Desde o início da pandemia, somos bombardeados por notícias sobre o crescente uso da tecnologia. Forçados a permanecer em casa, migramos trabalho, estudo e entretenimento — além dos convívios social e familiar —para o ambiente das redes. Muitos dizem que a covid-19 acelerou, em pelo menos dez anos, a digitalização de setores que faziam vista grossa para a disrupção tecnológica. E, dadas as limitações de acesso à infraestrutura básica de rede e à capacitação mínima da população, esse avanço tecnológico avassalador pode aprofundar, e muito, a triste situação da desigualdade social brasileira.
O ano de 2020 começou com 11,2% de desempregados no Brasil. Em maio, esse número chegou a 12,9%, quase 13 milhões de pessoas sem trabalho. Com a pandemia e a economia mundial em crise, encontrar uma nova posição se mostrou ainda mais difícil, principalmente, em ocupações que têm a capacidade de levar o País a um ciclo de prosperidade inclusivo.
E não se trata de falta de vagas. Elas existem, mas para quem pode se qualificar, para quem tem acesso à infraestrutura básica de conexão — vale lembrar que apenas uma parcela reduzida da população se beneficia de banda larga de qualidade. A covid-19 acentuou lacunas já existentes e tornou mais desafiador reorganizar, de forma digna e justa, um mercado de trabalho cambaleante.
Um exemplo da complexidade desse tema aparece nas enormes filas que se formam por uma vaga, enquanto sobram oportunidades não preenchidas por falta de qualificação. O apagão de mão de obra no Brasil, segundo levantamento da empresa de recrutamento Korn Ferry, chegaria a 1,8 milhão de vagas neste ano; em 2030, haveria 5,7 milhões de vagas ociosas ou com colaboradores sem as competências ideais. Quem ousa arriscar um quadro mais positivo depois dessa avalanche tecnológica?
Com a maior automatização e a migração de negócios e de serviços para o ambiente online — só o governo federal passou a oferecer 150 novos atendimentos pela internet durante a pandemia —, a tendência é de se excluir ainda mais pessoas do novo mercado de trabalho, que requer outros perfis profissionais para a continuidade e a evolução no home–office, no homeschooling, no comércio eletrônico, no desenho de aplicativos, na telemedicina, só para citar alguns segmentos.
Se houver esforço coletivo entre governos e capital privado para reverter esse quadro, podemos desenhar um futuro de mais esperança. Cabe citar a iniciativa da Porto Seguro, que acaba de lançar um fundo de 100 milhões de reais para criar 10 mil vagas, com salários mensais de 1,5 mil reais, e oferecer capacitação e formação para o mercado de seguros. Imagine-se o efeito de ações semelhantes para qualificação de profissionais da saúde, em grande demanda e insuficientes, como ficou claro nesta pandemia.
O Fórum Econômico Mundial se adiantou em apresentar soluções por compreender a gravidade do quadro: lançou, no encontro anual de janeiro passado, a chamada “revolução da requalificação”. A ideia é oferecer, em parceria com diferentes países e empresas, melhores empregos, educação e treinamento para 1 bilhão de pessoas, nos próximos dez anos.
Movimentos em sintonia com as novas demandas do trabalho são bem-vindos, como a revolução dos call centers, mais do que necessária. Há muito se fala em transformar o atendimento num serviço remoto. Não haveria deslocamento, os horários seriam flexíveis e viáveis — o que é especialmente positivo para uma população feminina carente de boas alternativas em relação ao cuidado dos filhos, situação que se agravou com escolas e creches fechadas.
Para expandir oportunidades, os call centers poderiam migrar para o interior do Brasil, para cidades menores. Seria um ganha-ganha imenso, mas que também depende de qualificação tecnológica e infraestrutura de rede. Sem isso, não há como traçar um caminho para a prosperidade que inclui e proporciona melhores condições a todos.
A digitalização da economia é um percurso natural que agora ocorre à força. Como imaginar voltar a oferecer produtos e serviços do jeito antigo? Como retornar aos escritórios depois da adoção em massa do trabalho remoto? O momento é de observação das novas exigências de empregabilidade e de busca de soluções a partir delas. Porque, apesar dos investimentos privados em educação nos últimos anos, especialmente no ensino superior, o desafio para enfrentar este e os cenários futuros continua imenso.
*Luciana Antonini Ribeiro ([email protected]) é sócia-fundadora da EB Capital
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