Uma escolha de Sofia
Como conciliar interesses nas situações de interrupção de negócios com valores mobiliários
, Uma escolha de Sofia, Capital Aberto

Carlos Rebello */ Ilustração: Julia Padula

Algumas vezes o regulador e a bolsa de valores se deparam com situações em que, embora busquem a harmonia de interesses dos participantes do mercado, suas decisões importarão em limitação para alguns e benefício para outros. Um exemplo: as decisões de suspensão de negociação de ações e outros valores mobiliários visam, na maioria das vezes, dar aos investidores o acesso a informações fidedignas capazes de fazê-los escolher de maneira refletida e, como consequência, viabilizar uma eficiente formação de preços no mercado.

Embora não sejam objeto deste artigo, há outras razões que podem demandar a atuação preventiva da CVM ou da Bolsa, com a deflagração de suspensão dos negócios — como excessivas negociações destinadas à criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários, operações fraudulentas, manipulação de mercado e práticas não equitativas.

Dois interesses opostos surgem na comunidade de investidores em situações envolvendo a suspensão de negociação decorrente de deficiência informacional do emissor. De um lado, os que necessitam das informações para tomar sua decisão de compra ou venda e, de outro, os que precisam da liquidez dos papéis para cumprir suas estratégias ou compromissos.

Em uma deliberação recente, datada do último dia 17 de julho, a CVM suspendeu as negociações em bolsa de cotas de um fundo de investimento imobiliário (FII), em razão de alegadas irregularidades contábeis, de gestão, de aplicação em ativos e na remuneração distribuída aos cotistas. A negociação das cotas só será retomada quando a administração do fundo prestar os esclarecimentos solicitados pelo regulador e sanar as irregularidades apontadas. Portanto, já se passou mais de um mês sem que a cotas pudessem ser negociadas em mercado público.

Ocorre que o fundo tem pelo menos 8 mil cotistas. Provavelmente, para uma relevante parte desse contingente, a liquidez das cotas é tão ou mais importante que a completude das informações divulgadas pela administração do fundo imobiliário. Corrobora essa percepção o fato de o giro anual das cotas desse FII representar cerca de 80% de sua capitalização de mercado, enquanto o da indústria de FII é de cerca de 30%.

Como conciliar os interesses opostos?

Nos Estados Unidos, a grande maioria das decisões de suspensão de negociação de ações — que podemos chamar tecnicamente de interrupções ou paradas de negociação (trading halts) —, é tomada pelas bolsas e tem duração reduzida a horas ou mesmo a minutos, com retomada dos negócios no mesmo pregão, ainda que as informações continuem pendentes de divulgação.

Já a comissão de valores americana (SEC) tem, por força de lei, a prerrogativa de suspender a negociação por um período máximo de dez dias, em razão de falta de divulgação de informações do emissor e de dúvidas sobre a fidedignidade das informações prestadas. A ação saneadora do regulador pode ocorrer também em função de questões relacionadas à negociação das ações, como o insider trading, a manipulação de mercado ou a capacidade de compensação e liquidação de transações. Na prática, as decisões da SEC têm por alvo frequente ações negociadas fora de bolsa, no mercado de balcão.

No Brasil, a Bolsa tem poderes, estabelecidos em seu regulamento de operações, para suspender negócios com ativos ali negociados por um período máximo de 30 dias, que pode ser ampliado. A suspensão é mandatória nos casos de pedido de recuperação; intervenção, administração temporária e liquidação extrajudicial; pedido de falência com indícios de insolvência; decretação de falência; e, determinação judicial ou da CVM. Já a falta de prestação de informações ou comunicação de deliberações, assim como a existência de informação vaga, incompleta ou imprecisa que possa influenciar na cotação, pode levar a Bolsa a determinar a suspensão.

A retomada dos negócios pode ocorrer mesmo na hipótese de não haver esclarecimento por parte do emissor. Nesse caso, a Bolsa alerta o mercado e pode publicar em separado a negociação, para chamar a atenção do público investidor.

A lei de criação da CVM a ela atribui poderes para suspender a negociação de valores mobiliários com o intuito de prevenir ou corrigir situações anormais do mercado, mas não fixa prazo de duração da interrupção.

Há muitas semelhanças na motivação para a determinação da suspensão nas duas jurisdições. Já na duração da limitação há discrepância de abordagem, com os do norte optando por prazos mais curtos, demonstrando preocupação também com a preservação da liquidez dos ativos.

A duração da suspensão da negociação, em meu entender, talvez deva merecer um exame mais aprofundado de nosso regulador e da bolsa de valores, com vistas a harmonizar os interesses antagônicos surgidos nessas situações.


*Carlos Rebello ([email protected]) foi diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa até 2015 e superintendente da CVM entre 1978 e 2009. 


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