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Bancos digitais sacodem sistema financeiro
Como Agibank, Inter e Nubank usam o apelo da conta sem tarifa para enfrentar instituições tradicionais
Bancos digitais sacodem sistema financeiro

Ilustração: Rodrigo Auada

Praticamente impossível os usuários do metrô paulistano que, com seus smartphones em punho, cruzam a pé o túnel que liga as linhas amarela e verde não terem notado o gigante painel laranja-berrante instalado por ali recentemente. Ousadia típica das fintechs que se consolidam no mercado brasileiro, a propaganda foi bolada pelo Banco Inter.  Os espaços laterais do chão ao teto foram usados para anunciar em letras garrafais sua oferta de abertura de contas sem tarifas mensais diretamente pelo aplicativo e também para ostentar a marca de 1 milhão de clientes conquistados — as paredes induziam a pensar “junte-se a nós!”. Espalhafato e informalidade são as marcas dos novos bancos digitais. Eles começam a sacudir o concentrado sistema financeiro nacional, beneficiados por iniciativas de afrouxamento de regras do Banco Central (BC) e pela distância ainda existente entre correntistas e bancos tradicionais — que nada tem a ver com a era de extrema proximidade inaugurada pela revolução digital.

Numa tentativa de ao menos trincar o quase monolítico sistema bancário do País — segundo o BC, os cinco maiores bancos concentravam, em 2017, 81,3% dos ativos totais e 83,5% das operações de crédito —, nomes como Inter, Nubank e Agibank têm atraído a atenção do mercado de capitais. Não à toa, já que 1,6 milhão de contas foram abertas via mobile banking em 2017, número três vezes superior ao do ano imediatamente anterior, segundo a Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban). Parece consenso a avaliação de que os bancos brasileiros precisam caminhar nesse sentido, mas persistem dúvidas em relação à viabilidade de longo prazo dos planos de negócios das fintechs. Afinal, como uma instituição financeira pode sobreviver num segmento altamente competitivo oferecendo o mesmo serviço das grandes instituições — e muitas vezes de graça?

Por ora, a primeira aposta dos investidores no modelo é bem-sucedida. Desde o IPO (oferta inicial de ações), no final do último mês de abril, o Banco Inter viu suas ações saltarem de 18,50 reais para 38,45 reais no dia 4 de dezembro, uma valorização de impressionantes 107,8%. Para se ter uma ideia, as ações preferenciais de Itaú e Bradesco subiram no período, respectivamente, 6,5% e 10,3%, enquanto o Ibovespa avançou 2,9%. De acordo com o balanço do terceiro trimestre, o Banco Inter chegou ao fim de setembro com 1,050 milhão de clientes, muito mais que os 271 mil registrados um ano antes — segundo a casa de análise Eleven Financial, a projeção é que a instituição encerre 2018 com 1,47 milhão de contas e 2019 com 3,28 milhões. O aumento da base foi acompanhado de uma redução de 15,5% do custo unitário de atração de clientes, para 18,81 reais. Outros números positivos foram a ampliação do resultado da intermediação financeira (90%), da receita de serviços (220,3%) e do lucro (82,7%, para 19,1 milhões de reais).

A estratégia do Banco Inter, habitual entre os novos bancos digitais, é oferecer ao correntista um benefício de entrada — a ausência de cobrança de tarifas mensais, como manutenção de conta e cadastro, comuns nas grandes instituições — para a ele apresentar outros serviços capazes de gerar receitas mais estáveis e duradouras, como as relacionadas a cartões de crédito, empréstimos, investimentos e seguros, por exemplo. No acumulado dos três primeiros trimestres do ano, a instituição registrou alta de 565% nas adesões de seguros, totalizando 18,9 mil. Com o aumento da quantidade de clientes, captados com iniciativas como a campanha no metrô, as ações nas redes sociais e o patrocínio ao São Paulo Futebol Clube, o Inter aposta na força do boca-a-boca. Recursos iniciais não faltam, já que o banco captou 772 milhões de reais na abertura de capital.

“Nossa estratégia envolve a criação de relacionamentos longos com os clientes. As receitas virão à medida que as pessoas consumirem os produtos do banco; não estão calcadas nas taxas para manutenção das contas”, afirma o vice-presidente do Banco Inter, Alexandre Riccio. Por trás da tática existe ainda uma nada desprezível vantagem das fintechs: elas têm custos operacionais proporcionalmente muito mais baixos que os dos bancos tradicionais. “Como não temos estrutura de agências físicas, podemos compartilhar com os clientes os benefícios dessa economia”, acrescenta. No QG da empresa, em Belo Horizonte, os executivos acompanham em tempo real uma estatística curiosa: quanto os clientes do Inter economizam por não pagarem as “taxinhas” dos grandes bancos de varejo. Até 4 de dezembro, a bolada chegava a 580 milhões de reais.

Empurrão regulatório

O impulso ao modelo de negócio dos bancos exclusivamente digitais no Brasil veio da flexibilização da regulamentação empreendida pelo BC a partir de 2016. As reformas para garantir incentivo à concorrência entre os bancos no varejo estão na Agenda BC+, que inclui a meta correlacionada de redução do spread (a diferença entre o custo de captação e o juro cobrado pelos bancos dos tomadores de empréstimos). A Resolução 4.480/16 autorizou a abertura e o encerramento de contas de forma totalmente digital. Foi a senha para a criação do Inter e do Original (controlado pela holding J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista) — que optou pelo caminho da cobrança de taxas relacionadas às contas. Em janeiro de 2018, o BC deu mais um passo ao ampliar as permissões de contas digitais para as pessoas que trabalham como microempreendedor individual (MEI) e, em novembro, estendeu o benefício a empresas de todos os portes.

O BC também facilitou os trâmites de empréstimos e autorizou a participação de empresas estrangeiras no capital de fintechs nacionais, o que abriu espaço para os bem-sucedidos IPOs das operadoras de “maquininhas de cartão” PagSeguro (2,3 bilhões de dólares captados) e Stone (1,22 bilhão de dólares) em Nova York. “As ações do BC permitiram o ingresso de empresas na bolsa”, observa a analista de equity e setor financeiro da Eleven Financial, Tatiana Brandt. O mercado especula que, na fila dos IPOs, estão Agibank, BMG e Bonsucesso — todos calcados na estratégia “100% digital”.

A orientação do BC parece querer corrigir uma distorção que surgiu como espécie de efeito colateral do Plano Real. Com a economia estabilizada a partir de 1994, ganhou força uma onda de fusões e aquisições — Nacional-Unibanco, Bamerindus-HSBC, Real-ABN Amro, Banespa-Santander, BankBoston-Itaú, ABN Amro Real-Santander, Unibanco-Itaú, Citibank-Itaú, HSBC-Bradesco — que desenhou a atual incômoda concentração bancária.

Planos de expansão

De acordo com Marciano Testa, presidente do Agibank, o plano de abertura de capital do banco continua “consistente e inalterado”, apesar de ter sido postergado à espera de condições de mercado mais convidativas que as do tumultuado ano eleitoral de 2018. O Agibank encerrou o terceiro trimestre com 434 mil contas, ante 63,5 mil no fim de setembro de 2017. “Ainda não temos um portfólio completo como o dos bancos tradicionais, mas crescemos numa velocidade muito mais intensa”, afirma.

Um dos principais casos de sucesso no Brasil até hoje é o Nubank, fintech que optou por iniciar a jornada no sistema financeiro pela oferta de cartões de crédito sem anuidade. O presidente do banco, David Vélez, informa que desde o início das operações, em 2013, a instituição recebeu cerca de 20 milhões de pedidos para emissão de cartões, volume que se concretizou em uma base de 5 milhões de clientes. A partir de maio passado, o Nubank passou a oferecer também contas correntes 100% digitais sem taxas para pessoas físicas — e elas já somam 2,5 milhões. “Quando surgimos, o termo ‘fintech’ não existia, nem se acreditava ser possível desafiar e competir em um setor tão concentrado e regulado quanto o bancário”, destaca Vélez. “Hoje, as fintechs são uma alternativa viável, mas essa transformação não virá de um dia para outro. Será necessário um período de cinco a dez anos para que de fato o País veja uma redução da concentração no setor”, avalia.

Será necessário um período de cinco a dez anos para que de fato o País veja uma redução da concentração no setor — David Vélez, presidente do Nubank

A experiência de abertura de contas digitais em sete bancos exclusivamente digitais e três tradicionais no Brasil foi testada por analistas do J.P.Morgan, que apresentaram os resultados em relatório publicado em abril. “Percebemos que os bancos nascidos digitais estão à frente dos bancos de varejo que tentam se movimentar digitalmente”, escreveram os analistas Domingos Falavina, Yuri Fernandes e Guilherme Grespan. Na avaliação deles, Inter, Neon e Original ofereceram as experiências mais positivas (tempo de registro de 5 a 15 minutos e aprovação em menos de três dias). “Nossa impressão geral dos grandes bancos foi ruim”, concluíram. De acordo com o documento, o Bradesco Next se saiu melhor, mas tentou cobrar taxas mensais, enquanto o Banco do Brasil obrigou os analistas a irem uma vez à agência para a aprovação final. Já no caso de Itaú e Santander, afirmaram, foram necessárias duas visitas às agências e, após 14 dias, as contas ainda não tinham sido abertas. “Ter filiais, em nossa opinião, criou um ambiente propenso a fazer com que grandes bancos falhem nas iniciativas digitais”, destacaram. Os resultados não têm valor estatístico — trata-se de uma simples sondagem —, mas são sugestivos sobre o que acontece na prática.

Muitos olham para as fintechs e pensam que são só empresas de crédito. Mas elas são muito mais do que isso: funcionam como um canal para conexão das pessoas com o mercado financeiro”, sublinha o diretor e fundador da desenvolvedora de fintechs Fisher Venture Builder, Carlos Gamboa. O fato de as fintechs já terem nascido sob a égide da era digital garante a elas muito mais agilidade logo de início. “Os bancos têm processos que foram desenhados anos atrás, para outra circunstância. As fintechs prescindem desses padrões antigos, elas existem para resolver problemas”, completa.

 

 

 

 

E a rentabilidade?

Mas será que esse modelo mais leve e “desapegado” permite que as fintechs alcancem o nível de rentabilidade dos bancos consolidados, de forma a atrair investidores que querem sim inovação, mas também retorno financeiro? “Os bancos digitais buscam capturar os clientes que não querem pagar nada para ter uma conta. Isso é um risco muito grande, já que toda instituição bancária precisa dar lucro”, alerta Michael Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper. Ele cita o caso do Nubank. De acordo com o balanço do período de janeiro a junho, o prejuízo da instituição aumentou 30% em relação ao resultado negativo do primeiro semestre de 2017, para 50,9 milhões de reais. Não se pode, entretanto, desconsiderar que o Nubank é uma empresa em fase de crescimento, que naturalmente demanda mais recursos do que dá retorno. A melhora da rentabilidade deve vir com o tempo, mas não sem percalços. “Os clientes mais lucrativos dos bancos tradicionais, por causa de seu longo relacionamento com as instituições ou concentração de recursos e investimentos, já recebem benefícios como isenção de tarifas e de anuidades de cartões de crédito. Por que migrariam para um novo banco digital?”, questiona o professor. Para Viriato, em algum momento as fintechs podem optar por também cobrar tarifas. “Acho difícil os bancos digitais serem, no futuro, iguais ao que são hoje. Acredito que devem encontrar um modelo intermediário.”

Uma comparação entre os retornos de bancos tradicionais e de fintechs poderia ser feita pelo indicador ROE (retorno sobre o patrimônio), comum nas análises do setor bancário. Mas ele pode distorcer as avaliações, por incluir receitas advindas de ramos com margens maiores — como seguros, área em que os grandes bancos são muito fortes e em que a participação das fintechs é marginal. “Acho importante acompanhar a evolução das instituições, e não sua fotografia num determinado momento”, diz Brandt, da Eleven Financial.

Em novembro, a agência classificadora de riscos Fitch revisou o rating de 11 bancos brasileiros pequenos e médios, elevando a classificação de apenas dois, entre eles o Banco Inter. Para a agência, o Inter tem conseguido reforçar sua estratégia de venda cruzada de produtos de crédito, serviços e investimentos ao mesmo tempo em que reduz custos de captação. “Ao longo de 2018, o Inter tem se posicionado acima da média de seus pares em termos de rentabilidade, qualidade de ativos e capitalização”, escreveu a Fitch. O analista de bancos da Austin Rating, Luis Miguel Santacreu, lembra que as mudanças tecnológicas abrem novas fronteiras de crescimento, o que favorece os digitais. “Eles podem contar com a insatisfação de muitos clientes de bancos grandes e com o ainda elevado contingente de pessoas desbancarizadas no País.”

Problemas no caminho

Como não se cresce sem dor, o segmento de fintechs já enfrentou seus primeiros abalos no mercado brasileiro. O Banco Neon, que integrou uma safra de bancos digitais, teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo BC em 4 de maio passado, por indícios de “graves violações às normas legais e regulamentares”. O prazo para a conclusão do processo se encerra em fevereiro de 2019; enquanto isso, a administração das 600 mil contas do Neon ficou a cargo do banco Votorantim, que assumiu os serviços de custódia e movimentação das contas. Poucos dias depois do IPO, o Banco Inter precisou ir a público para negar a informação publicada pelo site especializado em tecnologia TecMundo de que havia sofrido um ataque cibernético. O episódio chegou a derrubar em 10% as ações. O banco depois admitiu que foi “vítima de uma chantagem interna e que imediatamente acionou as autoridades policiais”. Em 17 de agosto, afirmou que houve, sim, uma exposição de dados de clientes, mas de “baixo impacto”. “Acreditamos que a pessoa autorizada a atuar nos nossos sistemas tenha quebrado seu dever de sigilo”, justificou em comunicado ao mercado.

Apesar dos incidentes, segundo o professor do departamento de informática e de métodos quantitativos da FGV Eaesp, Fernando Meirelles, o sistema utilizado na abertura de contas digitais no Brasil é seguro. “O custo dessa tecnologia é muito menor hoje, assim como a certificação de ausência de fraudes. As instituições têm como se proteger”, afirma. Blindadas, ousadas e ágeis, as fintechs correm contra o tempo — e contra o gigantismo da concorrência — para cair no gosto dos brasileiros.


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