Projeto de lei sobre securitização de dívida ativa desagrada ao mercado
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

A votação no Senado do projeto de lei 204/2016, que permite a securitização da dívida ativa dos entes federativos, deve ficar para outubro, mas detalhes da redação da proposta já provocam desconforto e insegurança no mercado. Desde maio, quando foi encaminhado à comissão de assuntos econômicos do Senado, o projeto já ganhou seis novas emendas. As mudanças, no entanto, não resultaram num texto melhor — muito pelo contrário. A redação atual do projeto cria dúvidas sobre a capacidade dessas operações de despertar o apetite do investidor e, consequentemente, de ajudar estados, municípios e União a anteciparem recursos por meio da venda de dívidas.

De autoria do ministro das Relações Exteriores e senador licenciado José Serra, o projeto prevê a cessão de dívidas que União, estados e municípios têm a receber de contribuintes que parcelaram o pagamento de tributos. Para evitar que o uso ilimitado dessa estratégia pelas gestões atuais provoque uma crise fiscal no futuro, o texto estabelece que pelo menos 70% da receita decorrente da securitização seja destinada à amortização de dívida pública ou ao aporte em fundos de previdência e até 30% em despesas com investimentos.

A possibilidade, sem dúvida, chega em boa hora. Os governos estão altamente endividados e precisam de recursos para fazer frente à queda de arrecadação provocada pela crise econômica. Para se ter uma ideia, somente a dívida total da União é estimada em R$ 1,5 trilhão.

Controvérsias

Para viabilizar a securitização da dívida ativa dos entes federativos, a primeira emenda adicionada ao projeto de lei esclarece que esse procedimento não equivale a uma operação de crédito. Essa definição contraria o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU), que, ao enquadrar a securitização como operação de crédito, a sujeita à Lei de Responsabilidade Fiscal e à aprovação da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). “O entendimento do TCU engessa os investimentos. Estávamos perdendo a oportunidade de transformar dívidas irrecuperáveis em recursos para o poder público”, avalia Byung Soo Hong, sócio do MHM Advogados.

O esclarecimento proporcionado pela emenda citada acima, no entanto, é um dos poucos pontos positivos da redação atual do PL. Na visão de participantes do mercado, o projeto não ataca questões cruciais, como, por exemplo, a possibilidade de o setor privado acionar os devedores dos créditos securitizados. De acordo com o projeto, a cobrança judicial e extrajudicial das dívidas permanece com as procuradorias. O problema é que a cobrança pelos agentes públicos é ineficaz. Dados da consultoria de orçamento da Câmara dos Deputados revelam que, em 2015, a União recuperou apenas 0,8% do total inscrito da dívida ativa. “Faltam incentivo e garantias para que o investidor não se torne um mero torcedor”, diz Valdery Albuquerque, head de negócios imobiliários e setor público do Banco Fator.

Os investidores também reivindicam que uma parcela maior da dívida possa ser securitizada. O PL prevê a cessão apenas de direitos creditórios provenientes de programas de parcelamento, como o Refis, que, somados, atingem um valor em torno de R$ 80 bilhões. Segundo Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, o volume total a ser securitizado poderia ser maior, sobretudo se o setor privado pudesse participar do trabalho de cobrança para recuperação das dívidas. “Uma parceria mais efetiva com a iniciativa privada daria ao governo as ferramentas de inteligência necessárias para acessar mais créditos”, diz Ferreira.

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Também chama a atenção do mercado a vedação, pelo PL, da compra de direitos creditórios por instituições financeiras federais, estaduais ou municipais. O objetivo da medida é evitar as chamadas “pedaladas fiscais”. “Não é difícil imaginar que a cessão de direitos seja feita a um preço acima do justo, ou seja, a um valor que subestima o risco de não recebimento, em prejuízo do adquirente, no caso o banco público. Nesse caso, fragilizar-se-ia o balanço dessas instituições a fim de gerar resultados positivos no balanço do governo controlador”, justifica emenda feita ao PL.

Na opinião de Jorge Luiz Avila da Silva, diretor presidente da Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), a preocupação com as “pedaladas” evidencia o desconhecimento do poder público a respeito do mercado de securitização. “Em três operações, entre 2012 e 2015, captamos R$ 2,2 bilhões para o Estado de São Paulo, o que representa somente 0,2% do orçamento anual. Nenhum estado ou município vai conseguir ‘pedalar’ com isso”, observa Silva.

O PL prevê ainda outra vedação. Pelo texto, é proibido que a unidade da federação cedente participe do capital social da pessoa jurídica adquirente dos créditos, mesmo que se trate de sociedade de propósito específico. Esse dispositivo, na opinião de Paulo Tafner, diretor presidente da Companhia Fluminense de Securitização (CFSEC), inviabiliza o trabalho das securitizadoras controladas pelo poder público. A CFSEC, por exemplo, é controlada pelo Estado do Rio de Janeiro, que almeja atualmente antecipação da ordem de 4,5% a 7% do estoque da dívida ativa atualizada. Pela redação do projeto, a CFSEC não poderia realizar essa operação. Sua atuação ficaria limitada à securitização de dívidas de outros Estados ou de municípios — que, pelo seu tamanho, podem não compensar a existência de securitizadoras controlada pelo Estado. “Só que é muito pior [para o ente público] passar a responsabilidade da securitização para um participante do setor privado. A operação tem mais chances de fugir do controle, além de sair mais cara”, avalia o diretor. “O entendimento do nosso legislador é o de um analfabeto”, critica.

Diante da complexidade das discussões que envolvem o projeto, Leonardo Rolim, consultor de orçamento da Câmara dos Deputados, diz acreditar que a votação do PL possa ser postergada para o próximo ano. “Do jeito que está, de fato, o projeto se tornou inviável”, afirma. E nada adianta aprovar uma lei que não ofereça segurança jurídica. “O texto precisa equilibrar bem os interesses do setor público e do investidor para que se evite a judicialização”, ressalta Marcos Vinicius Pulino, sócio do CPBS Advogados.

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