho concluiu que os investidores de produtos passivos tiveram uma influência mais estabilizadora que os que aportam em fundos ativos em episódios recentes de estresse dos mercados.

Escândalo britânico

Se é muito cedo para bater o martelo sobre o perigo que representam os fundos indexados para a estabilidade e a credibilidade dos preços, críticas aos gestores ativos não demoraram a aparecer. A imagem desses profissionais está em baixa principalmente no Reino Unido, que presenciou em 2019 a derrocada histórica de Neil Woodford, um dos gestores de maior destaque na Europa. Woodford fez carreira na Invesco Perpetual, onde trabalhou por 20 anos e conseguiu retornos tão expressivos que chegou a ser comparado ao lendário Warren Buffett. Em 2014, quando o inglês abriu sua própria gestora, foi acompanhado por muitos investidores que confiavam em sua capacidade e instinto para fazer as apostas corretas.

Bastaram três anos de atividade para que seu principal fundo, o Woodford Equity Fund, perdesse valor em decorrência de uma série de más escolhas. O gestor se recusou a aceitar o fracasso de sua estratégia e o fundo amargou saídas de capital por cerca de 20 meses até ser congelado, em junho de 2019, por falta de liquidez. E pior: no período em que os cotistas ficaram proibidos de acessar seus investimentos, Woodford continuou a receber 65 mil libras por dia em taxas de administração, até que o fundo fosse liquidado em outubro.

O escândalo foi mais um impulso para os investidores seguirem em direção a alternativas que limitem o impacto das decisões dos gestores — principalmente de “gestores-estrela”. Uma das opções está nos fundos quantitativos. Nesse modelo, as decisões são tomadas por algoritmos e modelos matemáticos. Para o investidor, o principal benefício é a diminuição do risco por meio da diversificação da carteira. Esses fundos, conhecidos como “quant”, apresentam resultados descorrelacionados dos fundos tradicionais, que costumam se comportar de maneira semelhante, em especial em momentos de crise.

No Brasil, os fundos quant ainda são novidade, mas Ernesto Leme, diretor comercial da Claritas Investimentos, diz acreditar que a modalidade aparecerá com mais força diante da circunstância da taxa de juros estruturalmente mais baixa. “A proliferação de fundos quantitativos no mercado brasileiro será um passo importante para a maturação da indústria local. É positivo que tenhamos maior sofisticação e mais opções de produtos para todos os perfis de risco e horizontes de investimento”, defende.

A propósito, os riscos dos quantitativos são semelhantes aos das carteiras ativas tradicionais: escolhas erradas. Foi o que aconteceu no primeiro semestre de 2019 nos Estados Unidos. Embora o período tenha sido o melhor para a indústria de investimentos desde 1997, a média de desempenho dos quantitativos ficou dois pontos percentuais atrás dos retornos do índice Russell 1000 no período, informou o Bank of America em relatório. A explicação dos analistas é que o mercado foi pego por um movimento atípico de inversão de sentido das ações, particularmente para quem apostou em factor investing, como os quantitativos fizeram. Essa estratégia compra papéis desvalorizados, apostando em certos fatores externos que podem influenciar a retomada de preço dos ativos escolhidos. Ocorre que a tática foi mal sucedida no período analisado, o que afetou a performance geral dos fundos quant.


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Seja qual for o tipo de fundo, existe um desafio que perpassa todas as estratégias de investimento: os altos custos para adequação tecnológica. Os quantitativos já investem pesadamente em algoritmos capazes de processar suas operações, mas os ativos e passivos não podem ficar para trás se quiserem continuar na corrida pelo dinheiro do investidor. O princípio é antigo, mas continua válido: quem tem acesso às informações antes dos demais larga em vantagem. E hoje a rapidez e a qualidade são alcançadas via processamento de dados.

Em qualquer espécie de estratégia de gestão, a análise de grandes blocos de informação pode ser utilizada para a melhora da execução das operações e para o barateamento dos custos. Ainda que o fundo priorize o olhar humano, a tecnologia pode ser uma potente ferramenta para formar um julgamento mais embasado. “Um exemplo do bom uso da inteligência artificial é a análise de títulos de dívidas dos municípios americanos”, diz Marc Forster, head da Western Asset no Brasil. “São milhares de prospectos a serem vistos, mas os novos recursos permitem a inspeção de forma muito mais ágil. O software também pode ser programado para encontrar quais tipos de garantias, prazos e nuances agradam mais a um determinado gestor”, explica.

As assets também podem adotar a análise de dados como guia para a alocação em ativos ancorados nos padrões ESG (sigla em inglês para aspectos ambiental, social e de governança), cada vez mais procurados por investidores, particularmente na Europa. A vantagem competitiva está na escolha das ações. Como ainda não existem critérios universais para a avaliação desses ativos, boas ferramentas de análise podem ser essenciais para se verificar quais papéis são realmente sustentáveis e, portanto, merecem ser incluídos no portfólio.

Além disso, as funções de distribuição e marketing se beneficiam de uma análise de dados mais profunda proporcionada pela tecnologia. Oferecer investimentos personalizados, a partir das preferências e hábitos de cada investidor, pode elevar as receitas de 5% a 10%, segundo análise do Boston Consulting Group. Quem pode aproveitar essa janela de oportunidade são as bigtechs, cujo acesso a dados pessoais é muito superior ao que os maiores gerentes de recursos podem alcançar. O movimento é apenas uma hipótese no Ocidente, mas já é uma realidade na China, com o sucesso do fundo Yu’e Bao, da Ant Financial, braço financeiro da gigante Alibaba. Não é difícil imaginar que, em um futuro não muito distante, empresas como Google, Facebook, Amazon e Apple sigam o mesmo caminho e usem sua imensa base de dados para oferecer gestão de recursos financeiros a seus usuários.

O aumento da competição exigirá gastos vultosos, e nem todas as gestoras parecem estar dispostas ou preparadas para isso. Entre as assets americanas analisadas pelo Boston Consulting Group, uma faixa de 20% a 30% ainda não compromete recursos significativos em dados e análises. O relatório atribui o comportamento à complexidade do investimento, que envolve, além da mera compra de tecnologia, uma mudança cultural dentro das próprias gestoras.

As alterações de fato não serão simples. Os desafios que aguardam a indústria de gestão de fundos de investimento envolvem decisões complexas que abarcam, inclusive, uma revisão robusta do modelo de negócios. O cenário é ainda mais complexo para as gestoras tradicionais, que passaram décadas incólumes a ameaças significativas em termos de competição. As projeções indicam, no entanto, que esse período de ouro chegou ao fim. Cedo ou tarde, todos terão que enfrentar o processo de readequação. Quem ficar para trás pode não sobreviver até 2030.


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