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Novo horizonte para resolução de conflitos
Mediação ganha força como ferramenta de facilitação de diálogo com edição de lei, mas ainda enfrenta desafios culturais
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

As empresas nunca estão imunes à ocorrência de conflitos entre seus sócios, situações que podem acarretar efeitos indesejáveis como despesas não previstas, desperdício de tempo, perda do foco no negócio e, no limite, até a extinção da própria sociedade. Por isso — e considerando também a notória morosidade do Poder Judiciário brasileiro —, as organizações precisam encontrar ferramentas adequadas para a solução das disputas antes que causem estragos. É nesse contexto que se encaixa o instrumento da mediação.

Técnica antiga, a mediação no Brasil ganhou o reforço da Lei 13.140/15, que estabelece as diretrizes e os princípios para a utilização desse instrumento, judicial e extrajudicialmente. Que pontos dessa legislação merecem atenção particular das empresas? Quais as vantagens de se utilizar a mediação para pacificação de conflitos societários? Como superar a barreira cultural que ainda emperra a adoção mais ampla desse mecanismo? Na prática, como funciona o processo?

Essas foram algumas das questões abordadas pelo encontro do Grupo de Discussão de Governança em Cias Abertas promovido em 28 de agosto de 2019 pela CAPITAL ABERTO. Participaram do debate Richard Blanchet, sócio sênior do escritório Loeser, Blanchet e Hadad Advogados; Adriana Adler, sócia da Ekilibra Governança Integrada; Tania Almeida, fundadora do Mediare; Cátia Tokoro, conselheira certificada pelo IBGC; Leonardo Pereira, conselheiro de administração da Smiles; e Daniela Gabbay, professora da FGV-Direito SP.

CAPITAL ABERTO: A Lei da Mediação é regida por quais princípios?

Richard Blanchet: Mediação é um papel exercido por um terceiro imparcial, que é escolhido e aceito por ambas as partes e que vai ajudá-las a chegar a uma solução. Embora seja uma técnica muito antiga, a mediação ainda é pouco usada no Brasil. A Lei 13.140/15 tem como princípios a imparcialidade do mediador e sua isonomia em relação às partes; a oralidade, no sentido de interação social; e a informalidade. Isso significa que as fases da mediação podem ser determinadas da maneira mais informal possível. E um ponto importante da lei é a confidencialidade. O que se aborda num processo de mediação — fatos, documentos e manifestações — não pode ser usado no Judiciário.

CAPITAL ABERTO: Considerando-se que a mediação é um instrumento antigo, qual a importância da sanção de uma lei específica?

Tania Almeida: O ato de se negociar é milenar, mas um procedimento com etapas e um formato definido é relativamente recente, tem cerca de 40 anos. Como o Brasil tem uma cultura legislativa, a existência de um marco legal é importante. Deixa os agentes mais legitimados para utilizar essa forma de negociação de maneira mais estruturada.

CAPITAL ABERTO: Quais são as vantagens e desvantagens de uma mediação?

Blanchet: As vantagens são a confidencialidade, a autonomia das partes, a rapidez, o baixo custo e, principalmente, a preservação das relações sociais. Acima de tudo, a mediação permite a abordagem do conflito de maneira a solucioná-lo antes que a disputa gere efeitos irreversíveis. É difícil achar na literatura as desvantagens do método, mas é fato que existe incerteza em relação a uma solução. É possível que uma mediação chegue ao fim sem ter solucionado a disputa. E mesmo que a lei determine a confidencialidade, há partes que desistem. Também já li a interpretação de que, dado que o conflito pode não ser solucionado, teoricamente pedir uma mediação poderia ser visto como um sinal de fraqueza — não de ponto de vista, mas de tese.

Almeida: Dentre os benefícios está a possibilidade de a parte ter controle sobre o resultado em função da autoria, o que outros instrumentos não oferecem. Isso significa que a mediação é um instrumento que viabiliza o respeito ao modelo do negócio, aos interesses, às necessidades e aos valores das pessoas que estão na mesa. Não é um instrumento que serve a todas as situações, mas que cabe muito bem nas relações continuadas.

Leonardo Pereira: Embora a mediação envolva princípios a serem seguidos, ela tem uma certa flexibilidade; oferece a possibilidade de se construir o processo. E num mundo em que debates e temas inéditos estão chegando à mesa, essa chance de renovação dentro do processo de mediação é uma oportunidade muito interessante. É algo em que devemos pensar neste momento em que falamos de mudança de cultura.

CAPITAL ABERTO: Seria importante as empresas incluírem a previsão de mediação no sistema de governança corporativa?

Adriana Adler: A mediação e a governança dialogam muito bem. Vale lembrar que a governança, em si, já é um fator de prevenção de conflitos. Sócios, empresas familiares e membros de uma família têm necessidades que não estão tão visíveis. A mediação — ou mesmo as técnicas de mediação — permite a instituição de um diálogo entre esses entes, de forma a construir uma governança invisível. Não adianta uma empresa ter um belíssimo acordo engavetado ou desconsiderado na prática. O princípio da mediação está no equilíbrio, na construção conjunta das partes.

Pereira: Estou convencido de que só se pode melhorar a governança pela conversa; a mediação é uma ferramenta fortíssima para que esse diálogo seja legitimado. Importante lembrar que essa ferramenta depende mais do que nunca de todos os envolvidos, precisa ser construída de maneira conjunta. O mediador é o protagonista no princípio, mas ele vai se afastando conforme a mediação for avançando. Para seguir ao próximo nível de governança, precisamos entender como melhorar a mediação, como quebrar a barreira cultural em torno dela.

CAPITAL ABERTO: A adoção da mediação envolve desafios. Quais são eles? Como as empresas podem superá-los?

Blanchet: Acredito que o baixo grau de utilização dessa ferramenta é decorrente do fato de não estar enraizada, difundida e trabalhada na cultura corporativa brasileira — as pessoas não pensam em mediação na hora de resolver conflitos. São comuns acordos de acionistas com cláusulas padrão de solução de impasses e sem a previsão de mediação.

Pereira: É uma questão cultural. No último ano participei de dois processos em que as empresas incorporaram preventivamente a cláusula de mediação. Mas acho que o debate em torno da figura do mediador ainda é parecida com uma discussão sobre futebol: todo mundo acha que tem a solução; todos acham que têm capacidade para mediar. Mas a formação e a experiência de quem atua nesse papel devem ser levadas em conta. O que se deve disseminar é a informação de que há mais casos acontecendo — e com sucesso. É isso que vai desencadear a mobilização e a vontade de se usar mais esse instrumento.

 CAPITAL ABERTO: O conselheiro de administração deve assumir que conduta numa situação de conflito entre sócios?

Blanchet: O conselho de administração é o guardião da estratégia. Do ponto de vista da governança mais clássica, ele é o principal órgão de governança da companhia. O primeiro viés que o conselho tem é o de sustentabilidade da empresa. Na medida do possível, portanto, deve evitar uma ação judicial capaz de provocar um rompimento de relações, e isso pode ser feito por meio de mecanismos alternativos de solução de conflitos, como a mediação.

Cátia Tokoro: Fala-se muito de inovação, do papel do conselheiro no incentivo à inovação, e ela anda mais rápido do que a legislação. Há muitos temas que ainda não têm uma regra definida, então esse também é um campo fértil para o exercício da mediação. E, eventualmente, o que foi discutido como solução para uma determinada situação pode até servir de insumo para uma futura legislação.

CAPITAL ABERTO: Os tempos hoje são de polarização em vários campos da sociedade. Como esse fenômeno reverbera na mediação de conflitos societários?

Almeida: Primeiro é preciso avaliar se a imparcialidade é viável para o ser humano. Acredito que não. Isso significa não usar imparcialidade vinculada ao verbo ser, mas vinculada ao verbo estar. As pessoas precisam reconhecer o quanto um discurso ou uma posição as agradam mais do que outra, e fazer o exercício de “estar” imparcial a cada situação que se apresenta. Acho que é favorável o fato de o mediador não ser o condutor da solução, mas sim o condutor do diálogo. O princípio de que a construção da solução não é do mediador e sim das pessoas ajuda o mediador a “estar” imparcial, não a “ser” imparcial.

Gabbay: Quem se comunica negocia. Se o próprio negociador conhecer as técnicas de mediação, muitas vezes pode ajudar a melhorar esse diálogo, compreendendo os interesses do outro lado e pensando em opções de ganho mútuo para melhorar a governança societária. É importante que se estabeleça um procedimento de mediação com muita autonomia de vontade das partes, mas estruturando o processo e mantendo as partes na mesa. Aí está o desafio da escolha desse terceiro.

CAPITAL ABERTO: De que maneira convocar o mediador deixando claro que se trata de uma estratégia e não de uma fraqueza? Colocar a mediação como cláusula no acordo de acionistas seria uma opção pertinente?

Adler: Acho muito interessante que essa previsão esteja em contratos, em acordos de sócios. Mas é importante que não simplesmente esteja em sistema “copia-e-cola”, porque a própria elaboração do documento é um processo de mediação, no qual as pessoas envolvidas estão entendendo o que escolhem e o impacto de suas escolhas.

Almeida: No momento do contrato é ótimo inserir uma cláusula de resolução de conflitos amigável. É ótimo que haja essa cláusula, cria cultura. Mas a existência da cláusula não é imprescindível para a mediação; é possível mediar independentemente dela. A mediação como diálogo não tem contra indicação e não vejo fraqueza nessa escolha.

Gabbay: Na prática, tenho visto que em muitos casos em que se recorre à mediação não existe a cláusula. Mas há vantagens na escolha desse caminho mesmo depois de surgido o conflito. Às vezes a empresa até faz uma escolha ruim no contrato, diferente da que faria quando surge o conflito. Então essa escolha pós-conflito pode ser sim uma estratégia.


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CAPITAL ABERTO: A mediação tem um tempo ideal de duração?

Blanchet: Existe uma regra básica: a mediação tem que ter um tempo para acabar e as partes podem prorrogar por quanto tempo quiserem. Se querem prolongar é sinal de que o processo está caminhando relativamente bem, as partes estão dialogando. Mas qualquer regra — estabelecida no início da mediação ou previamente contratada — tem um prazo. A lei fixou 60 dias, mas fala também em “prazo mínimo e prazo máximo”. Normalmente são períodos curtos, que podem ser prorrogados pelas partes.

CAPITAL ABERTO: Na prática, como funciona a mediação?

Almeida: A primeira etapa é a pré-mediação, quando se trata do instrumento, do instituto, do lugar do mediador como condutor do processo de diálogo e dos norteadores de participação das partes, como a boa-fé e a possibilidade de revisão de posições. Se todos concordam, é feito um documento de contrato em que estarão descritos alguns princípios éticos, determinadas a duração e a responsabilidade pelas despesas. Depois começa a fase de apresentação dos pontos de vista, sucedida pela criação da pauta. Os mediadores atuam como agentes de realidade, ajudando as partes a identificar tanto a exequibilidade do que estão alegando quanto os custos e benefícios para si e para terceiros. Os acordos podem ser parciais ou totais; podemos resolver parte da contenda e ajudar as partes a decidir o que fazer com as outras questões pendentes.

Pereira: É fundamental que a pré-mediação seja bem conduzida, já que é nessa etapa que está aberta a possibilidade de discussão de regras e de acerto do jogo. E, assim como a mediação propriamente dita, essa fase inicial também deve ter um prazo, determinado com base no bom senso.

CAPITAL ABERTO: Em que medida é relevante a fase inicial de conversas individuais entre o mediador e cada uma das partes?

Adler: A mediação tem linhas diferentes. Há profissionais que não juntam as partes numa mesma sala; há profissionais que nunca as separam. Eu adoto a linha de conhecer todo o caso e usar o que considerar mais produtivo naquele momento. Acho essenciais as conversas individuais, que permitem que cada um dos envolvidos digira o que está sentindo, para depois poder ouvir.

Tokoro: Às vezes as partes têm que desabafar, esvaziar, para conseguir depois escutar o oponente. Porque elas podem estar tão sobrecarregadas que se fecham para discussões.

CAPITAL ABERTO: Quem deve participar de uma sessão de mediação?

Adler: As pessoas que vão tomar a decisão, que têm autonomia para isso na empresa. Dependendo do tema, é fundamental a participação também de advogados, que podem desempenhar o papel de colaboradores na conversa — podem dar conforto e informações legais importantes para o seu cliente. Mas é importante destacar que na mediação o advogado não fala pelo cliente.

Tokoro: Assim como em conselhos, a diversidade é importante na mediação. E nos casos de temas muito específicos especialistas também podem ser acionados.

CAPITAL ABERTO: A escolha de um bom mediador parece fundamental. Como ela seve ser feita?

Gabbay: É uma escolha de fato estratégica. Eu gosto muito da definição de que é mais arte do que ciência. Por isso, as pessoas mais indicadas para escolher são as que vivenciam o ambiente da governança da empresa. São muito comuns pré-mediações e entrevistas com um mediador, às vezes até com um pool de mediadores, para se conhecer efetivamente qual a forma de análise de cada um em relação ao conflito.

CAPITAL ABERTO: Há o receio de a mediação ter seu sentido banalizado, como aconteceu com o coaching?

 Tokoro: Falamos bastante de mediação, mas ainda há muito trabalho de aculturamento para ser feito em torno do tema. Mas sim, ficamos com um pouco de receio de a mediação virar o novo coaching — uma ferramenta extremamente útil, pessoal e profissionalmente, mas que foi vulgarizada e teve a nomenclatura de uma certa forma desvirtuada. Mediação é uma ferramenta de facilitação de diálogos. Por isso estamos fazendo um trabalho intenso de comunicação nesse sentido.


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