Mais poder para os sócios
José Alexandre Tavares Guerreiro
Ilustração: Eric Peleias

Ilustração: Eric Peleias

O advogado José Alexandre Tavares Guerreiro conhece as sociedades anônimas brasileiras como poucos. Antes mesmo de a Lei das S.As. existir, ele já as estudava para escrever, com o amigo Egberto Lacerda Teixeira, o livro Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, lançado em 1979. “Começamos a escrever quando a lei ainda estava em branco”, recorda-se. Às vésperas dos 40 anos do diploma, a serem completados em dezembro, ele defende pequenos ajustes — “nada revolucionário”. “As pessoas têm a impressão de que dá para melhorar muito a lei, mas não dá.”

O direito de recesso, na visão do advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, está entre os alvos mais urgentes. Seu maior defeito está no fato de a companhia ter de indenizar o acionista quando o instituto é acionado. “Se foi o acionista controlador quem aprovou a medida prejudicial aos demais, o certo seria ele pagar, do próprio bolso. Não a companhia, que possui numerosas responsabilidades, folha de pagamento e outros sócios nada interessados em pagar essa conta.”

Raciocínio semelhante é usado na defesa do fim do que Guerreiro chama de “obsessão” com as ofertas públicas de aquisição de ações — as OPAs. Essas ofertas, em sua visão, prejudicam o planejamento das companhias ao forçá-las a uma descapitalização. “É ruim para as empresas e para o País”, sentencia. Alguns riscos são normais no negócio, e os investidores entram na companhia sabendo que eles existem. “As oportunidades de saída devem se resumir às hipóteses finais. Um fechamento de capital, por exemplo.”

Nas considerações sobre a lei tecidas por Guerreiro, a sabedoria está em entender que uma mesma solução não funciona para todas as hipóteses. É o que acontece com o sigilo nos processos de arbitragem. “Esse não é um artigo para se vender. O prestígio da arbitragem não está aí”, defende. O sigilo, na visão do advogado, deve ser tratado caso a caso. Não como marketing ou filosofia, mas com pragmatismo. “Às vezes o segredo é necessário, às vezes não é, e eu duvido que alguém não saiba diferenciar essas duas situações”, provoca. A grande beleza da arbitragem, diz, está em “atender ao problema da coisa julgada, com neutralidade e especialização”.

Ações na Justiça, entretanto, precisam ser estimuladas. Guerreiro fica indignado ao recordar que percentuais mínimos foram baixados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para eleição em separado de conselheiro de administração (em 2005, a autarquia permitiu que proprietários de ações votantes detentores de 10% do capital social elegessem um representante), mas a fatia exigida para acionistas moverem uma ação de responsabilidade civil contra administradores continua a ser 5% do capital social. “É alta demais, não é realista. Precisamos dar mais poder de atuação aos sócios”, reclama. Outra providência defendida por Guerreiro é a autorização para, nesses processos, a indenização ser voltada diretamente ao acionista — e não à companhia. A chance de serem restituídos é essencial para os investidores se verem estimulados a recorrer à Justiça. “O que não pode é a CVM ser parte acusadora, julgadora de primeira instância e depois autora da ação em juízo. Virou a banca de advogados mais barata do mundo.”

Quando fala do regulador, o advogado não esconde sua frustração. “Temos hoje a pior CVM que eu já vi”, desabafa. A crise financeira da autarquia certamente atrapalha, ele enfatiza, mas a questão principal é o foco. “São muitas normas secundárias e pouca vontade de enfrentar os grandes problemas.” Entre essas dificuldades, ele sublinha a poupança entranhada no caixa das médias e grandes empresas, inerte por falta de estímulos mais convidativos que as taxas de juros. O papel da autarquia, acredita, vai muito além de regular e fiscalizar. “A CVM precisa fazer política. Sentar ao lado do Ministério da Fazenda e criar formas de destravar a poupança no Brasil.” Com os pés firmes em Brasília, Guerreiro entende que a CVM deve lutar por juros menores — “algo que remunere menos o setor financeiro e induza o investimento produtivo”. Juros, acredita, não são uma prerrogativa dos mercados, mas do Banco Central. “Para pensar o Brasil de novo é preciso tirar a poupança de onde ela está.”

“A economia está em descalabro. Não dá para ser mais realista que o rei.”

O ângulo à esquerda na visão de mundo de Guerreiro tem raízes na juventude. Ainda universitário, ele filiou-se pela primeira vez ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), ao qual afinavam-se também o pai e o avô, anos antes de o partido ser cassado pela ditadura militar. Guerreiro retomou a filiação após a anistia — quando o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, filiou-se ao partido —, mas desvinculou-se ao vê-lo, mais tarde, apoiar a candidatura de Anthony Garotinho para a presidência da República pelo PSB. “De decepção em decepção, a gente vai se arrumando”, diz, ao traduzir sua jornada com a esquerda. Guerreiro diz que nunca foi petista, mas afirma que se dava bem com os líderes da sigla. Em 2002, entusiasmou-se com a ideia de um partido “forte, generoso e honesto” no poder. “Mal sabia que ia dar no que deu”, confessa. Para o advogado, a origem dos problemas da esquerda no Brasil está nas pessoas. “Elas são muito fracas”, reconhece. “Quando eu estava na faculdade, já dava para perceber: a esquerda é ótima nos livros e ruim na prática.”

Desanimado com os prognósticos para a política, ele apregoa uma nova estrutura partidária, uma forma diferente de se encarar a federação. “Você consegue imaginar o que é o Centrão? Quase 300 parlamentares? Não dá para pensar que um regime vá funcionar dessa forma.” Ele não concorda com as razões jurídicas para o impeachment de Dilma Rousseff — “se você perguntar a alguém na rua o que é pedalada fiscal, ninguém saberá explicar. E se não é possível explicar, é porque não se sabe”. No caso da presidente afastada, entretanto, ele não via alternativa. “A economia está em descalabro. Não dá para ser mais realista que o rei.” No governo interino de Michel Temer, Guerreiro acredita que a economia está em boas mãos e deverá melhorar. “Mas as demais áreas estão uma droga. E é uma ilusão pensar que o resto é apenas o resto.”

Enquanto se frustra com o País, Tavares Guerreiro dedica-se a uma grande paixão: sua impressionante biblioteca de 118 mil livros, distribuída entre o escritório, o apartamento onde mora em São Paulo, o apartamento do outro lado da rua (ocupado exclusivamente por livros) e a casa de campo. Há muitos romances, algumas edições raras — entre elas, um volume de Madame Bovary autografado por Flaubert, a segunda edição de Os Lusíadas e as primeiras tiragens da obra da Marcel Proust —, além de 40 mil livros e revistas de Direito, colecionados desde o tempo da faculdade. O advogado não sabe bem de onde vem o fascínio pelas estantes forradas, mas se lembra do dia em que, a caminho do Largo Francisco, entrou num sebo e viu uma edição de Madame Bovary jogada no chão. “Comprei na hora.”

Os livros, diz, nunca o traíram. “Eles só tomam muito espaço”, brinca. E como arranjar tempo para ler tanto? O segredo está em conhecer o seu tempo, diz o professor, citando uma receita já formulada pelo guru Peter Drucker. No seu caso, o tempo bom para ler é de manhã, bem cedo. Ele se levanta às 5 horas e, religiosamente, entre 5h30 e 7h30, lê “algo que não tenha nenhuma utilidade direta para o trabalho jurídico”. Quando está no Rio — ele “mora” nas duas cidades —, aproveita para engatar uma caminhada de duas horas na praia após a leitura. “Começo a trabalhar às 11 horas, seja em dia da semana, sábado ou domingo. Trabalho todos os fins de semana e gasto muito pouco tempo com outras coisas, como assistir TV ou jantar fora”, revela. Para se ter uma boa relação com o tempo, ensina, é preciso antes de tudo gostar dele. “Não desperdiço o meu tempo. Faço um planejamento e sigo, mas sem que isso fique monótono.”

Estar perto dos alunos da USP é outro compromisso prioritário na agenda, ao qual ele se dedica com interesse. A cada 15 dias, Guerreiro reúne cerca de 30 jovens em sua casa para discutir abertamente temas do direto empresarial e, depois, comer uma pizza — “como eles são jovens e ainda não têm dinheiro, essa é a opção mais democrática”. As discussões partem de uma pauta, mas quase sempre resvalam para outras abordagens, o que ele considera extremamente produtivo. A proposta dos encontros é discutir livremente, sem nenhuma obrigação de se produzir ata ou qualquer forma de registro. A riqueza da troca ali estabelecida, afirma o professor, certamente restará conservada pelos alunos. “Em algum lugar, eles vão guardar.”


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