Autópsia de um morto-vivo
Jornalistas expõem os bastidores da trajetória do Brasil de “bola da vez” à maior recessão da história

, Autópsia de um morto-vivo, Capital Aberto

A palavra “autópsia” se refere à análise de um corpo para identificação da causa mortis. Embora tecnicamente um país não possa morrer — no limite pode ser absorvido por outro —, após pelo menos três anos sofrendo com um severo câncer econômico e social, não é difícil associar a imagem do Brasil a um morto-vivo. Nesse sentido, Anatomia de um Desastre, escrito por três jornalistas sediados em Brasília, lembra as histórias das séries House e CSI, em que a análise de corpos revela os mistérios que levaram a seu infortúnio.

A investigação tem início na transição para o primeiro governo Lula, quando a equipe econômica liderada por Antonio Palocci surpreendeu com a continuidade das políticas ortodoxas do governo anterior. Com as velas infladas pelo boom das commodities, a economia cresceu com vigor e assegurou a passagem do bastão da presidência, em 2010, à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Mas sintomas de mudança de trajetória podiam ser detectados já em 2005, quando o plano de reordenamento das contas públicas proposto por Palocci foi ridicularizado em público pela ministra. Quem não se lembra da famosa frase “despesa é vida!”?

A ortodoxia dos oito anos do governo Lula foi substituída pela “nova matriz econômica”, que previa maior intervenção do Estado — de forma direta (via estatais) ou indireta (via desonerações tributárias, protecionismo e subsídios). O contexto tinha inflação crescente, juros reais altíssimos e um déficit primário em expansão, resultando em baixo nível de investimentos e de crescimento. À medida que o Estado avançava com sua fúria de glutão, a frágil saúde do Brasil não haveria de resistir a condições tão hostis. O resultado: uma queda no PIB per capita de pelo menos 10%, 14 milhões de desempregados e enorme dificuldade para sair do estado de semicoma.

A obra revela bastidores dos salões de Brasília. Arrogância, desonestidade (ou seria incapacidade?) intelectual, ideologia cega e egocentrismo são elementos comuns aos relatos. A partir do centro do poder cresce uma metástase, que atingiu Petrobras, Eletrobras, fundos de pensão, BNDES, agências reguladoras, Banco Central…

Ao condensar nessa obra um relato fático, preciso e ideologicamente neutro, os autores prestam grande serviço à parcela da sociedade brasileira que estiver disposta a compreender as raízes dessa incrível derrocada econômica e social. Infelizmente, há uma outra parte que foi cooptada pelo discurso populista envelhecido do “nós contra eles”. Finalmente, a despeito da vocação nacional para crise política interminável, já é possível crer em um estancamento da hemorragia no lado econômico. A questão que permanece remete aos cuidados para o gigante Brasil retornar à saúde do crescimento econômico e social. Diferentemente do que ocorre com seres vivos — para eles, amputações são traumáticas e dolorosas —, temos uma oportunidade única para rediscutir o tabu da privatização, e rever essa lavagem cerebral em massa. Um Estado menor e mais eficiente teria mais condições de prestar contas à sociedade e menor possibilidade de ser capturado por um novo projeto de perpetuação no poder.


Anatomia de um desastre

Claudia Safatle, João Borges e Ribamar Oliveira

Editora: Penguin

327 páginas

1a edição, 2017


*Peter Jancso é sócio da Jardim Botânico Investimentos e conselheiro independente

 


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