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Taxa de desconto, o toque de arte em valuation
Alguns cuidados técnicos são necessários para se evitar inconsistências básicas nessa premissa
Ilustração de Alexandre Póvoa

*Alexandre Póvoa é fundador da Valorando Consultoria e autor dos livros “Valuation”, “Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor” | Ilustração: Julia Padula

Quando você abre a carteira e saca uma nota de dez reais, tende a achar que a quantia não tem custo algum — o valor, afinal, está disponível e pode ser usado a qualquer momento. Mas esse é um erro comum de interpretação. Isso porque aqueles dez reais poderiam estar investidos em um produto financeiro, desde os mais conservadores (um fundo DI ou CDB) até os mais arriscados (um fundo de ações, por exemplo), rendendo lucros. É o chamado custo de oportunidade, o custo de capital próprio.

Na situação em que você toma um empréstimo, o custo da dívida fica mais explícito, já que o dinheiro dos juros sai do seu bolso. Os juros correspondem ao custo da dívida, que normalmente é visto como vilão no imaginário popular. Quem quer ficar endividado? Nada pior do que correr o risco de ter o nome em uma lista de inadimplentes.

Diz o senso comum que sempre o custo da dívida é mais elevado do que o custo de capital próprio. A nota de dez reais no meu bolso não está me incomodando, enquanto o pagamento de juros e amortizações está tirando meu sono. Mas isso tampouco corresponde à verdade. Sempre o custo de capital próprio será maior que o custo da dívida.


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O primeiro motivo: se aquela nota de dez reais estivesse investida em qualquer aplicação do mercado financeiro, ela estaria suscetível a ganhos e perdas. Já o credor de sua dívida, chova ou faça sol, exige o pagamento de juros. Portanto, intuitivamente, esse é um argumento forte para o custo de capital próprio ser superior ao custo da dívida. A segunda razão advém do fato de o prêmio de risco (investir no desconhecido) para se aplicar em ativos financeiros ser maior do que o prêmio cobrado pela dívida (custo conhecido).

Há, ainda, uma terceira explicação, que advém da diferença entre a taxação dos juros cobrados pela dívida e os chamados juros sobre capital próprio. Enquanto os impostos cobrados sobre a dívida são taxados entre 25% e 30%, sobre o capital próprio incide a alíquota efetiva de 6,15%1.

Taxa de desconto de fluxo de caixa

De todos os campos da valuation, o mais fascinante é a determinação da taxa de desconto de um fluxo de caixa. Sem dúvida, é o que exige a maior dose de arte por conta do analista — mas nem por isso a consistência deve deixar de prevalecer.

No Brasil, a taxa de desconto (seja vinda do capital próprio ou de terceiros) é vista sempre como algo negativo. O desvio-padrão, em cima de uma taxa de juros extremamente alta (não é o caso no momento), sempre incitou pensamentos ruins exatamente por termos um custo de oportunidade historicamente elevado. Já nos Estados Unidos, o risco é visto como uma moeda de duas faces. Afinal, o desvio-padrão sobre uma média cai tanto do lado negativo quanto do positivo. Já na China, a palavra risco tem, na sua escrita, ideogramas que se aproximam da palavra oportunidade.

Alguns modelos mais complexos, como Arbitage Pricing Model (APM), são usados. O objetivo do modelo é determinar uma regressão múltipla de fatores para a definição da taxa de desconto. Por exemplo: para indicar o custo de capital próprio (que é sinônimo de retorno exigido) a ser usado para um fluxo de caixa de Petrobras, utiliza-se alguns fatores de risco: preço do petróleo, nível de estoques de petróleo no mundo, crescimento e taxa de câmbio. Os parâmetros são estabelecidos a partir de testes de significância estatística. Cada fator da regressão terá um Beta (coeficiente angular).

Exemplo:

Retorno exigido para o investimento para a ação da Petrobras: retorno do ativo livre de risco + 0,9 retorno projetado para o preço do petróleo no ano seguinte (t + 1) + 0,5 variação estimada do PIB mundial em t + 1 – 0,6 variação dos estoques de petróleo no mundo em t + 1 + 0,3 variação da taxa de câmbio em t + 1.

O grande problema dessa regressão múltipla do APM é que os Betas variam bastante, tornando instável o cálculo do retorno exigido para se comprar a ação da Petrobras no exemplo.

Modelo CAPM

O modelo mais usado no mercado para determinar o custo de capital próprio para o acionista é o Capital Asset Pricing Model, o famoso CAPM. Trata-se de um modelo extremamente simples, baseado em quatro hipóteses: inexistência de custo de transações, total liquidez de compra e venda dos ativos, simetria de informações no mercado e plena condição de se eliminar o risco específico de cada ação com uma boa diversificação de carteira, restando apenas o risco de mercado (Beta). Muitos poderão dizer que essas condições são utópicas, mas aí está a grande vantagem do modelo. Assim como a teoria do movimento em Física com a ausência de atrito ou a teoria de Miller e Modigliani em dividendos, parte-se do modelo mais simples e vai-se incluindo variáveis para aperfeiçoá-lo. O CAPM é intuitivamente fácil de entender.

Retorno exigido ativo = RF + b (RM – RF)

Para investir em um ativo de risco, o investidor desejará, no mínimo, o que paga a renda fixa mais conservadora adicionada de um prêmio proporcional ao tamanho do risco incorrido (percentual da diferença entre o retorno histórico daquele mercado e a renda fixa conservadora).

Ativo livre de risco

A renda fixa da expressão é igual ao ativo livre de risco. Teoricamente, o chamado ativo livre de risco deveria ter três características principais: inexistência de risco de default, ausência de risco de taxa de juros e de risco de reinvestimento. Ao final da análise, o ideal seria usar um título bullet pós-fixado (sem pagamento de cupons intermediários e com a taxa acumulada estabelecida apenas no vencimento). Há, porém, dois problemas. Em primeiro lugar, o Brasil (em 2002) e até os Estados Unidos (em 2009) já apresentaram risco de default da dívida interna. Segundo: com um título pós-fixado, não há uma taxa para descontar o fluxo. Ajustando, então, o CAPM no Brasil, tornou-se hábito usar a NTN-B mais longa como ativo livre de risco, enquanto nos EUA usa-se a Treasury de dez anos.

O Beta representa um coeficiente angular de uma regressão entre o retorno do ativo e o retorno do benchmark. Se você é um investidor local diversificado, o IBX e o Ibovespa são os índices indicados para a regressão. Se você é um investidor mundial diversificado, um índice global deve ser o escolhido para a regressão. Já um investidor setorial deve escolher um benchmark do segmento. Como todos os Betas são imperfeitos por conta de ruídos estatísticos, há formas de ajustá-los, como o uso da teoria do bottom-up Beta.

Já o prêmio de risco constitui-se no parâmetro mais difícil a ser indicado no CAPM. Ele representa o quanto o investidor deseja receber acima do ativo livre de risco para realizar um investimento qualquer (sobretudo os mais arriscados). O prêmio de risco depende de quatro fatores: percepção geral de risco de mercado, tamanho da taxa de juros, hábito de investimento em renda variável (aversão a risco) e quantidade de oportunidades de investimento no mercado. Nos EUA, calcula-se a diferença entre o retorno do S&P e o retorno da renda fixa nos últimos 90 anos e chega-se ao número de 4,7% ao ano. Como não existe precisão em valuation, usa-se 4,5% ao ano, com a alternativa de 4% ao ano em ocasiões de maior apetite ao risco. Já no Brasil, a série histórica de dados é mais restrita e, nos tempos mais recentes, o desempenho da renda fixa foi superior ao do Ibovespa. Portanto, baseado no parâmetro dos EUA, indica-se 5,5% ao ano (com viés de 6% ao ano) para o prêmio de risco brasileiro.

No Brasil, considerando Beta = 1, NTN-B 2055 IPCA (aqui determinada em 4% a.a.) + 4% a.a., teríamos:

Retorno exigido ativo = 8% + 1 x (5,5%) = 13,5% a.a.

Selic de 2% ao ano não é ativo livre de risco

Infelizmente, vemos no mercado alguns absurdos metodológicos na taxa de desconto para o capital próprio, como o uso da taxa Selic de 2% ao ano (!) como ativo livre de risco. Ninguém adota, a longo prazo, a taxa Selic como ativo livre de risco. Outro disparate consiste no uso de prêmios de risco entre 3% e 4% ao ano para fluxos em reais. Se o investidor americano, com taxas de juros estruturalmente mais baixas e hábito de investir em renda variável muito mais arraigados, usa prêmios de risco de 4%, 4,5% ao ano, qual é a lógica de o brasileiro, bombardeado durante anos com um custo de oportunidade altíssimo, utilizar um prêmio de risco mais baixo?

Enfim, a formação da taxa de desconto, apesar de embutir um toque de arte para o analista — há um certo desvio-padrão a ser aceito —, deve evitar inconsistências básicas que o mercado muitas vezes coloca à frente dos investidores, sobretudo aqueles não afeitos à teoria. Até a arte tem seus limites.


*Alexandre Póvoa ([email protected]) é fundador da Valorando Consultoria e autor dos livros “Valuation”, “Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor” 


Notas

¹Estudo demonstrado no livro Valuation, como Precificar Ações, Alexandre Póvoa, Editora Atlas, 2020


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