Disseminação de fake news preocupa empresas
Como o setor empresarial tem reagido à crescente onda de notícias falsas
Fake news

Ilustração: Rodrigo Auada

Com a popularização das mídias sociais, as fake news tornaram-se umas das principais preocupações das empresas quando se trata de preservar sua reputação. Disfarçados de notícias jornalísticas, esses conteúdos são compartilhados exaustivamente na internet, sem a devida verificação sobre a sua veracidade. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), feita entre fevereiro e abril de 2018 com 52 empresas nacionais e multinacionais, revela que esse assunto preocupa 85% dos representantes ouvidos. E não à toa. Notícias mentirosas podem não só gerar dano reputacional, como também enormes perdas financeiras. As equipes de comunicação das empresas estão preparadas para lidar com as fake news? Quais mecanismos de proteção podem adotar? E, se o pior acontecer, como gerir uma crise envolvendo a divulgação de uma notícia falsa?

Essas e outras questões foram debatidas no Grupo de Discussão “O desafio imposto pelas fake news”, promovido pela CAPITAL ABERTO em parceria com a Brunswick. Participaram do encontro Tereza Kaneta, sócia da Brunswick; David Grinberg, vice-presidente de comunicação corporativa e relação com investidores da Arcos Dourados na América Latina; Paulo Nassar, diretor presidente da Aberje; Paulo Silvestre, especialista em transformação digital e professor do Mackenzie e da PUC; Márcio Moretto Ribeiro, membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP; Luiza Bodenmüller, gerente de inovação do portal Aos Fatos; e Silvana Balbo, diretora de marketing do Carrefour Brasil. Confira a seguir os destaques do debate:

CAPITAL ABERTO: Como é possível identificar as fake news? Quais são os principais assuntos que elas trazem e por quais meios elas circulam?

Tereza Kaneta: De acordo com as estatísticas, os principais assuntos de fake news geralmente são política, saúde e dinheiro fácil. Aqui no Brasil, elas circulam principalmente pelo WhatsApp, pelo Facebook e por alguns sites que parecem portais jornalísticos legítimos ou que têm nomes parecidos com o de veículos conhecidos. Nos Estados Unidos, o Twitter também é um canal importante para a disseminação de fake news, o que não acontece de forma tão proeminente no Brasil.

CAPITAL ABERTO: Por que as fake news viralizam dessa forma e quais são as perspectivas para esse cenário?

Kaneta: Existe um estudo do MIT [Massachussets Institute of Technology, nos Estados Unidos] que mostra que as fake news são cerca de 70% mais compartilhadas do que notícias verdadeiras, porque elas são construídas para induzir ao compartilhamento. De maneira geral, a maioria gera sentimentos de medo ou desgosto, a partir de opiniões e vieses já existentes. Por mais que as companhias por trás das redes sociais estejam investindo em medidas para combater as fake news, as empresas precisam estar prontas para lidar com os impactos desse conteúdo.

CAPITAL ABERTO: Como esse conteúdo pode atingir e afetar o funcionamento dos negócios das empresas?

Kaneta: A empresa em si não é o alvo primordial ou preferencial das fake news. O criador das notícias falsas precisa de alguns validadores, e as corporações acabam sendo mencionadas de forma a dar o tom de verdade ao assunto a ser espalhado. Isso afeta a produtividade das empresas, porque é preciso parar um processo interno para verificar esse tipo de ocorrência. Nesses casos, é um pouco mais fácil a companhia se defender, uma vez que não está no centro da polêmica. Mas ainda assim é importante que se posicione sobre elas, sim.

CAPITAL ABERTO: A atenção às fake news já é realidade para empresas como o McDonald’s?

David Grinberg: O que atualmente chamamos de fake news eram, anteriormente, mitos ou boatos sobre a marca. Um exemplo é o boato sobre o hambúrguer do McDonald’s ser feito com minhocas — algo que é tão absurdo que acaba até sendo uma brincadeira. No passado, o McDonald’s optou por ter uma postura defensiva e quase não entrava nesse tipo de embate. Nos últimos anos, o departamento de comunicação tem adotado uma postura diferente para tratar certos temas, sendo mais combativo, proativo e transparente. Hoje, encaramos de frente todos os mitos que a sociedade impõe à marca e todas as questões são vistas como oportunidades para abordar temas mais amplos. Essa combinação tem dado muito certo no combate às fake news relacionadas ao nosso negócio.

CAPITAL ABERTO: Como a reputação do Carrefour foi impactada pelo caso da cadela Manchinha, que ganhou destaque em todo o País após um vídeo em que um funcionário da empresa aparece agredindo o animal se disseminar?

Silvana Balbo: No início, tínhamos uma versão diferente do ocorrido. Em meio à apuração dos fatos, constatamos que o segurança realmente havia machucado a pata do cachorro, que por sinal, era um macho. Desde o primeiro contato, ele falou que tinha feito isso na tentativa de espantá-lo de dentro da loja, onde os funcionários haviam o adotado como mascote. O que aconteceu foi um acidente; ele não teve a intenção. Ele errou, pois poderia ter pedido ajuda. Inclusive, colocamos os vídeos que mostram o momento em que o cachorro é capturado pelo [centro de controle de] zoonoses e é praticamente enforcado. O que levou o animal à morte provavelmente foi uma mistura das duas coisas: ele estava machucado e foi praticamente enforcado depois. Como incineraram o cachorro, não há provas do que de fato aconteceu.O Carrefour viveu mais do que uma crise de reputação. Sentimos como o mundo lida com essas situações hoje em dia. Enquanto fomos averiguar o que tinha ocorrido, perdemos tempo nas redes sociais [tentando dar respostas] e fomos metralhados. Só que diferentemente de casos absurdos, como o hambúrguer de minhoca do McDonald’s, era algo que realmente poderia ter ocorrido daquele modo. Demoramos para nos pronunciar e a nossa reputação derreteu.

CAPITAL ABERTO: Como o Carrefour tratou internamente essa questão?

Balbo: Nós chamamos os funcionários e fizemos vários comitês para apresentar a verdade dos fatos, de modo que eles tivessem o conforto de que não tínhamos cometido um crime hediondo como parecia. Mostramos a verdade da porta para dentro, para que pelo menos os nossos funcionários soubessem o que aconteceu e pudessem advogar por nós. Alguns se convenceram, entenderam e apoiaram o Carrefour. Outros, ainda mobilizados pela emoção negativa, iam contra nós e nos questionavam. Trabalhamos de forma transparente para mostrar a eles também o que foi feito depois do ocorrido, como falar sobre o processo judicial e sobre como estamos trabalhando em prol da causa animal.

CAPITAL ABERTO: O que se aprendeu com essa crise?

Balbo: Após a crise, os impactos nos resultados da marca não foram relevantes. Apesar da gravidade de uma crise dessas, o consumidor, na ponta final, continua indo às nossas lojas. Muita gente acredita em versões diferentes da história oficial, mas é difícil de controlar isso. O segurança foi punido e, depois, o Carrefour fez doações e firmou compromissos com ONGs em prol da causa animal. Nós realmente não estávamos preparados para a dimensão da crise que vivemos, mas agora temos, internamente, mais condições para investir na nossa reputação e mostrar trabalhos que fazemos, o que antes era pouco divulgado. Além disso, na crise aprendi que a empresa será igualmente criticada se pronunciando ou não. Então vale mais a pena se pronunciar e mostrar o que está fazendo do que deixar de lado, porque os críticos estarão presentes de todo modo. E a maior parte dos que criticam não são clientes que convivem com a marca, mas pessoas movidas por uma causa, por exemplo.

CAPITAL ABERTO: Como a tecnologia está transformando a relação entre pessoas e empresas?

Paulo Nassar: Pensando no mundo digital, as pessoas estão trocando de papéis o tempo inteiro, quase que de forma híbrida. Hoje em dia, um hater pode ser um acionista, um ativista ou até mesmo um funcionário. E conforme aumenta a escala de controvérsia, qualquer pessoa pode produzir novos pontos de vista. Aqueles milhões de pessoas que não tinham possibilidade de colocar sua perspectiva, hoje estão colocando. As empresas precisam se preparar para uma guerra de narrativas e para dialogar nesses casos.


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Balbo: O começo da nossa crise foi um post feito por uma funcionária. Hoje, esse sentimento [de ódio] pode estar em qualquer lugar, e não é porque a pessoa é funcionária que ela vai advogar pela marca.

CAPITAL ABERTO: A disseminação das fake news tem um grande impacto na polarização da sociedade. Como isso vem sendo percebido no Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP?

Márcio Moretto Ribeiro: O que está acontecendo na sociedade não é exatamente algo novo ou apenas uma mudança tecnológica. Isso é algo menor dentro de uma possível mudança cultural que ocorre e que ainda não sabemos explicar com muita clareza, mas que está criando um maior engajamento da sociedade e uma grande polarização. As fake news são um reflexo disso, pois as pessoas estão muito apaixonadas por suas posições políticas, e aí elas se sentem na obrigação de compartilhar aquilo que corrobora com as suas visões de mundo. Esse é o combustível das fake news.

CAPITAL ABERTO: Falando em polarização, como as empresas estão se posicionando, principalmente no que se refere a questões políticas?

Grinberg: Dentro do McDonald’s, temos um extremo cuidado com declarações em momentos mais quentes da política, porque nós somos uma companhia de capital aberto e qualquer declaração fora da linha poderá causar impactos. Tentamos de alguma forma colocar o nosso posicionamento em favor da sociedade, para que se resolvam os problemas, independentemente de quem estiver no governo.

Balbo: A situação do Carrefour é muito parecida. Somos uma marca presente no Brasil inteiro, então é uma prática nossa não se pronunciar e não comentar política. É óbvio que, como varejista, torcemos para o Brasil crescer, porque a confiança do consumidor afeta diretamente a nossa venda. Cada ponto de confiança subindo no gráfico tem efeito na nossa loja. E quanto mais as pessoas acreditam no governo, na economia e nas perspectivas, elas consomem mais.

CAPITAL ABERTO: Além da questão da polarização, as fake news também geraram uma relação de ódio dentro das redes sociais. Como isso acontece?

Paulo Silvestre: Um estudo publicado pela revista Science mostrou que as fake news são muito mais poderosas do que as notícias verdadeiras porque elas se espalham mais. E não são os robôs ou os algoritmos que as compartilham, e sim nós mesmos. Elas são impulsionadas pela emoção, geralmente negativa. Os produtores desse conteúdo o fazem de forma a provocar o ódio, porque ele afeta uma camada mais interior do cérebro e a pessoa não raciocina sobre o assunto. As pessoas se sentem imbuídas por essa emoção, que derruba a capacidade de discernimento, e sentem o ímpeto de passar o que leram adiante.

Balbo: As pessoas encontraram um canal para poder despejar todo ódio que elas têm em todas as causas. Em termos de mobilização, os animais mobilizam mais do que seres humanos. É uma constatação triste, mas acontece porque as pessoas partem do princípio de que o animal é um ser indefeso e o humano não, necessariamente. Além disso, as pessoas também estão sentindo ódio das instituições e das grandes corporações.

CAPITAL ABERTO: Há formas de gerar o engajamento nas redes sociais também com sentimentos positivos?

Silvestre: Atualmente, o grande desafio das marcas é justamente criar a emoção positiva, porque o mundo já cria a emoção negativa. Fazer o seu trabalho direito é bom, mas isso não gera emoção, por mais que esteja sendo feito o que se espera da marca. Precisamos, como empresa, conhecer o nosso público e, assim, identificar seus valores e como eles de podem, de alguma maneira, estar relacionados os da empresa.

Balbo: Estamos tentando descobrir como trazer o consumidor para advogar por nós, isto é, como ele poderia disseminar se teve uma boa experiência. Dessa maneira, teremos que reaprender a fazer marketing, porque as pessoas se transformaram em um grande canal de comunicação. É muito mais difícil fazer esse tipo de marketing, porque não é uma propaganda ou um monólogo, mas uma conversa. Eu acredito demais no poder que isso terá daqui para frente.

Kaneta: A marca precisa passar essa legitimidade sempre por meio de uma conversa, dialogando e entendendo seu público. Assim, consegue se posicionar dentro dessa polarização de um lado ou de outro.

CAPITAL ABERTO: Como funciona o trabalho da checagem de fatos, ferramenta capaz de barrar as fake news? Como é possível separar o que é enganoso da verdade nas redes sociais no nosso cotidiano?

Luiza Bodenmüller: É importante situar as fake news dentro de um fenômeno maior que estamos vivendo, de desinformação. Como elas estão ligadas ao reforço de alguma crença, acabam se tornando bem mais difíceis de serem desconstruídas, e os fatos podem não ser suficientes. Mesmo em um grupo de pessoas bem informadas, não estamos imunes a isso. O trabalho de checagem de fatos é um trabalho puramente jornalístico, como uma grande apuração. Além disso, hoje, existem ferramentas nas redes sociais que conseguem fazer o rastreio da origem de um assunto ou de um post com grande engajamento e é possível até alcançar o autor, por exemplo. Tem várias estratégias que podem ser usadas, mas tudo passa sempre pela transparência e pela coerência.

CAPITAL ABERTO: Todas as fake news acabam se tornando uma crise para as empresas?

Grinberg: Todas as fake news precisam ser observadas, principalmente com o público interno, porque a proliferação é muito rápida. Nós temos 50 mil funcionários e a grande maioria é jovem e está nas redes sociais o tempo todo, produzindo e compartilhando conteúdo. O nosso papel de comunicação interna é constante, justamente para que possamos empoderar esses funcionários e fazer com que advoguem pela companhia. Isso tem funcionado relativamente bem quando observamos alguns casos, principalmente os mais absurdos. Essas situações nem chegam até nós porque não é necessário, uma vez que eles mesmos controlam essa proliferação nos ambientes onde estão inseridos.

Silvestre: As empresas precisam se posicionar de maneira ativa, criando previamente um canal para construir uma relação com o seu público. É interessante pensar que é o seu público e não o seu cliente, porque quem se relaciona com você hoje nas redes sociais não é necessariamente quem compra o que você faz, mas é quem gosta da sua marca ou quem de alguma maneira se interessa por ela. A construção desse relacionamento pode fazer com que as próprias pessoas saiam em defesa da marca em algumas situações. Porém não adianta querer construir isso depois de a crise se instalar.

Kaneta: Há algumas recomendações básicas para gestão de crises. Primeiro, ter uma estratégia de comunicação: saber onde estão falando de você, para ter uma voz ativa nos diálogos em que a companhia quer estar, de forma autêntica. O segundo ponto é monitorar os riscos e entender a relevância de todos os assuntos, para aplicar os recursos adequados em cada situação. E por último é estar presente e usar as redes sociais a seu favor. Lembrando que esse é um trabalho que deve ser feito com antecedência. A crise não é uma coisa nova. A grande diferença hoje é a velocidade de propagação e de resposta, que precisa ser mais rápida. A empresa nunca estará 100% preparada, mas é melhor ter feito pelo menos uma simulação ou conhecer alguns procedimentos.


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