Falta de alinhamento entre jurisdições trava evolução dos acordos de leniência
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

A procura pelos acordos de leniência aumentou por conta da Operação Lava Jato. Grandes empresas como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Setal Engenharia, SOG Óleo e Gás e Carioca Engenharia firmaram o compromisso de repassar informações em uma força tarefa promovida entre Ministério Público Federal (MPF) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Os acordos de leniência estão previstos no âmbito das punições administrativas na Lei 8.884/96 (que trata do funcionamento do Cade); na esfera das infrações penais, aparecem na Lei 9.907 do Código Penal, sob jurisdição do MPF. Já a Lei 12.846/2013, popularmente conhecida como Lei Anticorrupção, prevê penas para as empresas que praticam ilícitos contra a administração pública, aplicadas pela Controladoria Geral da União (CGU). No entanto, ainda há entraves que dificultam as negociações. Ao contrário de Cade e MPF, a CGU não selou nenhum acordo, apesar de negociar com 12 empresas. Em nota, o órgão informou que os nomes envolvidos estão sob sigilo.

“Hoje, mais acordos não são celebrados porque os três órgãos responsáveis não têm um acordo em comum que lhes permita superar divergências”, avalia Carlos Higino, auditor do Ministério da Fazenda e ex-ministro da Transparência, Fiscalização e Controle. Existe, ainda, um ponto que impede a proliferação desses acertos. “No Brasil, persiste uma cultura de não delação. Não é a lei que vai gerar mais acordos de leniência, mas sim a tranquilidade e a confiança dos envolvidos nas autoridades”, avalia Diogo Thomson de Andrade, superintendente-adjunto do órgão antitruste. “A Lei Anticorrupção teve seu grande teste com a Lava Jato. Os órgãos estão aprendendo muito com isso, deixando de lado o seu ego e tendo que conversar”, acrescenta. De acordo com o Cade, a procura pelos acordos aumentou em pelo menos 50% nos últimos três anos, especialmente após a descoberta dos esquemas de cartel na Petrobrás.

Mesmo assim, a avaliação é de que os acordos de leniência ainda carecem de segurança jurídica. Um dos problemas da Lei Anticorrupção é o fato de ter fundamentado a celebração de acordos em requisitos previstos no diploma que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/11). Essa é a razão pela qual a Lei 12.846 prevê que o acordo de leniência seja firmado com a primeira pessoa jurídica a manifestar interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito. “Salvos os casos que tenham cartel e corrupção juntos, o importante é que haja um interesse de livre e espontânea vontade para cooperação. Uma empresa não precisa, necessariamente, ser a primeira a manifestar esse interesse”, observa Adriana Dantas, sócia de compliance do Barbosa Müssnich Aragão (BMA Advogados).

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No fim de 2015, a então presidente Dilma Rousseff assinou a Medida Provisória 703, que alterou as regras para negociação, conclusão e benefícios dos acordos de leniência. O objetivo era acelerar a celebração dos compromissos. O texto ampliava a ação da CGU e do Cade, ao mesmo tempo em que incluía o MPF em um número maior de etapas da negociação e assinatura dos acordos. Além disso, previa isenção total da multa para empresas que assinassem leniência com o governo em meio a uma investigação e dava o direito para que continuassem participando de contratos com a administração pública caso cumprissem penas e demais condições legais. Outra mudança dizia respeito à possibilidade de o governo celebrar acordos de leniência com mais de uma companhia investigada por ato ilícito. Em 29 de maio deste ano, entretanto, a MP expirou — não foi votada por falta de acordo na Comissão Mista do Senado Federal. Essa mudança em um curto espaço de tempo gerou muitas incertezas para as empresas, o que acabou prejudicando a celebração de acordos de leniência.

Tempo precioso

A demora na conclusão desses compromissos é prejudicial às companhias investigadas. Sem um acordo de leniência em mãos, a Odebrecht, por exemplo, pena para vender ativos, condição essencial para reforçar o caixa e continuar operando. “Reputação tem um valor imenso para o consumidor e para empresas que trabalham alavancadas. Credibilidade é tudo. Esse é um ponto central da lógica do acordo de leniência para crimes de corrupção”, afirma Higino. “O acordo mostra que a empresa está cooperando e dá a ela chance de se manter viva”, diz o ex-ministro da Transparência, Fiscalização e Controle.

Garantir a continuidade das empresas, afirma Andrade, do Cade, é essencial, ainda mais no âmbito da defesa da concorrência. Alguns setores no Brasil, como o de fornecimento de equipamentos médicos de alta tecnologia, contam apenas com três representantes. Se dois forem declarados inidôneos, o mercado fica refém de apenas uma empresa, gerando um monopólio.

Diante das inseguranças, o mais sábio é as companhias prevenirem casos de corrupção. Nesse contexto, o desenvolvimento de programas de compliance aparece como uma prioridade. A própria Lei Anticorrupção deixa clara a importância desses programas, ao considerá-los atenuantes na dosimetria das punições. “O conceito de compliance já existe no Brasil há algum tempo, mas ainda é pouco desenvolvido. Nem sempre as empresas oferecem os recursos adequados para que o departamento de compliance funcione adequadamente”, observa Fernando Merino, consultor do Quinn Emanuel Urquhart & Sullivan. Por isso, afirma, o melhor remédio para prevenir a corrupção ainda é o incentivo a uma cultura ética dentro das organizações.

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