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A era dos gigantes de tecnologia que adiam a abertura de capital
Evan Epstein, professor em Stanford, explica por que empresas como Uber a Airbnb ingressam na bolsa tardiamente e de forma pouco ortodoxa  
A era dos gigantes de tecnologia que adiam a abertura de capital

Ilustração: Rodrigo Auada

A cada dia mais, as empresas gestadas para a economia do século 21 parecem não se importar com a listagem em bolsa de valores, como era comum entre seus pares tradicionais — pelo menos não tão cedo. Essa percepção ganha intensidade quando se observa o mercado de capitais americano, em que destacadas empresas de tecnologia como Uber, Airbnb e Pinterest adiam sua ida a público. Nascidas como startups, elas têm dado conta de crescer apenas com captação de recursos via venture capital. Esse tipo de investimento tem crescido nos Estados Unidos, enquanto a quantidade de IPOs está longe do patamar dourado de décadas passadas — movimento abordado na reportagem “O declínio de Wall Street”, publicada em agosto pela CAPITAL ABERTO.

Nesse cenário, as empresas de tecnologia que decidem listar suas ações não só o fazem mais tardiamente, como também entram na bolsa com regras e proteções societárias específicas e pouco ortodoxas. No ano passado, por exemplo, a Snap, dona do popular aplicativo Snapchat, listou ações sem direito a voto — algo raro nos Estados Unidos. Em sua abertura de capital, o Facebook ofereceu ao público ações que tinham menos direitos de decisão do que aquelas sob propriedade dos fundadores. O modelo de ações dual-class da gigante das mídias sociais deu ao fundador Mark Zuckerberg cerca de 1% das ações publicamente negociadas pela companhia e 60% de seu poder de voto.

A tendência de listagem de papéis de classes diferentes ganhou força com o IPO da Alphabet, dona do Google, em 2004. As ações da empresa inicialmente foram divididas em duas categorias: uma ação classe B (detida pelos fundadores) representa dez votos, enquanto ações classe A dão direito a apenas um voto — atualmente, há ainda ações classe C, sem direito a voto nenhum. Um ano depois, 1% dos IPOs em bolsas americanas ofereciam ações com classes diferentes, mas a fatia se alargou significativamente: em 2017, as aberturas de capital com essa estrutura representavam 25% do total, de acordo com dados da PwC. Além disso, entre 2015 e 2018, cerca de metade dos IPOs de empresas de tecnologia, mídia e telecomunicações tinha tipos distintos de ações — dentre eles, 12 eram de unicórnios (startups que alcançaram valor de mercado de pelo menos 1 bilhão de dólares).

Por que as empresas de tecnologia americanas abrem o capital usando esses subterfúgios? As mesmas motivações estariam por trás da decisão de postergar os IPOs? Qual o impacto das exigências de governança corporativa na decisão de se manterem fechadas por mais tempo? Em entrevista à CAPITAL ABERTO, esses e outros questionamentos são abordados por Evan Epstein, diretor executivo do Rock Center for Corporate Governance, iniciativa das Escolas de Direito e Negócios da Universidade Stanford, e fundador da firma de consultoria Pacifica Global Corporate Governance, sediada na Califórnia. Epstein esteve no Brasil em outubro, durante o congresso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Culto ao fundador

“Muitos dos fundadores têm controle das companhias de tecnologia, e isso é algo relativamente novo. Quando o Google vai a público, os fundadores de outras empresas que cresceram via venture capital começam a incluir as ações dual-class quando decidem abrir o capital. Os fundadores são mais relevantes, tomam decisões maiores e rejeitam ofertas que envolvem o controle por outsiders. Antes de abrir o capital, Mark Zuckerberg e Evan Spiegel, da Snap, rejeitaram milhões de dólares em ofertas de aquisição feitas pelo Google e pelo Yahoo, por exemplo. Hoje, vemos unicórnios com estruturas de ações com classes múltiplas em que os fundadores têm controle. Isso domina em algum nível a decisão de ir a público.”

Crescimento via venture capital

“Há tanto dinheiro nos Estados Unidos hoje que startups conseguem arrecadar bilhões de dólares no mercado privado, enquanto antes isso não era possível. Quando elas são fechadas, podem manter estruturas de governança peculiares, com domínio do investidor. Os investidores de venture capital permitem isso para que possam ter as melhores empresas em sua carteira. Quando as empresas abrem o capital, precisam lidar com investidores institucionais que questionam a governança do culto ao fundador com ativismo acionário.”

Fuga de padrões de governança

“Não acredito que evitar controles e governança seja a principal razão para que as empresas se mantenham fechadas por mais tempo. Elas fazem isso porque podem. Aqui está a escolha: imagine que você é dona do Airbnb e um investidor diz que vai dar bilhões de dólares, você irá manter controle dos negócios e não serão feitas várias questões. De repente, você vai a público e tem que cumprir uma série de requisitos, tem que ter uma estrutura de conselho, compliance… Os fundadores tentam deixar os processos mais fáceis, e se tiverem a possibilidade de captar recursos como companhia fechada, ótimo. Talvez estejam empurrando a decisão, mais do que dizendo que não querem abrir o capital.”

Quando abrir capital

“Se o motivo para não abrir capital for governança, certamente isso seria algo ruim, porque estaríamos dando muito poder a poucas pessoas e, quando se trata de grandes companhias, há várias questões envolvidas. Há muito mais empregados, o produto chega a mais cidades e é preciso crescer. É como se alguém estivesse dizendo a um adolescente: em algum momento você precisa crescer e ir para a faculdade, não pode ficar na escola para sempre. Em algum momento, as empresas precisam crescer e ir para o mercado aberto. Mas é claro que é possível tirar um ano extra antes disso.”

Classes diferenciadas de ações

“Inicialmente, a estrutura de ações dual-class era usada por negócios de família ou negócios de mídia, e o motivo é que eles queriam ser independentes, não queriam ter influência em suas decisões. Uma vez que o Google foi a público com estrutura do tipo, criou-se um padrão para outras empresas de tecnologia perceberem que isso funcionaria para elas — talvez até pelo fato de o Google ser uma empresa tão proeminente, outras pensaram que seria uma boa ideia.”

Manutenção do poder

“O argumento dos fundadores para a estrutura de ações ofertadas em classes diferentes é que, do contrário, as empresas estariam muito vulneráveis ao ativismo acionário e a outras pressões do mercado. Inclusive existiria a possibilidade de tomada de controle — por exemplo, se a Snap se listasse no modelo de uma ação valendo um voto, diziam que o Facebook poderia comprar a empresa. A estrutura de ações dual-class daria aos fundadores ao menos alguns anos para provarem seu modelo de negócios gerindo a companhia de forma independente, mas não se pode mantê-la assim para sempre. O período mais comum para essa transição é de sete anos, mas pode ser estabelecido mais tempo.

Investidores “vendidos”

“O lado negativo dessa estrutura é que os investidores estariam sujeitos a quase qualquer coisa que aquela pessoa que tem a ação de classe diferenciada decidir fazer. Esse é o risco. Essencialmente, se você comprar ações do Facebook, o que está fazendo é apostar em Mark Zuckerberg. Ele tem tanto poder que se pode levantar a questão: o que acontece se a empresa perder o toque dele? Ou se quiser mudar para algo diferente e outra pessoa passar a gerir o Facebook? Alguma estrutura de sucessão deve existir. Se a empresa tem previsão de abertura definida, são dadas maiores perspectivas para a companhia se tornar aberta e ser gerida de forma democrática. Isso dá poder de decisão para os investidores também.”

Potencial de inovação

“Há dados mostrando que é benéfico para a inovação uma empresa se manter fechada. Assim há mais liberdade para ela experimentar diferentes coisas, gastar mais dinheiro e precisar destinar menos tempo ao relacionamento com o mercado de capitais. Não é necessário lidar com esse tipo de pressão, então isso pode criar mais inovação. Mas, ao mesmo tempo, temos visto companhias de tecnologia que foram a público sem perder a capacidade de inovar. Então não acho que ir a público necessariamente destrói a inovação.”

Riscos ao mercado de capitais

“É ruim para o mercado de capitais que menos empresas façam IPOs, pensando que boa parte dos americanos confia sua poupança a ações, o que beneficia a comunidade e o país. Se as melhores companhias decidem não ir a público, as melhores oportunidades ficam fora do alcance da maior parte das pessoas, o que gera um problema de desigualdade. É preciso haver um mercado de IPOs saudável e esse é um elemento importante para a economia como um todo.”

Movimento global?

“Não acredito que companhias acompanharão essa tendência e continuarão fechadas por muito tempo em vários outros países. Temos que ser cuidadosos em estender a tendência dos Estados Unidos a outras jurisdições, porque existem vários elementos para se considerar — disponibilidade de recursos de venture capital ou de fundos investindo em mercado privado e crescimento do mercado secundário como um todo, por exemplo. No mercado americano, é possível negociar ações de empresas fechadas em mercado secundário. Isso dá liquidez para fundadores, empregados e investidores e permite que a empresa prescinda de recursos captados por meio de IPO. Uma dificuldade para a empresa continuar fechada envolve a remuneração de funcionários via stock options — no mercado privado é difícil conseguir liquidez para que eles consigam vender suas ações. Portanto, há pressão dos funcionários e dos investidores por liquidez. A questão é: como ganhar liquidez? Existem dois modos principais: ou a empresa vai a público ou é vendida para outra companhia. Há também a possibilidade de ir ao mercado secundário, fazer ofertas limitadas, que dão algum nível de liquidez, mas o mercado público é o que mais preenche esse papel.”


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