As consequências do coronavírus para a economia brasileira
Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências, avalia os caminhos para o País pós-crise da covid-19
As consequências do coronavírus para a economia brasileira

Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria | Imagem: divulgação

O novo coronavírus * faz estremecer a economia mundial, e o Brasil não está imune ao movimento. Na última segunda-feira, 2 de março, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziu a expectativa de crescimento para o PIB global em 2020, de 2,9% para 2,4%, e classificou a covid-19 como a mais grave ameaça às economias desde a crise financeira de 2008. Países de todos os continentes sofrem com a quebra de cadeias produtivas que dependem de produtos fabricados na China e com a intensificação das incertezas nos mercados financeiros e de capitais.

Numa tentativa de estimular a economia americana em particular e indiretamente a economia global, o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) promoveu no dia seguinte à divulgação do relatório da OCDE um corte de emergência de 0,5 ponto percentual nas taxas de juros do país. Na sequência, o Banco Central brasileiro divulgou uma nota sinalizando que vai considerar o surto de coronavírus entre os dias 17 e 18 de março em sua próxima avaliação periódica da taxa Selic, atualmente em 4,25% ao ano, mínima histórica. No Brasil, a crise pode adquirir contornos ainda mais dramáticos, já que o crescimento do País continua fraco. O PIB de 2019, divulgado em 4 de março, cresceu apenas 1,1% na comparação com o ano anterior — uma expansão bem mais modesta que as projeções de alta de pelo menos 2% da maior parte dos economistas.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria e especialista em macroeconomia, avalia, nesta entrevista à CAPITAL ABERTO, os impactos esperados do coronavírus sobre a economia brasileira e menciona os setores e dinâmicas produtivas que podem ser especialmente afetados.

Avanço da bolsa pós-coronavírus é possível

Existe hoje um movimento paradoxal: o Ibovespa poderia avançar com o juro baixo, mas está sendo arrastado para baixo pelo novo coronavírus. Por um lado, a instabilidade causada pela covid-19 leva os bancos centrais a cortarem taxas, estimulando a economia e a entrada de novos investidores no mercado de capitais. Por outro, a crise econômica global causada pela doença impacta diretamente o humor dos agentes e também os resultados das empresas, puxando o desempenho da bolsa brasileira para baixo.

Acredito, no entanto, que existe espaço para que a bolsa se recupere assim que o nível de incerteza diminuir. É possível que o País não atinja as projeções anteriores, que colocavam o Ibovespa em torno dos 130 mil pontos. Mas vislumbramos uma recuperação em relação aos cerca de 97 mil pontos atuais (fechamento de 06 de março).

Ameaça às reformas no Brasil

O novo coronavírus representa um risco muito grande também para o cenário interno no Brasil. Com o declínio das projeções para a economia brasileira, aumenta a pressão sobre o Ministério da Economia para que sejam implementadas agendas de crescimento a curto prazo, o que é péssimo para o País.

A crise causada pelo novo coronavírus pode pressionar a equipe econômica a deixar em segundo plano a agenda já anunciada de austeridade fiscal, reforma tributária, privatizações e concessões em prol de outras ações, como por exemplo, uma política fiscal mais frouxa que incentive o crescimento.

Esse tipo de atitude compromete o caminho do Brasil para a expansão no curto, médio e longo prazos, tanto do ponto de vista da sustentabilidade fiscal quanto das reformas que poderiam alavancar nosso desenvolvimento.

Commodities devem se recuperar

O Brasil não deve ter grandes perdas no setor de commodities em termos de quantidade a ser exportada. Uma vez normalizado o cenário, a exportação de minérios, soja e petróleo deve compensar em números o que foi perdido nos primeiros meses do ano. A China, por exemplo, está com níveis de estoque bastante baixos para minério de ferro, produto que o Brasil pode exportar em alta qualidade. O mesmo acontece com a soja: a China deve acabar consumindo ao longo do ano a fatia que não foi importada nos primeiros trimestres.

O preço, no entanto, não é garantido. Em um contexto global de menor crescimento e dólar forte, os preços das commodities podem se estabilizar num nível mais baixo em relação àquele que era registrado antes da crise do novo coronavírus. Sendo assim, mantemos um viés negativo para o setor, não tanto pela quantidade exportada, mas pensando na queda de preços.

Setor industrial será o mais atingido pela covid-19

Diferentemente das commodities, a indústria brasileira não é capaz de recuperar o que foi perdido em termos de consumo, produtividade ou mesmo da cadeia industrial de forma ampla. Então, ainda que a crise causada pelo novo coronavírus arrefeça em breve, o Brasil estará com a exportação industrial limitada para o ano de 2020.

Um exemplo disso é o mercado americano, grande destino de exportação de máquinas e equipamentos brasileiros. Com a economia dos Estados Unidos sofrendo o processo de desaceleração, o Brasil deve perder em exportações nesse setor. O processo é semelhante no restante da América Latina: vários países com os quais temos relação de exportação também têm as previsões revistas para baixo.

Paralisação na China afeta Brasil

O novo coronavírus prejudica, ainda, a própria cadeia produtiva brasileira. Já existem casos de paralisação de algumas operações, de companhias que dependem integral ou parcialmente de produtos do exterior, principalmente da China. Temos uma linha de produção com um peso muito forte do componente importado. Para fins de comparação, 81% do setor de produtos de informática e eletrônicos depende de importação da China. Já a área de maquinário e materiais elétricos está 71% atrelada às exportações chinesas. A produção no país asiático está retomando seu ritmo, mas a falha já comprometeu parte da cadeia produtiva brasileira, de modo que nem tudo poderá ser reposto quando o problema for solucionado.

*Em comunicado divulgado na última quinta-feira, 5 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou 95.265 casos do novo coronavírus no mundo 80% concentrados na China, na Coreia do Sul e na Itália (a China, epicentro da disseminação do vírus, tinha 93 mil casos). O Brasil havia identificado oito pacientes com covid-19 e monitorava outros 636 casos suspeitos.


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