Os desafios da pós-modernidade
A valiosa contribuição da Filosofia para a necessária mudança de visão dos líderes empresariais
, Os desafios da pós-modernidade, Capital Aberto

Alexandre Fialho | Ilustração: Julia Padula

Depois de ter sentado em cadeiras relevantes, incluindo a presidência de diversas empresas, migrei para desafios na academia e em consultorias. Ocupei a diretoria de uma das principais escolas de negócios do Brasil e as vagas de CEO para a América Latina e de líder global de práticas em duas das principais consultorias de transformação organizacional do mundo. Esse foi o momento em que me deparei com as difíceis tarefas de escutar, acolher e tentar ajudar grandes líderes empresarias diante de seus dilemas.

Percebi, no entanto, que as dificuldades não eram apenas deles: eram minhas, do mundo acadêmico, das consultorias e de suas abordagens e soluções e, de certa maneira, da sociedade em geral. Grande parte do que se apresentava novo de forma tão impactante era reflexo de uma mudança de mundo e, por consequência, de contexto organizacional — a chamada pós-modernidade, ou, como prefiro designar, Terra 21.

Os grandes desafios que se desvelam neste “mundo novo” têm algumas aspectos bem claros. Dentre eles destaco três, muito emblemáticos.

— A tradicional ciência da administração, de origem puritana, não mais dialoga com os desafios organizacionais, tornando necessária uma certa indisciplina, uma desobediência2, uma transgressão. Por isso, recomendo adentrar esse mundo corporativo demasiado pragmático para incorporar à agenda das lideranças, além do tradicional papel de executor, os papéis empresarial e de empreendedor — ou seja, a inovação e a criação.

— A ética que antes estava ancorada na moral e na legalidade passa a ser um grande desafio, saindo de suas tradicionais premissas comportamentais e passando a exigir o constante refletir, além de demandar um desafiador exercício de consciência a todo momento, e em perspectiva.

— Grandes líderes conquistam muitas coisas, como liberdade financeira, status, fama, glória, respeito, relevância social etc. Mas nem sempre essas conquistas trazem consigo a real liberdade e a autêntica felicidade. É necessário que o líder transpasse o tradicional “walk the talk”, as formalidades e o desempenho condicionado, colocando-se de maneira genuína, fluida e fruída para que seja de fato inspirador.


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Para enfrentar o primeiro desafio busquei na Filosofia e na Sociologia conhecimentos que pudessem adentrar o mundo corporativo de maneira ampla e profunda. Especialmente em Nietzsche, tema da minha tese de mestrado, encontrei luzes para conectar o mundo corporativo com os dilemas contemporâneos (Terra 2).

Já para lidar com o segundo, não apenas as mesmas bases filosóficas já citadas me foram muito caras: como usei também estudos sociais acerca dos dilemas pós-modernos (Terra 2) para primeiro verificar o que mudou no mundo para além dos sintomas e dos elementos catalizadores (tecnologias, por exemplo) e depois observar os impactos dessas mudanças nas dinâmicas organizacionais — considerando ética, meritocracia, governança e responsabilidade socioambiental.

O terceiro desafio gera o que mais me emociona ao ver processos de transformação de grandes líderes: o momento em que eles conseguem deixar de representar para existir de forma autêntica (na autenticidade a incoerência e a inconsistência são dados de realidade, bem como uma dimensão do humano, demasiado humano3). Isso confronta fortemente uma expressão simbólica e “fetiche” moralizante nas organizações, o famoso e já citado “walk the talk”. Não tiro o valor simbólico desse alinhamento, apenas sugiro um refletir não moralizante das inerentes incoerências, para um viver mais leve, livre e humano. Nesse modelo, uma mudança de opinião ou de comportamento e uma nova expressão são um caminho sem fim de expansão de consciência.

Buscar o “walk the talk” a priori é procurar uma certa “perfeição”, um alinhamento (expressão igualmente idolatrada nas organizações), o que certamente geraria um refletir julgador e que travaria o liderar mais genuíno. Afinal, a incoerência do falar e do fazer faz parte da fluidez e é um excelente caminho de “evolução”. De pecado pode tornar-se virtude.


Alexandre Fialho ([email protected]) é sócio-fundador da Filosofia Organizacional, conselheiro de diversas empresas, mentor de grandes líderes e professor


Notas 

1 Termo cunhado por um dos maiores pensadores da atualidade, Jorge Forbes, para se referir à tão falada e pouco compreendida pós-modernidade.

2 O Media Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology) recentemente não apenas enalteceu a “indisciplina” como criou há poucos anos o “prêmio de desobediência”, com o lema: “Você não muda o mundo fazendo o que lhe foi dito”.

3 Parafraseando Nietzsche, que tem um livro intitulado Humano, Demasiado Humano.

 

 


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