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Atropelada pelo governador
O embate entre a CCR e o Palácio dos Bandeirantes em torno do aditivo contratual que prorroga a concessão da Autoban até 2026

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Uma das maiores companhias de concessão de infraestrutura da América Latina, a CCR sempre foi apontada pelos analistas como uma ótima empresa para se investir em tempos de volatilidade econômica. Por ter fluxo de caixa estável, suas ações costumam ser mais resilientes e menos suscetíveis ao sobe-e-desce da bolsa. Nos últimos tempos, entretanto, os acionistas da CCR não têm visto nada disso. No mês de setembro, o preço da ação caiu do teto de R$ 14,73 para o mínimo de R$ 10,50, no dia 24. O tombo começou após a 3ª Vara da Fazenda de São Paulo proferir uma decisão em primeira instância desfavorável à CCR. Ela invalidou um aditivo contratual que prolongava o fim do prazo de concessão da Autoban, uma das empresas do grupo, de 2018 para 2026. O termo fora assinado em 2006 pelo então governador Cláudio Lembo (ex-PFL, atual DEM), eleito vice de Geraldo Alckmin (PSDB) em 2002. Agora, o próprio poder executivo paulista, em conjunto com a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), pede a anulação do aditivo.

A antecipação teve o efeito de um rolo compressor sobre a CCR, que hoje controla 3.284 quilômetros de rodovias em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso do Sul. Se não conseguir reverter a decisão, a companhia terá oito anos e oito meses a menos para explorar o sistema Anhanguera-Bandeirantes, responsável, no primeiro semestre, por 30,1% do total de sua receita bruta operacional. Durante uma reunião pública com analistas e investidores, organizada às pressas no fim de setembro para esclarecer o processo, Renato Vale, presidente da CCR, expressou sua frustração. “Naquele momento, nós quebramos uma tradição da empresa, que nunca fez um comunicado ou uma divulgação de fato relevante em cima de uma decisão de primeira instância.”

A invalidação do aditivo não poderia ter vindo em hora mais inoportuna. Ocorreu no dia 4 de setembro, às vésperas do período de reserva de uma emissão de R$ 930 milhões em debêntures de infraestrutura da Autoban. Como toda a ação corria em segredo de Justiça, durante o roadshow para a venda dos títulos a companhia não prestou as informações ao mercado. Diante da reviravolta, no dia 24 daquele mesmo mês pediu à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o cancelamento da oferta por 60 dias. Com lançamento previsto para outubro, a operação visava alongar prazos e melhorar o custo da dívida da Autoban. Segundo Vale, a retirada do grau de investimento do Brasil pela Standard & Poor’s (S&P) e as declarações do governo estadual sobre a intenção de licitar novamente o sistema Anhanguera-Bandeirantes em 2018, caso a decisão se confirme em instâncias superiores, também influenciaram a CCR na decisão de “reavaliar” a oferta.

A reunião pública montada pela CCR foi também uma contraofensiva à Artesp, que 15 dias antes havia convidado os mesmos analistas para dar sua versão da história. No centro da disputa está o cálculo dos aditivos contratuais utilizado pelo governo da época para compensar as perdas de concessionárias de rodovias paulistas com atrasos no reajuste de pedágios e o aumento da cobrança de tributos (ISS, PIS e Cofins). Esses eventos dispararam a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro dessas concessões, para que as taxas de retorno fossem mantidas. O problema, no entendimento da Justiça, é que esse reequilíbrio foi auferido incorretamente, já que se baseou numa projeção de receita, e não na condição real da prestação do serviço. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), isso gerou um ganho indevido às concessionárias de cerca de R$ 2 bilhões.

A Fipe foi contratada pela Artesp após o governador Geraldo Alckmin pedir uma auditoria dos aditivos contratuais, quando retornou ao Palácio dos Bandeirantes em 2011. De acordo com a agência de transporte, a decisão referente à Autoban é somente a primeira de uma “ampla disputa jurídica” que inclui outras duas concessões da CCR (SPVias e ViaOeste), quatro da Arteris (Autovias, Centrovias, Intervias e Vianorte), uma da EcoRodovias (Ecovias), além das concessionárias Tebe, Triângulo do Sol, Renovias e Colinas. As demais ações, que correm em segredo de Justiça, aguardam sentença. Ao todo, são 12 lotes de concessões em disputa nos tribunais, cujas rodovias cortam cerca de 170 municípios e englobam aproximadamente 54% da população paulista (leia também quadro).

Motivações

Para entender as razões do embate, é bom lembrar como aconteceram as licitações. As estradas paulistas foram concedidas num período de crise internacional e de altas taxas de juros no Brasil — em 1999, a Selic atingiu o patamar de 45% ao ano. Para seduzir os grupos empresariais naquela época, as taxas internas de retorno (TIR) precisavam ser elevadas.

A primeira etapa do programa paulista de concessões rodoviárias teve início em 1998, com a licitação de nove lotes. Outros três foram vendidos em 2000 — juntos, formavam uma malha de 3,5 mil quilômetros de extensão, concedida por um prazo de 20 anos. As empresas que apresentaram os maiores valores de outorga levaram os lotes ofertados, com taxas de retorno que variavam entre 17,58% e 21,37% ao ano, segundo informações da Artesp.

Agora os tempos são outros, e o governo estadual não está mais disposto a oferecer esses valores. Para se ter uma ideia, na licitação que fez dos trechos leste e sul do Rodoanel, em 2011, a taxa de retorno foi de 7,09% ao ano. Portanto, ao invalidar o aditivo contratual que acertou com a CCR e com outras concessionárias, o Palácio dos Bandeirantes dará um fim às taxas de dois dígitos e poderá licitar novamente essas rodovias, reduzindo as tarifas.
A queda dos valores dos pedágios é tema recorrente nas campanhas eleitorais ao governo estadual. E a tendência é o assunto retornar com força no pleito de 2018, já que, frequentemente, as rodovias paulistas são criticadas por cobrar tarifas elevadas, com alto ônus à população e à indústria de base do interior.

Ao invalidar o aditivo contratual que acertou com a CCR e outras concessionárias, Alckmin dará um fim às taxas de retorno de dois dígitos e poderá licitar novamente as rodovias, reduzindo as tarifas. A queda dos valores dos pedágios é tema recorrente nas campanhas eleitorais

Conforme apurou a reportagem, desde que reassumiu, há quatro anos, o posto de governador, Alckmin decidiu reforçar a Artesp para que adotasse uma “linha dura”. Deixou a agência sob o comando, à época, da diretora Karla Bertocco Trindade e do secretário dos Transportes, Saulo de Castro Abreu, ex-corregedor geral da administração do Estado de São Paulo e atualmente secretário do governo. Na nova gestão, segundo as concessionárias, teria havido uma “descontinuidade do diálogo”, com o bloqueio de obras relevantes que pudessem gerar aditivos contratuais e revisões tarifárias desfavoráveis.

Em nota enviada à capital aberto, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo afirmou que os estudos para relicitação do Sistema Autoban já começaram. “A Artesp e a Fazenda Pública de SP confiam plenamente na manutenção desta decisão em instâncias superiores. Não apenas pela densidade das provas acumuladas, mas devido a julgados recentes”, afirma o comunicado. A assessoria de imprensa da CCR informou à reportagem, em 15 de outubro, que a companhia já havia recorrido da decisão da 3ª Vara, cujo processo estava, em 2ª instância, no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Perdas

A postura da Artesp representa um balde de água fria para os investidores da CCR. Entre os dias 4 e 11 de setembro, semana em que a disputa entre o governo e a companhia ganhou as páginas dos jornais, os papéis da concessionária fecharam com desvalorização de 8,5% — recuaram de R$ 14,05 para R$ 12,85. No dia 9 de outubro, estavam cotados a R$ 12,70. Além da importância da Autoban para os resultados da CCR, os investidores põem na ponta do lápis o nível de investimentos que ela recebeu — entre maio de 1998 e julho de 2015, foram R$ 6,08 bilhões. Se os aditivos contratuais de ViaOeste e SPVias forem encerrados antecipadamente, o problema toma proporções ainda maiores: o pedágio arrecadado por essas rodovias, mais a Autoban, somou no primeiro semestre R$ 1,7 bilhão, mais da metade da receita bruta operacional de R$ 3,14 bilhões da companhia.

Para apaziguar os ânimos, a CCR tomou algumas providências. Emitiu, em 4 de setembro, um comunicado ao mercado informando que, até a decisão final sobre o tema, o aditivo contratual da Autoban continua valendo. Além disso, durante encontro com analistas, apresentou seu próprio cálculo para o reequilíbrio econômico-financeiro da Autoban, com base na metodologia indicada pela Fipe. O resultado foi favorável à concessionária em seis anos. Dessa forma, seu contrato para exploração do sistema Anhanguera-Bandeirantes não se encerraria em 2018, mas em 2024. Aqui, cabe uma explicação: o reequilíbrio pode ser calculado via extensão de prazo, mas, se preferir, o governo tem a opção de ressarcir a companhia pelo prejuízo ou autorizar o aumento de tarifas.

Em relatório, a analista do Itaú BBA Renata Faber projeta uma perda de R$ 2 bilhões no valor de mercado da CCR caso a extensão da concessão seja reduzida para seis anos. Já analista do setor de transportes do JP Morgan, Fernando Abdalla, prevê um encolhimento de R$ 5,2 bilhões no tamanho da empresa em bolsa na hipótese de o prazo para exploração das três concessões da CCR (Autoban, ViaOeste e SPVias) ser antecipado e o governo indenizar a empresa pelo valor estipulado no reequilíbrio econômico-financeiro sugerido no estudo da Fipe. Na reunião com os analistas, o presidente da CCR não descartou um possível acordo com o estado para encerrar a ação, inclusive por meio de ressarcimento. “Apesar de isso ser possível, é mais provável que se opte pela extensão de prazo da concessão, diante da extrema onerosidade de se reequilibrar com verba do Tesouro estadual”, afirma Vale. De acordo com uma fonte próxima ao governo, até a primeira semana de outubro a CCR não teria tentado uma negociação.

Apesar de terem traçado projeções para o pior cenário, Itaú BBA e JP Morgan acreditam que a CCR possa sair vencedora da disputa com o governo. Na opinião dessas instituições, a empresa tem a seu favor, além de uma boa argumentação jurídica, o fato de os termos aditivos assinados em 2006 terem sido verificados por três órgãos: Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Ministério Público Estadual e uma auditoria especial da Secretaria Estadual da Fazenda. Na época, todos eles atestaram a regularidade do que estava sendo proposto.

Efeito colateral

Ao iniciar essa pendenga com a CCR, o governo estadual também acabou prejudicando um título importante para o desenvolvimento de projetos de longo prazo no Brasil: as debêntures de infraestrutura, concebidas pela Lei 12.431/11. Esses papéis visam financiar grandes obras no País, sobretudo com recursos do investidor pessoa física — que, ao comprar esse título, ganha isenção de Imposto de Renda.

A CCR foi uma das primeiras companhias a lançar as debêntures incentivadas. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), a Autoban possui três emissões desse tipo registradas, nos valores de R$ 135 milhões, R$ 450 milhões e R$ 545 milhões, com vencimentos, respectivamente, nos meses de outubro de 2017, 2018 e 2019. O problema é que, com a invalidação do aditivo contratual, a última dessas emissões, com vencimento previsto para 2019, precisará ter seu resgate antecipado, avaliam especialistas com base nas informações do prospecto da escritura da oferta. “Essas mudanças de regras no meio do jogo são claramente um risco político, assim como identificamos recentemente no setor elétrico”, observa o sócio da área de mercado de capitais do escritório MHM, Byung Soo Hong. Em sua opinião, esse evento gera um “risco sistêmico” à captação de recursos para os próximos projetos do setor de infraestrutura.

Essa é uma péssima notícia, sobretudo às vésperas de uma nova rodada de licitações no País, no contexto do Programa de Investimento em Logística (leia também a reportagem “Para não morrer na praia”). Em relatório sobre a reunião da Artesp com os analistas do setor de transporte, a Planner informou que a agência foi duramente questionada sobre os riscos que essa ação imposta na Justiça de São Paulo geraria às próximas concessões de infraestrutura. Em sua defesa, o órgão regulador reforçou a necessidade da medida de reequilíbrio e ressaltou que a “qualidade dos ativos do estado” atrairá o interesse dos investidores. Será difícil, contudo, alcançar esse objetivo sem uma taxa interna de retorno sedutora, ainda mais após o rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela S&P.

Sócio do escritório Mattos Filho, Bruno Werneck também concorda que o episódio envolvendo a CCR aumenta a sensação de insegurança, dado que o questionamento ao aditivo parte do próprio poder executivo estadual, que o propôs. “Ninguém gosta de investir em setores afetados por ações judiciais. O investidor valoriza regras claras e estáveis.” O problema é que o Palácio dos Bandeirantes, assim como o do Planalto, parece não dar muita bola para isso.

Arteris e Ecorodovias também são afetadas

Além da CCR, a disputa com o governo do estado em relação aos aditivos firmados no fim da gestão de Cláudio Lembo, em 2006, afeta outras duas companhias listadas em bolsa: Arteris e Ecorodovias. O governo estadual quer antecipar o vencimento de quatro concessões da Arteris (Autovias, Centrovias, Intervias e Vianorte), e de uma da EcoRodovias (Ecovias).

Na bolsa, as duas sofrem as consequências da insegurança gerada pelo embate com o Palácio do Bandeirantes. As ações da Arteris, em setembro, oscilaram entre a máxima de R$ 9,63 e a mínima de R$ 9,09, enquanto os papéis da EcoRodovias apresentaram uma volatilidade ainda maior — teto de R$ 6,89 e piso de R$ 5,25. As mínimas dos papéis coincidiram com o período no qual a CCR pediu o adiamento de sua oferta de debêntures, no valor de R$ 930 milhões, em 24 de setembro.

A preocupação dos investidores é fundamentada. No caso do vencimento antecipado dessas concessões, Ecorodovias e Arteris deixarão de ganhar um bom dinheiro. Nos resultados consolidados da Ecorodovias, a Ecovias, que opera o sistema Anchieta-Imigrantes, registrou uma receita com pedágios de R$ 430 milhões no primeiro semestre. Já o faturamento da Arteris com pedágios nas estradas que cruzam o interior paulista (geridas por Autovias, Centrovias, Intervias e Vianorte) somou R$ 675,3 milhões entre janeiro e julho.

Outro problema que essas companhias podem enfrentar com um eventual término antecipado de suas concessões, no fim de 2018, está relacionado às debêntures de infraestrutura. A Intervias, da Arteris, ofertou debêntures no valor de R$ 375 milhões, com vencimento em outubro de 2019; já a Ecovias, da Ecorodovias, emitiu títulos no montante de R$ 881 milhões, com resgates de R$ 200 milhões em abril de 2020 e de R$ 681 milhões em abril de 2024.

De acordo com o sócio da área de mercado de capitais do MHM, Gabriel Figueira, no caso de esses títulos terem o vencimento antecipado, em razão do término das concessões rodoviárias, as empresas deverão pagar aos debenturistas o saldo a vencer desses títulos (principal, juros e atualização monetária, se houver). “A consequência para o investidor é o recebimento antecipado dos recursos e o risco de não conseguir outro papel para investir com a mesma taxa”, ressalta. (R.P.)


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