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Cartas (cheias) de esperança
Reflexões direcionadas aos presidenciáveis Jair Bolsonaro e Fernando Haddad
Cartas (cheias) de esperança

Ilustração: Rodrigo Auada

A seção “Escritos Anônimos” destina-se à publicação de textos que contenham opiniões e reflexões polêmicas, que, na visão dos autores, não poderiam ser expressas sem a condição de anonimato. 

 


Prezado Capitão Jair Messias Bolsonaro,

sabe, candidato, eu resolvi lhe escrever esta carta — coisa meio antiga, reconheço — porque estou muito inquieto com o destino do meu País. Em verdade, vejo que alguns amigos mais abastados foram embora do Brasil ou, mais comumente, muitos vivem como que em “bolhas” ou “bolsões”. De outro lado, minha empregada e a recepcionista da empresa em que trabalho me contam sobre a desesperança que reina lá em Duque de Caxias, onde moram. Desemprego e criminalidade em alta. Triste mesmo.

Pois bem, Capitão, nesse contexto de enorme incerteza e alguma tristeza, resolvi seguir Machado: “o medo às vezes dá coragem”. Aí pus-me a me escrever, nesta manhã de primavera (fique tranquilo, nada relacionado com Praga…) na mesa de operações daqui do banco de investimento. Por aqui, meus colegas e amigos fazem festa quando o Capitão sobe nas pesquisas. Eles creem muito nesse seu economista Paulo Guedes, que prega o ultraliberalismo. Ao que parece, ele é fã de Friedman e Hayek. Acha até mesmo Dean Russel e John Stuart Mill meio “avançados” demais, porquanto incorporam algumas ideias libertárias do ponto de vista social. Admira muito a reforma de Pinochet no Chile. Militar como o senhor, veja só!

Fico pensando, candidato Bolsonaro, como o senhor vai implementar tanta privatização, quando se sabe que a sua aliança partidária (PSL/PRTB) é bem frágil. Outro dia, vi o Renan Calheiros na TV e parece que ele confia que será o presidente do Congresso Nacional. Dá para negociar com ele ou com o Romero Jucá? Afinal, nas contas dos meus colegas de mercado, o tal do “centrão” é pró-mercado. Todavia, o Capitão vai negociar cargos com eles? Paulo Guedes disse à revista Piauí que o senhor é “tosco”. Será que como presidente o senhor terá a “esbelteza negocial” necessária ao cargo? Como operador de mercado, fiquei preocupado quando o candidato diz abertamente que “não entende nada de economia”. O economista-chefe do banco, a despeito desse reconhecimento seu, acredita piamente em suas políticas pró-mercado. Ele é PhD em Yale e parece entender das coisas, muito embora alguns clientes meus o considerem meio presunçoso.

Sabe, deputado Jair, andei olhando aqui o seu desempenho como representante do povo e vejo que o deputado, em 29 anos de Câmara, aprovou pouquíssimos projetos. Ademais, como é possível o senhor ser o “antipolítico” quando ficou tanto tempo entre seus pares de Brasília? A filharada toda está na política e até a ex-mulher voltou a ter o seu nome. Que orgulho! Essa coisa de que ela fugiu do País com medo do senhor deve ser papo da oposição.

Não perco a esperança. A minha família, típica classe média, vai votar toda no senhor porque crê que a hora é de ser antipetista. Quiçá não seja mesmo. Isso pode ter vários significados, mas para a turma aqui do banco isso quer dizer ser “liberal”. Todavia, quando leio que o senhor já foi acionado no STF por racismo, por ter afirmado que em um quilombo “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, fiquei boquiaberto. Isso parece meio tosco, como diria Guedes. Não deve ser verdade, estamos no século 21.

Também fiquei meio trépido como o fato de ter afirmado que uma deputada não mereceria ser estuprada por ser feia. Vixe! Isso deu uma confusão lá em casa… Minha esposa ficou brava demais. Agora vejo que as mulheres estão votando no senhor. Que bom, né, deputado? Aqui no banco o pessoal usa um termo bacana: “markets have no memory”. Se aplica perfeitamente ao senhor. De todo modo, cabe lhe avisar que não há liberalismo sem liberdade, e modos de agir como esses ou desfiguram liberais ou os desmascaram.

Outra coisa que me preocupa, mas não necessariamente preocupa os analistas e investidores, são os flertes estranhos de seu vice, um tal de Hamilton Mourão. Ele não parece versado em ciência política, mas falou algo em relação a um “autogolpe”. Achei estranho. Até procurei esse conceito na internet e caí em textos de Aristóteles e Hanna Arendt. De modos diferentes eles concluíram que a tirania e o mal banalizam a vida e a democracia é valor civilizatório. Tenho certeza de que um homem como o senhor já leu esses autores, digamos, “básicos”. O senhor deve ser um democrata, mesmo sendo conservador nos costumes. Por sinal, meus amigos e amigas homossexuais temem muito o deputado. Aqui, acho até que caberia uma pesquisa “quali”, um “focus group” para o senhor melhorar a sua imagem nesse segmento, minoritário, mas que tem gente boa.

Por fim, prezado capitão, não perco a esperança. Ser presidente do Brasil é sonho de qualquer pessoa bem-intencionada que ame fazer política. As dúvidas que tenho não são de caráter “doutrinal”. Afinal, o senhor é um liberal, não é mesmo? Como escreveu o Padre Antonio Vieira, “se não basta a doutrina, basta o exemplo”. Sei que o senhor irá esclarecer tudo isso, meu caro Capitão.

Minha continência.

José Mercancia*

 


Prezado Professor Fernando Haddad,

esta carta que lhe envio foi resultado de um atalho: estava assistindo TV e vi sua entrevista na porta da PF de Curitiba, onde está preso o Lula. Sorte sua, né, dr. Haddad? Pode dar entrevista por aí porque parece que o STF está ainda discutindo se Lula pode dar entrevista lá de dentro da cadeia. Estranha discussão…

Meu nome é José, desculpe, não me apresentei. Quem me estimulou a escrever ao Professor foi minha esposa, Raísa. Em verdade, ela acha você meio bonitão e odeia o Capitão, por razões que o senhor deve imaginar. O pai dela era comunista e ela ficou com a alma na esquerda.

Fernando (permita-me a intimidade), estou vendo que sua candidatura chegou até aqui quando ninguém acreditava. Lá no banco de investimento em que trabalho você dá sustos, é verdade. Para mim também. Você sobe, dólar sobe. Você cai, dólar cai. Simétrico.

Você é simpático, mas como deve saber, sorriso todo candidato tem. Além disso, o seu PT é de doer. Sinceramente, se me permite. Quando vejo seus companheiros Ricardo Berzoini, Rui Falcão, Gleisi Hoffmann e outros falando sinto que estou ouvindo sobre temas dos anos 1960 e 1950. Tudo bem você defender a sua base eleitoral no funcionalismo público, mas em tempo de economia digital e indústria 4.0 tudo me parece meio atrasado demais. Haddad, você deveria ficar um dia no banco: iria aprender muito. Confesso que há coisas erradas, mas aqui há uma realidade cruel. O mercado…

Li um research aqui no banco que mostra que somos um país sem competitividade e ainda estamos a discutir educação básica. Ocorre que essa verdade não deveria permitir que o PT pensasse de forma tão arcaica sobre economia. O Estado brasileiro é de um atraso secular e, ademais, os interesses mais mesquinhos estão dentro dele. Inclusive os da elite que o seu partido ataca (ou de que faz parte?). Em julho, fui à Flip, lá em Paraty (sabe, né?), e vi uma palestra bacana sobre o Lima Barreto. Tem uma frase de que o PT precisa saber o significado: “o governo federal, em face de qualquer Estado, abrange o mundo.” Convenhamos, chega dessa visão petista de que o Estado salva tudo.

Outra coisa que me preocupa é que você, para governar, terá de se livrar dessa coisa de “companheirada”, muito embora Lula e Dilma tenham feito alianças com Sarney, Renan, Michel, o PP, aquele Valdemar da Costa Neto… A estratégia do apparatchik soviético morreu com Stálin. Nem os Castros em Cuba e nem mesmo o engraçado do Nikita Kruchev (não sei se escreve-se assim) concordariam com isso (não sou erudito, mas li um pouquinho). O que parece mais ser isso tudo é a tal da “boquinha” para a tigrada do partido. Uma coisa bem brasileira, diga-se.

O que não foi “boquinha” foi “mensalão” e “petrolão”. Por sinal, o candidato Haddad fará o mea culpa desses escândalos todos? Se eu puder ajudar, o tal do mercado tem muito medo de que isso volte e acabe por haver uma repetição da tragédia que acometeu a Petrobras e outras empresas. Aliás, prezado Professor: tem que avisar para a turba do PT que empresa de economia mista não é empresa pública; arrecada grana no mercado de capitais, aqui e lá fora.

Haddad, se eu fosse você, não ficava tão próximo ao Lula. Ele é um líder, não resta dúvida, mas tenho sinceras dúvidas sobre o seu caráter político. Acho meio estranho isso de ele ter sido condenado em tempo recorde, mas temos de reconhecer que ele é suspeito mesmo de ter feito coisa errada. Dizia minha saudosa mãe: “olha com quem andas e verás quem és”. Zé Dirceu, Palocci, Duque e a patota toda são de doer. Falando em Dirceu, tenho medo de olhar para ele. Aquele medo do Beria, sabe? (desculpa de novo tentar mostrar certa cultura para um professor como você).

Haddad, é verdade que você vive de papo com o FHC? Aqui no banco ele já veio três vezes. É aplaudido demais. Fala bem. Tivemos grandes tensões na época dele, mas o povo o ama por aqui. Minha empregada, Joselita, confia mais nele do que em você, desculpe a sinceridade, apesar de ser uma proletária. Ela teme perder o emprego. O filho dela, um taxista, fez Direito e acredita que possa passar num concurso, coisa que o PT faz muito, né?

Haddad, você viu o desempenho do Dória em São Paulo? Que achou do seu sucessor que abandonou a prefeitura? São Paulo é importante, mas os cientistas políticos que têm falado para a nossa clientela dizem que o PT não vai fazer alianças. Procede? Como vai governar? Sei que você não controla o PT, mas devia ouvir o Bresser-Pereira (agora o nome dele tem hífen) e, dessa forma, ampliar a sua aliança. Mesmo assim, acho que o povo tá gostando mesmo é do Bolsonaro. Sinal de que o PT fez muita porcaria.

Haddad, é verdade que, se vocês voltarem, vão se vingar de todo mundo? Não posso crer que possam agir de forma tão medieval. Além disso, como é que vocês vão pagar as contas do governo com esse déficit imenso? A juizada toda (tem um desembargador que é meu vizinho) morre de medo da reforma da previdência. Acredita que os juízes podem tirar até 90 dias de férias por ano?! Vai ser difícil aprovar tudo sem apoio. Lá vêm os deputados do “é dando que se recebe”. Acho que você deve saber mais do que eu, um professor da USP…

Haddad, a coisa tá feia. Acho difícil eu votar em você se continuar pregando coisas que me parecem um atraso danado. Quero um país mais justo, mas não quero mais nenhum “cavalo de pau”. Além do mais, a turma do banco não pode saber nem que te mandei uma carta. Essa coisa de ser liberal tem limite, sabe como é? O Nabuco uma vez disse que “a degola para o degolador é um gozo”. Não quero ser degolado. Isso é coisa para presídio do Maranhão.

Fique com meu abraço,

José Mercancia*


*José Mercancia é morador de Pindorama, cidade abaixo do Equador. Opera na mesa de um banco de desinvestimento a partir da Ilha de Santa Cruz. Torce para que o Brasil dê certo. Nas horas vagas é advogado e conselheiro de administração de empresas de grande porte.


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