Três pilares para o financiamento em infraestrutura
O desafio está concentrado no desenvolvimento de um ambiente regulatório capaz de melhorar a segurança jurídica
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Ilustração: Rodrigo Auada

O Brasil passa por um momento de profunda mudança do paradigma macroeconômico, marcada principalmente pela aprovação das reformas estruturais. Esse processo cria um ambiente adequado e propício para investimentos de longo prazo, como são os de infraestrutura. No exterior, investidores aplicam seus recursos a juros negativos: contam com a segurança de mercados desenvolvidos, mas sem nenhuma expectativa de retorno. Nesse contexto, tanto investidores locais quanto internacionais buscam oportunidades de investimento que apresentem uma boa relação entre risco e retorno.

No Brasil, o desafio está concentrado no desenvolvimento de um ambiente regulatório capaz de conferir a segurança jurídica necessária para que o capital flua para o financiamento da infraestrutura. É natural que o mercado de capitais seja protagonista nessa dinâmica — nos segmentos de dívida, imobiliário e acionário — e que se apresente como principal fonte de captação de recursos desses projetos. Afinal, ele conjuga bem governança e transparência.

Com esse pano de fundo, agentes privados formaram um grupo de trabalho a pedido da comissão especial de parcerias público-privadas da Câmara, presidida pelo deputado João Maia (PL-RN) e relatada pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). O time, liderado pelo Integral Group e integrado por Mattos Filho, CTE, Roland Berger e Beach Park, desenvolveu um estudo em que analisa e propõe sugestões ancoradas em três grandes pilares: mercado de capitais como grande fonte financiadora; contribuições legais e melhorias no arcabouço legal; e investimentos ESG (aspectos ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês) como uma nova fronteira de captação de recursos, canal de acesso a grandes investidores globais. Neste artigo estão alguns destaques desses pilares.

Mercado de capitais

É natural que o mercado de capitais assuma o protagonismo no financiamento de projetos de infraestrutura. Um bom exemplo é o sucesso das debêntures incentivadas, cujas emissões têm crescido neste ano. Foram captados por meio desses títulos aproximadamente 16,5 bilhões de reais entre janeiro e agosto de 2019, montante superior aos pouco mais de 15 bilhões de reais de igual período do ano passado, segundo dados da Anbima. Os números são promissores, mas o mercado ainda está longe de sua capacidade: além da oferta de incentivos fiscais, é preciso que se aprimore o marco regulatório e que se criem legislações setoriais específicas, como a de saneamento.

Diversos pontos podem ser incluídos entre as necessárias contribuições e melhorias no arcabouço legal. É preciso, por exemplo, que haja previsão em lei da segregação de receitas em escrow accounts em contratos de parcerias público-privadas (PPPs) para se garantir pagamentos pelo parceiro público e se evitar questionamentos por parte de órgãos de controle. É também fundamental uma previsão legal de condicionamento dos investimentos a determinados níveis de serviço ou demanda. Sugere-se, ainda, a inclusão do tripé da sustentabilidade na cláusula que exige a definição dos critérios de avaliação de desempenho do parceiro privado.

A Lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, estabelece um critério para cálculo da indenização sobre bens reversíveis no caso de término antecipado do contrato ou na hipótese de advento do termo contratual. Critério recentemente utilizado em PPPs é o de valor de mercado (equivalente ao valor novo de reposição, ou VNR), que pode apresentar diferença significativa — para mais ou para menos — em relação ao valor contábil dos bens em questão. Essa variação é prejudicial para as concessões, pois provoca incerteza quanto ao valor de indenização que será devido pelo poder público e afeta os investimentos feitos por concessionárias nos últimos anos da concessão.

O artigo 36 da Lei 8.987/95 prevê que “a reversão de bens no advento do termo contratual será realizada com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis […] que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido”. Ao estabelecer que serão indenizáveis os investimentos realizados para garantia da “continuidade e atualidade” do serviço concedido, a lei gera uma dúvida. A questão é se a indenização também inclui os investimentos iniciais realizados pela concessionária com o objetivo de garantir a construção da infraestrutura necessária para operação do serviço, ainda que não tenham sido amortizados/depreciados em razão das normas contábeis vigentes.

Lentidão

Tão importante quanto o valor da indenização relativa a investimentos sobre bens reversíveis em si é o momento em que ela é efetivamente paga à concessionária. A lentidão no pagamento dos valores devidos à concessionária compromete substancialmente seu fluxo de caixa e sua capacidade de fazer novos investimentos e afasta potenciais investidores em busca de oportunidades relacionadas ao fluxo final de concessões.

Além disso, sob a perspectiva da administração pública, é importante que o poder concedente, ao tomar as decisões de não prorrogar determinada licitação e de não relicitar seu objeto (nos termos da Lei 13.448/17, a Lei de Relicitações) e/ou prestar o serviço concedido de forma direta, considere os efeitos orçamentários de sua decisão dentro do período do mandato eleitoral do titular do respectivo poder/órgão — não devendo ser considerada, para isso, a possibilidade de reeleição.

Outro aspecto relevante: desde que as operações sejam celebradas pela concessionária no âmbito de operações de financiamento visando a investimentos e/ou a operação da concessão, a incerteza sobre a necessidade de autorização prévia para a emissão/conversão de títulos conversíveis em ações e a celebração de instrumento/excussão de garantia sobre as ações da concessionária é condição que adiciona insegurança jurídica aos contratos de financiamento


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Ajustes legais

A declaração de caducidade da concessão consiste em medida crítica que onera a concessionária, o poder concedente (diante da necessidade de organização de novo processo competitivo, que gera gastos ao erário) e o usuário (afinal, nesse cenário o serviço público pode não ser prestado ou ser oferecido em condições insatisfatórias). Em experiências recentes, verificou-se que a administração pública e as próprias concessionárias têm buscado soluções para evitar a decretação de caducidade de PPPs por meio de tratativas com investidores interessados na transferência do controle das concessões.

O artigo 27-A da Lei 8.987/1995 determina que o poder concedente poderá autorizar a assunção do controle da concessionária por seus financiadores e garantidores (com quem não mantenha vínculo societário direto) para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. O § 3º do referido artigo define controle como “a propriedade resolúvel de ações ou quotas por seus financiadores e garantidores que atendam os requisitos do art. 116 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976”. Em outras palavras: durante o inadimplemento da sociedade incumbida de explorar o empreendimento perante o financiador, este pode assumir o controle direto da sociedade, exercendo pessoalmente o direito de voto na assembleia geral da companhia em substituição ao acionista patrocinador, e sanear o inadimplemento/crise financeira da sociedade.

Diferentemente da previsão aplicável à administração temporária da Lei 8.987/95, a assunção do controle pelos financiadores e garantidores da concessionária não os exime de responsabilidade em relação a tributação, encargos, ônus, sanções, obrigações ou compromissos com terceiros, inclusive com o poder concedente ou empregados. Ocorre que a ausência dessa previsão gera insegurança jurídica aos financiadores e garantidores para assumirem o controle da concessionária para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. Não sem motivo, já que eles podem ser responsabilizados pelo passivo e por contingências que surgirem durante a assunção do controle temporário.

“Por sua conta e risco”

O artigo 2º, II, da Lei 8.987/95 definiu a concessão de serviço público como a delegação de sua prestação, pelo poder concedente, a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas, “por sua conta e risco e por prazo determinado”. Por causa da expressão “por sua conta e risco”, por muito tempo entendeu-se que a alocação de riscos nesses contratos implicava a atribuição, à concessionária, de todos os riscos inerentes à concessão — salvo aqueles relacionados a fatos imprevisíveis ou inerentes à administração pública.

Nesse sentido, verifica-se que os editais e contratos de concessões comuns e de PPPs são, atualmente, feitos com base em modelos antigos, com falta de clareza acerca dos riscos e responsabilidades divididos entre poder concedente e concessionária — tanto em relação a aspectos econômico-financeiros das contratações, quanto em relação a eventos imputáveis a outros órgãos da administração pública, bem como em hipóteses de caso fortuito ou força maior. A experiência em projetos de infraestrutura e a evolução do arcabouço jurídico brasileiro evidenciaram que a distribuição objetiva dos riscos entre as partes contratantes constitui uma forma mais eficiente de alocação.

A solução proposta pelo grupo de trabalho consiste no dever, da administração pública, de elaboração de matriz de risco clara e detalhada, ajustada para cada empreendimento específico e à luz das circunstâncias concretas, de modo a esclarecer e conferir segurança a essa divisão de direitos, obrigações e riscos entre as partes. O melhor caminho, nesse caso, passa por:

— inclusão de inciso no art. 23 da Lei 8.987/95 para prever como essenciais cláusulas de repartição objetiva de riscos entre a concessionária e o poder concedente;

— inclusão de dispositivos nessa mesma lei e na Lei 11.079/04 (que dispõe sobre as PPPs) prevendo o dever do poder concedente de elaborar matriz de riscos do empreendimento, considerando, no mínimo, a identificação, a avaliação e a alocação dos riscos à parte que mais bem puder gerenciá-los, com o menor custo para o processo, de maneira a minimizar futuras revisões contratuais extraordinárias.

Atualmente, os contratos de concessões comuns e de PPPs atribuem à concessionária riscos não controláveis relacionados ao empreendimento como, por exemplo, riscos socioambientais, de comoção e de manifestação social. Como consequência, o poder concedente e os usuários são prejudicados, uma vez que a alocação do risco ao privado resulta em precificação a maior na proposta da licitação. Caso o risco não venha a se materializar, o privado se beneficia em relação à precificação da sua proposta que incluiu o evento gravoso não materializado. Já o poder concedente, por não ter alocado tal risco para si, obtém proposta econômico-financeira menos vantajosa a seus interesses.

A fronteira ESG

No mundo todo, grandes fundos de pensão têm direcionado recursos para o perfil ESG. Segundo o Principles for Responsible Investing (PRI), o total de ativos geridos por seus signatários atingiu 86 trilhões de dólares em 2019, o dobro de cinco anos atrás. O grupo foi criado em 2005 pelo então secretário da Organização das Nações Unidas (ONU) Kofi Annan para reunir grandes investidores institucionais e desenvolver princípios de investimentos responsáveis. Falar em investimentos ESG hoje é uma estratégia bastante promissora e visa também endereçar novos aspectos que tangenciam os projetos a serem financiados. A sigla já condiciona a movimentação de um enorme montante de recursos, especialmente quando considerados os projetos de infraestrutura, que têm impacto socioambiental a ser apreciado desde seu desenvolvimento inicial.

Adicionalmente, o investimento ESG possibilita uma alternativa ao investment grade soberano, pois os grandes investidores internacionais têm ferramentas para desconsiderar o risco-país e considerar os méritos dos investimentos com o selo, bem como dos projetos e por especificamente endereçar os aspectos fundamentais na gestão deste tipo de fundo.

Endereçados esses três pilares — incentivo ao mercado de capitais, aprimoramento do arcabouço legal e atendimento de demandas ESG —, o Brasil terá plenas condições de oferecer o retorno que tanto buscam investidores internacionais hoje posicionados em juros negativos.


Vitor Bidetti ([email protected]) é CEO da Integral Brei


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