Liquida a jato
Debilitadas, empresas investigadas em esquema de corrupção da Petrobras vendem ativos e agitam o mercado de fusões e aquisições

liquida-a-jato1Os próximos meses prometem movimentar o setor de infraestrutura no Brasil. Os desdobramentos da operação Lava Jato têm levado diversas empresas envolvidas no esquema de corrupção a se desfazer de seus ativos. Enquanto a Petrobras, protagonista do escândalo, sonda o mercado para oferecer participações em negócios secundários, as construtoras acusadas de pagar propina à petroleira vendem suas concessões, que vão de aeroportos a operadoras de saneamento, para sanar dívidas. Sem receber por contratos firmados com a petroleira e diante de bancos mais seletivos por temor de emprestar para empresas com finanças comprometidas, elas experimentam falta de dinheiro em caixa e de capital de giro para pagar seus fornecedores. Em meio à turbulência, o mercado de fusões e aquisições (M&A) se agita. Companhias e investidores analisam com lupa a queima de ativos deflagrada pela Lava Jato.

A desova promovida pela Lava Jato tem atraído diversos compradores, entre os quais destacam-se as construtoras de menor porte. Por causa disso, o governo discute facilitar as regras das concessões

Superintendente de M&A do Banco Fator, Arnaldo Silberstein aproveita a maré de negócios trazida por um dos maiores escândalos de corrupção do País. Hoje, tem cerca de dez mandatos para vender e buscar compradores ou investidores, referentes a ativos de empreiteiras denunciadas na Lava Jato ou de empresas menores que preveem ganhar negócios delas — que poderão fatiar ou deixar grandes projetos de que participavam. São mais de dez empresas com a saúde financeira abalada pelo imbróglio (veja tabela abaixo). Desde o início da operação da Polícia Federal, seis já solicitaram recuperação judicial: Alumni, OAS, Galvão Engenharia, Iesa, Jaraguá Equipamentos e Schahin. A expectativa é que outras engrossem a lista logo mais.

A situação levou dois dos maiores agentes privados do setor de saneamento a serem colocados à venda: a OAS Soluções Ambientais, que detém uma concessão em Araçatuba e uma parceria público-privada (PPP) de R$ 1,2 bilhão em Guarulhos; e a CAB Ambiental, que possui 18 contratos de concessão e de PPP. No segmento aeroportuário, o quadro também indica vendas. De acordo com o sócio de uma consultoria especializada no ramo, três ativos devem mudar de dono. A UTC, uma das sócias do Aeroporto de Congonhas — cujo presidente, Ricardo Pessoa, está preso em Curitiba por acusação do Ministério Público Federal (MPF) de coordenar o funcionamento de um cartel entre as empreiteiras que tinham contratos com a Petrobras e desviavam recursos da estatal —, sonda interessados em adquirir sua participação. Já a Engevix, que presta serviços de transporte para a indústria pesada, analisa vender sua fatia nos aeroportos de Brasília e São Gonçalo do Amarante. Por fim, a OAS pretende se desfazer de sua participação de 25% na Invepar, principal acionista do Aeroporto de Guarulhos, o maior da América Latina.

liquida-a-jato2E não são só as construtoras que terão que diminuir de tamanho. Para fazer caixa e reduzir sua dívida, a Petrobras também planeja se desfazer de cerca de R$ 30 bilhões em ativos. Conforme levantamento do Demarest Advogados, devem ser vendidos, na área de abastecimento, postos de gasolina da BR Distribuidora, usinas de etanol e biodiesel, e a Petroquímica Suape. No ramo de gás, a Petrobras poderá abrir mão de sua participação acionária em distribuidoras de gás natural e termelétricas, cujo portfólio atual abrange 26 usinas. Dessas, 16 são operadas pela estatal.

Compradores não faltam
A desova promovida pela Lava Jato tem atraído a atenção dos mais diversos compradores, entre os quais destacam-se as construtoras de menor porte. Com as grandes envolvidas no esquema de corrupção, o que poderá implicar pesadas multas e até a proibição de participarem de futuras licitações, as pequenas se preparam tanto para atender às encomendas da Petrobras quanto para ingressar em novas concessões de rodovias. Por causa disso, o governo tem discutido a possibilidade de flexibilizar as regras das outorgas. Nas rodovias concedidas entre 2013 e 2014, mais de metade dos investimentos se concentrava nos primeiros cinco anos do contrato. Hoje, discute-se dilatar esse prazo.

Na área de saneamento, as vendas da OAS Soluções Ambientais e da CAB Ambiental atraem a cobiça de gestoras de fundos como a GP Investimentos e operadoras do setor, a exemplo de Aegea, Nova Opersan e Águas do Brasil. “São ativos que podem trazer sinergias. Estamos analisando as oportunidades”, reconhece Yaroslav Memrava, diretor de relações de investidores da Aegea. Os três sócios da empresa — Equipav, GIC (fundo soberano de Cingapura) e International Finance Corporation (IFC) — discutem a possibilidade de capitalizar a operadora com o intuito de fortalecer sua estrutura de capital para uma eventual aquisição.

Além da Aegea, grupos empresariais estrangeiros ainda não atuantes no Brasil, como a companhia europeia Águas de Barcelona e as francesas Suez Environnement e Veolia, estão de olho nos ativos. “O real mais fraco barateia os negócios, e a tecnologia eficiente dessas empresas interessa, em tempos de crise hídrica”, analisa Jacy do Prado, sócio da BF Capital.

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O governo olha com atenção os movimentos: entende que novos ingressantes chegarão ao segmento, o que deve elevar a concorrência. Segundo um funcionário do Ministério do Planejamento, a próxima rodada de concessões de transportes — que prevê a licitação de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos — deverá trazer novas empresas ao Brasil. As que participaram de rodadas de concessões anteriores devem ter apetite menor, devido à saúde financeira debilitada.

Fundos de investimento estrangeiros também tendem a aterrissar aqui ávidos por ativos. No início de abril, um fundo americano e um europeu levantaram, cada um, cerca de US$ 1 bilhão para investir em logística e energia no País, de acordo com um funcionário do ministério. O montante condiz com o que precisarão despender para aproveitar as oportunidades à mesa. “Ativos grandes pressupõem cheques grandes”, resume Eduardo Guimarães, diretor de M&A do Itaú BBA. Em sua visão, 2015 e 2016 serão anos propícios para fusões e aquisições nos setores de aeroportos, saneamento, rodovias e portos.

“Há capital da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia de olho no Brasil”, lista Silberstein, do Banco Fator. “Os recursos são provenientes de fundos de private equity, fundos soberanos e empresas em busca de oportunidades. O juro real está negativo na maioria dos países”, acrescenta.

No caso dos ativos da Petrobras, há interesse de brasileiros e estrangeiros em adquiri-los. De forma preliminar, a Cemig estuda comprar ou formar uma aliança estratégica para operar as térmicas da Petrobras. Outras duas empresas, uma nacional e outra internacional, também estariam analisando o negócio.

liquida-a-jato3Acordos de leniência
Para que as vendas se concretizem, alguns obstáculos precisarão ser transpostos, entre os quais os acordos de leniência. Por meio deles, empresas denunciantes do esquema se comprometem a auxiliar a Corregedoria Geral da União (CGU) em troca de benefícios como redução de pena e isenção do pagamento de multa. Os acordos não apenas definirão as multas pelo desvio de recursos públicos como poderão significar o veto à participação dessas empreiteiras em futuras licitações.

“Essas decisões [os acordos de leniência] precisam ser avalizadas pelo Ministério Público Federal e pelo Judiciário, para evitar contestações em outras esferas. Ainda não há indicação de quando o Ministério da Justiça, a CGU e o Ministério Público Federal irão acertar os ponteiros, o que deixa um ponto em aberto. Sem esse aval, há uma insegurança jurídica em relação às penalidades a serem impostas, o que pode significar um risco considerável para o comprador”, explica Flávio de Mendonça Campos, sócio do Campos Fialho Advogados. Além disso, eventuais mudanças de controle das empreiteiras envolvidas podem ficar prejudicadas, pois é preciso a anuência do poder concedente sobre a transferência das concessões que essas empresas controlam (leia também o boletim M&A, desta edição).

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Dúvidas pairam também sobre as companhias em recuperação judicial: a aplicação da Lei de Falências. Uma das preocupações diz respeito ao artigo 60, que trata da sucessão das dívidas e dos encargos, avalia Renato Carvalho Franco, sócio da Íntegra Associados. “O artigo 60 fala que não haverá sucessão das dívidas, mas esse ponto é sempre frágil, porque depende da interpretação judicial, e não há muitas varas especializadas no assunto. Assim, juízes de duas esferas podem ter interpretações diferentes”, observa Franco. Vale lembrar que, no caso da Varig, houve um festival de ações na Justiça para que a Gol fosse responsabilizada pelas dívidas da empresa, a despeito de a interpretação da lei não ter sido essa.

Na opinião de Franco, nos próximos meses deve crescer no Brasil uma prática comercial conhecida por “stand still”. Quando adotada, os grupos requisitam a seus credores algum tempo para discutir uma saída negociada da crise em vez de ingressar em recuperação judicial, nos moldes do que vem fazendo a Sete Brasil. A empresa, que planejava fabricar sondas do pré-sal para a Petrobras, hoje enfrenta dificuldades para sobreviver. Não ingressou em recuperação judicial, mas desde janeiro discute uma solução para viabilizar o negócio.

Apesar dos obstáculos, o sócio da Maré Investimentos Demian Fiocca se diz mais otimista com o cenário de compra de ativos agora do que quando o escândalo estourou. “Acredito que os acordos de leniência serão feitos e os culpados, punidos. Isso permitirá a transferência dos ativos”, ressalta. Para ele, há diversas oportunidades, principalmente no setor de óleo e gás. Quanto às novas concessões, Fiocca, que trabalhou no BNDES por anos e presidiu a instituição, acredita que o banco restringirá sua política de crédito, reduzindo o aporte nas iniciativas. “O empreendedor terá que olhar com mais atenção a qualidade dos projetos e o retorno deles, que terá de ser atraente.” Numa época de incertezas como a atual, o otimismo de Fiocca é sem dúvida um alento.


grupo3Da crise à oportunidade foi o tema do segundo encontro do Grupo de Discussão Infraestrutura, realizado em abril, em São Paulo. Veja mais aqui.

Ilustração: Grau 180.com


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