“São demais os perigos desta vida”
Eles estão à nossa volta, mas pior seria não estar vivo para enfrentá-los
Perigos

Imagem: pikisuperstar | Freepik

Uma das aberturas mais bonitas do romance brasileiro (senão a mais bonita, mas isso é assunto para madrugada longa) é a de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, que trata dos mistérios da natureza, do homem, da vida e da sobrevivência, luta renhida, no dizer de Gonçalves Dias (Canção do Tamoio).

A natureza é perigosa e sobrevivemos entre terremotos, vulcões, tsunamis, avalanches de neve, ciclones, furacões, tufões, tempestades marítimas e de areia, inundações, descargas atmosféricas e temperaturas extremas.

Do reino animal, temos nuvens de gafanhotos, escorpiões, formigas, serpentes e aranhas venenosas, tigres, tubarões, dobermanns e pit bulls, gorilas e crocodilos.

Por outro lado, a ciência é capaz de verdadeiros milagres bíblicos, como, por exemplo, os antibióticos, que já salvaram vidas sem conta. Entretanto, a ciência também é perigosa. A talidomida ficou como símbolo desses riscos, mas existem os agrotóxicos e pesticidas de toda espécie (felizmente, segundo leio, sendo banidos nos países mais avançados) e as contaminações da água e do solo.

Durante o desenvolvimento do Projeto Manhattan, no deserto de Los Alamos (Novo México), uma corrente de cientistas se opôs à realização do primeiro teste nuclear, sustentando que a reação em cadeia seria incontrolável e destruiria o planeta. Eles não tinham como comprovar a teoria, mas a ala que defendia a realização do teste também não conseguia provar que os opositores estavam errados.

Mesmo assim, o teste aconteceu. A ciência deu, por assim dizer, um tiro no escuro, de consequências imprevisíveis. O resto é história.

Os estados são perigosos. Desde o estado de necessidade até o estado de sítio, passando pelo estado grave, pelo estado de calamidade e pelo estado geral das coisas, sem falar nos estados totalitários.

Os humanos também são perigosos, como sabemos. No romance de Guimarães Rosa, o personagem Riobaldo, despolitizado, como se dizia, desbancarizado e desconectado, como se diz agora, sentencia — Viver é negócio muito perigoso… O escritor mineiro se baseou num sertanejo real que, entre tantos perigos, viveu até os 92 anos. Fazendo coro, Vinicius dizia: “São demais os perigos desta vida”.

Na mitologia, Ícaro voou e afundou no mar Egeu; Teseu enfrentou o Minotauro no labirinto; e Prometeu acabou amarrado eternamente à rocha, enquanto uma águia devorava seu fígado.

Não bastasse, falam sobre a existência de seres perigosos, como vampiros, bruxas, lobisomens, zumbis e até mulas sem cabeça. Dizem que, vez em quando, se reúnem para traçar planos. Não acredito neles, mas a gente vê tanta coisa, que acaba em dúvida.

Por perigosas que sejam, todos querem desfrutar as maravilhas que o planeta e a espécie oferecem, como o mar, o sol, a chuva, a terra, o diálogo e os relacionamentos.

Todavia, no momento, devemos manter distâncias e usar máscaras, pois, sem elas, o risco de não correr esses perigos é assustador. Apesar disso, os fanáticos, sempre perigosos, até desistem deles, como fizeram os seguidores de Jim Jones, em 1978, na Guiana.

A propósito, aproveitem a pausa e leiam Kalki, de Gore Vidal, lançado no mesmo ano. Além, claro, de Grande Sertão: Veredas, ainda sem os dias do fogo. São obras diferentes, como é óbvio, mas sempre é bom evitar hegemonias, especialmente as culturais. Também são perigosas.


*Carlos Augusto Junqueira de Siqueira, advogado


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