Campo minado
Como a disseminação de conteúdos enganosos ameaça o mercado de capitais
, Campo minado, Capital Aberto

Ilustração: Rodrigo Auada

O mundo dos conteúdos duvidosos compartilhados pela internet é vasto. Um terreno pantanoso em que convivem boatos, meias-verdades e até textos disfarçados de reportagens isentas — as chamadas “fake news”, termo eleito como a expressão do ano de 2017 pela editora do dicionário HarperCollins. Os efeitos nefastos desse fenômeno causaram alarde inicialmente na política por causa da eleição de Donald Trump à presidência dos EUA — estudos indicam a disseminação de notícias mentirosas favoráveis ao empresário como um dos motivos para sua a vitória —, mas hoje o assunto já preocupa também os participantes dos mercados financeiros e de capitais. Afinal, uma postagem falsa de singelos 280 caracteres no Twitter pode ter um impacto devastador no mercado de ações. Um episódio que denota isso ocorreu antes mesmo do termo fake news se popularizar. A renomada agência de notícias Associated Press publicou na rede social, em 2013, que o então presidente americano Barack Obama havia sido atingido por uma explosão. Em poucos minutos, o valor das ações do S&P 500 caiu 130 bilhões de dólares. A agência informou posteriormente que a publicação era falsa. Havia sido feita por um hacker que acessara sua conta.

“Participantes do mercado não negociam apenas com base em fundamentos. Tendências de comportamento, esperadas como reação às notícias, têm papel fundamental. Prova disso é o fato de que mesmo Donald Trump consegue mobilizar o mercado com um simples tuíte”, afirma à CAPITAL ABERTO Roman Kräussl, professor da Universidade de Luxemburgo. Ele integrou a equipe de um estudo que analisou como os conteúdos — de forma sutil, por meio das palavras escolhidas — são capazes de afetar as expectativas dos investidores. “Quando as notícias destacam fatos negativos ou usam palavras com esse teor, o mercado tem reação desfavorável. O contrário também ocorre. E essa reação pode repercutir no curto e no longo prazo, podendo ser sentida até três anos depois”, ressalta Elizaveta Mirgorodskaya, analista de risco e pesquisadora do estudo na Universidade de Amsterdã.

O alcance das redes sociais alterou o comportamento do investidor em relação ao monitoramento de notícias. Pesquisa da consultoria Greenwich Associates feita em 2015 com uma amostra de 256 investidores institucionais dos mercados americano, europeu e asiático mostrou que o Twitter serve de fonte de informação para 80% deles. A rede social tem cerca de 300 milhões de usuários e 500 milhões de publicações diárias e seu uso como indicador de tendências fez surgir empresas como a americana Dataminer, que oferece relatórios sobre o que está sendo postado a clientes em 70 países. Fundada em 2009, a empresa utiliza ferramentas de análise de dados para rastrear postagens no Twitter e, assim, detectar eventos disruptivos antes de os mercados reagirem. Em 2015, por exemplo, logo após os primeiros comentários na rede, notificou seus clientes sobre o escândalo do acobertamento de testes relacionados a controle de emissão de poluentes pela Volkswagen — a mensagem chegou oportunos três dias antes de as ações da companhia caírem 30%. Ocorre que está cada vez mais difícil discernir o que vale a pena reportar. Em uma infeliz “pegadinha” de 1º de abril, o excêntrico fundador da Tesla, Elon Musk, postou no Twitter a informação de que a companhia estava decretando falência. A brincadeira soou como verdade para alguns investidores, já que a Tesla apresenta os piores resultados dos últimos anos. Consequência: no mesmo dia, as ações da empresa caíram 6%. É provável que o trote tenha impactado principalmente pessoas físicas, que nos EUA têm grande participação no mercado acionário.

Reguladores atentos

Cientes dos estragos que uma postagem falsa pode acarretar no mercado, os reguladores acompanham com atenção conteúdos que circulam na internet. No ano passado veio a público um caso inusitado. Durante dois anos e meio, uma obscura agência de conteúdo fundada nos Estados Unidos — a Lidingo, criada por uma atriz de origem sueca como o nome da empresa — contratou redatores para a produção de centenas de artigos destinados a influentes portais de informações financeiras, como o Seeking Alpha. Não haveria nada demais se não fosse por um detalhe: contrariando a legislação do mercado americano, os autores não informavam nas postagens que estavam sendo remunerados por partes interessadas para escrever. Os clientes da agência eram companhias de capital aberto interessadas em fazer subir os preços de suas ações por meio da disseminação de informes publicitários travestidos de textos jornalísticos isentos. A Lidingo chegava ao ponto de prometer a seus clientes uma valorização mínima das ações em determinado período — caso não obtivesse êxito, devolveria o valor pago. A Securities and Exchange Commission (SEC), reguladora do mercado de capitais americano, investigou o caso e puniu 27 partes envolvidas.

No mercado brasileiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também está atenta à disseminação de notícias que possam ter o objetivo enganar o investidor. A autarquia faz um acompanhamento diário de conteúdos divulgados na imprensa relativos aos mercados sob sua supervisão. Nessa análise, observa se o que está sendo veiculado atende às normas de divulgação de conteúdo pelas empresas — segundo a Instrução 480, as informações devem ser “verdadeiras, completas, consistentes” e não podem induzir o investidor a erro.  “Não temos uma supervisão específica para o que é veiculado no Facebook ou no Twitter, mas estou tranquilo quanto ao fato de que os acontecimentos reverberam e são refletidos no clipping da CVM”, diz Fernando Vieira, superintendente de relações com empresas da autarquia. Caso haja suspeita ou denúncias sobre notícias falsas ou manipuladas, o regulador pode abrir investigação e responsabilizar as partes. Dependendo da situação, a CVM tem poder para encaminhar a investigação para autoridades que cuidam de crimes como difamação, injúria ou calúnia.

Presidente da Canepa Asset Brasil, Alexandre Póvoa observa que, ao mesmo tempo em que as redes sociais são democráticas na difusão de informação, podem gerar um desalinhamento entre os que as usam intensamente como fonte de notícias de mercado e os que se limitam a acompanhar o que as companhias divulgam de forma oficial. Isso cria um problema para a CVM: caso uma informação sobre determinada empresa seja publicada primeiro em redes sociais, é possível que apenas um grupo pequeno saiba dela antes, o que não condiz com as normas de equidade entre os participantes do mercado. “Mas uma coisa é o que a empresa divulga em suas contas, o que é geralmente usado pelo investidor, e outra é o que aparece sobre elas nas redes sociais como um todo”, ressalva. “Principalmente em tempos de Operação Lava Jato, em que muitas coisas estão acontecendo, isso pode representar um grande perigo. Muita gente de má-fé divulga conteúdos capazes de afetar ações”, acrescenta Póvoa.

Melhor se precaver

A proliferação de notícias mentirosas nas redes sociais impõe um enorme desafio às empresas. Dentre 50 notícias “quentes” detectadas como falsas pela agência americana de checagem de informações Snopes, 12 eram sobre companhias. No Brasil, uma pesquisa da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), feita entre fevereiro e abril de 2018 com 52 empresas nacionais e multinacionais, revela que o assunto “fake news” preocupa 85% dos representantes ouvidos; 20% das companhias afirmaram ainda ter feito mudanças em sua estrutura ou contratado serviços para acompanhar e lidar com informações duvidosas. Para 91% dos entrevistados, os danos à imagem da empresa são os principais efeitos dessas informações.

“Os departamentos de relações com investidores e de marketing das companhias precisam estar com o alerta ligado o tempo todo. Nunca se sabe o novo boato que pode surgir e se espalhar rapidamente”, comenta Edmar Lopes, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri). Por isso, ele recomenda que as empresas tenham estratégias engatilhadas para combater a difusão de conteúdos mentirosos. Um dos mais abrangentes estudos já feitos sobre fake news, conduzido por pesquisadores do Massachussetts Institute of Technology (MIT), concluiu que notícias duvidosas têm 70% mais chances de serem repassadas do que notícias verdadeiras. O trabalho analisou 3 milhões de posts de usuários do Twitter escritos em inglês entre 2006 a 2017 (base fornecida pela própria rede social) e verificou a veracidade dos conteúdos a partir de avaliações feitas por seis agências de checagem de informação. A conclusão do estudo representa um indicador do rumo que as redes sociais vêm tomando — sinal de alerta para os mercados globais.

As small caps são as que mais devem se preocupar com esse fenômeno, segundo um estudo preliminar conduzido por pesquisadores do MIT e da Universidade Yale. De acordo com eles, há evidências de que os mercados são eficientes em deter impactos nos preços de companhias grandes e médias. Assim, as fake news atingiriam de forma mais contundente aquelas com menor valor de mercado.

Essa realidade faz surgir empresas como a startup americana Indexer, que desenvolveu um sistema que promete processar milhões de conteúdos por dia, determinando se eles são favoráveis, negativos ou neutros sobre um tópico. A ferramenta pode também checar dados e cruzar conteúdos. Além disso, começam a aparecer projetos de aplicação da tecnologia blockchain para a difusão de informação validada pelos próprios usuários. Por não ter um controlador central, atuar de forma transparente e manter registros a partir do momento em que um dado (ou uma notícia, nesse caso) entra na rede, a blockchain pode ser uma solução eficaz para barrar o compartilhamento de informações sem verificação. “Por ser uma cadeia aberta, o usuário pode ver quem iniciou o compartilhamento, com a data e até a fonte original”, explica Clarissa Luz, advogada especialista em direito de internet. A blockchain é aplicada dessa forma pela Publiq, fundação sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos. Quem compartilha conteúdo por meio dela tem seu nível de confiabilidade construído com base no histórico de feedbacks sobre suas postagens. Já a startup Snip recompensa conteúdos confiáveis com tokens, ativos digitais que garantem “direitos” dentro da cadeia. Da mesma forma que a tecnologia colaborou para a proliferação das fake news, é ela quem pode ajudar a brecar esse potente fenômeno.


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