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A nova ordem dos negócios
Ilustração: Eric Peleias

Ilustração: Eric Peleias

O termo “democrático” tornou-se frequente na fala de Marcelo Maisonnave. Ele usa a palavra não no habitual contexto da política, mas naquele que mais o seduziu nos últimos anos: o da tecnologia. Ao demolir barreiras de entrada barateando os custos de armazenagem de dados e divulgação, a internet viabilizou o acesso de indivíduos a negócios antes reservados a quem tinha farto capital para iniciá-los. “Isso mudou completamente o regime da competição”, sentencia Maisonnave. Foi essa nova ordem dos negócios que levou o executivo de volta ao empreendedorismo.

Fundador da bem-sucedida XP Investimentos ao lado de Guilherme Benchimol, Maisonnave deixou a firma em 2014. A corretora sempre preconizou a ideia de um mundo sem bancos, mas a certa altura os dois parecem não ter concordado sobre o grau de distância que a XP deveria manter das instituições financeiras tradicionais. Com a saída do companheiro de empreitada, Benchimol se viu livre para traçar um futuro ousado para a XP. Passou a pleitear uma licença do Banco Central para montar um banco dentro da firma de investimentos e ampliar o cardápio de serviços. Em maio de 2017, aceitou uma proposta do Itaú para a venda de 49,9% da XP — o ingresso do novo sócio, segundo Benchimol, não afeta em nada a independência da casa de investimentos. Enquanto a XP seguia com seu agressivo plano de crescimento — no fim de 2017 contabilizava 450 mil clientes e 30 bilhões de reais em custódia —, Maisonnave estava mergulhado num período sabático. Após sair da XP, foi para Palo Alto, na Califórnia, respirar o ar das startups de tecnologia gestadas no Vale do Silício. Queria fazer uma “higiene mental do mundo XP”.

Lá, estudou durante um ano os modelos de negócio das fintechs sem saber exatamente aonde queria chegar. Até que um dia sentiu que “era a hora de começar a se mexer”. Encontrou em Nova York os ex-colegas de XP Tito Gusmão e o irmão dele, André, e Rodrigo Grundig. O trio contou-lhe sobre o Warren, assessor financeiro virtual que haviam acabado de desenvolver, e Maisonnave não teve dúvidas. “Vou ser sócio de vocês. Vamos levar o Warren para o Brasil.” Para o empreendedor que aos 20 e poucos anos fundara o que viria a ser a maior corretora de valores do Brasil ao lado de Benchimol em uma sala pequenina de Porto Alegre, tinha chegado o momento de recomeçar.

Lançado na primeira semana de 2017, o Warren já contabiliza 11 mil clientes, em vários estados do Brasil, segundo Maisonnave. “A XP demorou oito anos para ter 11 mil contas”, ele compara, para frisar como a tecnologia facilitou o acesso dos empreendedores aos negócios. “Na XP, era frequente a gente fazer um cheque de milhões de reais para comprar servidores novos. Hoje, uma fintech contrata um serviço da Amazon por 300 dólares ao mês e começa a trabalhar.” A outra face da democracia proporcionada pelos meios digitais favorece o consumidor. Se antes apenas os ricos podiam ter o auxílio de um assessor para planejar sua vida financeira, agora o Warren almeja romper o paradigma com a oferta do serviço para quem tem a partir de 100 reais para investir.

Na mira dos sócios do Warren está o sujeito que eles estimam representar 80% dos brasileiros: o investidor passivo. “A XP é a melhor solução, mas apenas para os outros 20%”, observa Maisonnave. Em sua visão, a maior parte dos potenciais investidores não tem a vontade dos clientes da XP de aprender como manejar o próprio dinheiro. “Eles querem planejar o futuro, mas não se interessam pelas sopas de letrinhas CDB, LCI, FGC”, afirma. A fim de fisgar essa persona, o Warren foi desenvolvido para falar dos sonhos das pessoas, não dos produtos financeiros. Ao interagir com o consultor-robô, o usuário é convidado a nomear as carteiras conforme seus planos: viagem de férias, casamento, aposentadoria, carro novo. O Warren faz então algumas perguntas de forma descontraída e monta uma carteira para cada projeto, com base na tolerância a risco demonstrada pelo investidor, no horizonte de tempo para alcançar seu objetivo e no montante que detém para investir. A remuneração pelos serviços do Warren segue a fórmula usual da indústria de gestão de recursos — a taxa de administração —, mas seu tamanho é resultado de uma escala que apenas os algoritmos permitem alcançar: apenas 0,8% ao ano.

A composição do portfólio é transparente. Porém, o usuário só chega até ela depois de uma sequência de cliques. “Nosso cliente não se interessa pelo ‘recheio do pastel’, mas, se ele quiser saber, a informação está lá”, diz Maisonnave. Entre os “recheios” estão títulos do Tesouro Nacional e cotas de fundos de índice (ETFs, na sigla em inglês) — esses últimos são usados para compor a parcela variável do portfólio. A aplicação média dos usuários fica na faixa de 9 mil a 15 mil reais. Em breve, o plano é lançar uma linha para investidores com reservas mais polpudas, que invista em ativos como CDBs de bancos privados, títulos incentivados e fundos imobiliários.

“A XP é a melhor solução, mas apenas para 20% dos brasileiros”

A estratégia do Warren é possível graças a mudanças na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estabelecidas na Instrução 558, de março de 2015. As regras abriram caminho para que as gestoras de recursos distribuíssem as carteiras que elas mesmas compõem. Ao aval regulatório Maisonnave juntou a força do marketing nas redes sociais e já atingiu sua dezena de milhares de clientes espalhados pelo Brasil com apenas 20 pessoas no time. O empreendedor sabe bem, entretanto, que existir como uma empresa admirada no mundo digital não é uma missão banal. Na arquitetura aberta da internet os consumidores têm poderes ilimitados para dizimar a reputação das empresas. A comparação é extremamente fácil e ser bem avaliado — e recomendado — nessa grande praça pública virtual é uma premissa indispensável. “Produto ruim, na internet, some”, ele assegura.

O serviço oferecido pelo Warren é conhecido no universo das finanças internacionais como robo-advisor. aisonnave prefere chamá-lo de digital management. “A gente não gosta do termo ‘robo’ porque parece uma coisa despersonalizada”, explica. As americanas Betterment e Wealthfront são duas referências que o inspiraram no plano internacional. No Brasil, seu algoritmo concorre com dois pares — Magnetis e Vérios —, mas Maisonnave faz questão de sublinhar que o modelo de negócio do Warren é diferente, por buscar a verticalidade. Como os investimentos feitos pelo consultor-robô demandam os serviços de uma corretora de valores, ele fez um acordo de compra da corretora gaúcha Pilla, que espera ver endossado pelo Banco Central ainda em janeiro. Com isso, ele imagina ter mais controle sobre o negócio. “Nossa estratégia é integrar todo o processo do investimento.” Segundo Maisonnave, o desenvolvimento do Warren já recebeu 15 milhões de reais em aportes.

O entusiasmo gestado durante o sabático não foi canalizado apenas para o consultor-robô. Junto com outros dois colegas ex-XP, Pedro Englert e Eduardo Glitz, ele investiu em fintechs como a Monkey (oferta de descontos de recebíveis a preços mais camaradas), a BeeTech (operações de câmbio) e o FitBank (meios de pagamento para profissionais liberais).

Se as fintechs continuarem a invadir a quadra dos bancos com algoritmos versáteis e marketing sedutor, como será o futuro? Quem vai arrebatar as reservas dos poupadores no final? Questionado sobre o assunto, Maisonnave prefere a hipótese da convivência à da dominação. “Não vai ter como os bancos comprarem todas as fintechs porque a todo tempo uma nova vai nascer, e de onde ninguém imagina”, profetiza. Ao mesmo tempo, ele não acredita que os bancos conseguirão prestar o tipo de serviço que as fintechs se propõem a oferecer. “Eles estarão sempre vários passos atrás.” Sem as barreiras ao empreendedorismo, a criatividade e a tecnologia avançam de forma surpreendente. A democracia de oportunidades — esta sim — mudou as regras do jogo.


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