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Não dá para investir em healthtechs buscando unicórnio
“Vender” a área da saúde como uma próxima moda entre startups é muito errado
Ilustração do colunista Daniel Izzo

*Daniel Izzo é sócio-cofundador da Vox Capital | Ilustração: Julia Padula

“A próxima moda das startups são as healthtechs.” Não sei dizer quantas vezes vi manchetes pobres como essa conduzindo conversas de mercado ao longo deste ano. Foram muitas. A pandemia de covid-19 escancarou os gargalos do sistema de saúde, uma chamada em alto e bom som para empreendedores em busca de oportunidades em mercados gigantescos e analógicos. Com os olhares atentos de gestores, a movimentação de capital foi intensa.

Levantamento do Silicon Valley Bank mostra que os aportes em startups de saúde bateram os 10 bilhões de dólares na Europa e nos Estados Unidos durante os três primeiros trimestres de 2020, ante 8 bilhões de dólares ao longo de todo o ano passado. No Brasil, apenas o acesso a sites de empresas com esse mesmo perfil aumentou 80% até junho, segundo o Distrito Dataminer. Existem hoje cerca de 500 healthtechs no País.

Startups que se propõem a atacar problemas estruturais da sociedade com a ajuda de tecnologia não são exatamente uma novidade. Os maiores mercados, no final do dia, estão onde a população é mal atendida pelo poder público ou forçada a concordar com preços e práticas nem sempre amigas-do-usuário de oligopólios. Quanto maior o mercado, maior o potencial de retorno — disso todo mundo já sabe. O que vejo pouca gente discutindo: o quanto esse prisma, que torna healthtechs empresas “da moda”, é perigoso em um setor no qual as consequências do fail fast vão muito além de um produto sem market fit ou com alto risco de churn (índice de evasão de clientes).

Movidos pelo propósito errado ou por tendências espalhadas irresponsavelmente pelo mercado, investidores podem gerar um impacto negativo que não evapora feito água com um write-off (baixa de um investimento sem perspectiva de retorno).

É uma questão delicada, porque as pessoas já são fragilizadas pelo sistema — sentimos isso na pele nos últimos meses. Os profissionais do SUS fazem milagres para, com recursos escassos, tentar atender 71% dos cerca de 209 milhões de brasileiros que não têm plano de saúde. Apesar de qualquer esforço, o acesso não é garantido. As filas de espera chegavam a dez meses no estado mais rico do País, antes mesmo de a covid-19 desembarcar por aqui. Outro número pré-pandêmico é o de leitos. A quantidade que tínhamos antes dos hospitais temporários (agora sendo desativados) já era insuficiente: a média no mundo é de 3,2 leitos para cada mil habitantes. No Brasil, registrávamos 1,95 para cada mil habitantes em 2019 — uma queda significativa dos 2,23 que havia em 2010, apesar do aumento da população de lá para cá. É um exemplo claro da precarização com que tratamos a saúde. Some-se a isso o fato de que a maior parte dos médicos está concentrada em somente uma região do País.


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Dado esse cenário, é claro que soluções como a telemedicina, o uso de dados, a inteligência artificial, entre outras, podem ser grandes aliadas. Aumentam a capilaridade, geram eficiência, geram qualidade e reduzem os custos da saúde. Mas não podem causar mais transtornos a um setor já deficiente a troco de maiores retornos financeiros.

Há exemplos de healthtechs que merecem ser citados aqui, porque priorizam o que deve ser priorizado: a saúde das pessoas. A WeCancer melhora a qualidade de vida de pacientes oncológicos por todo o País, via telemedicina. Seu serviço monitora e ajuda a prevenir pioras em quadros médicos, reduzindo também custos de internação. A Cuidar.me nasceu para oferecer planos de saúde individuais ou familiares via app, a um preço acessível (a partir de 139 reais) e com uma equipe remota de médicos e especialistas à disposição de usuários. Por meio de análises preditivas, a inteligência artificial Laura permite que clínicas e hospitais identifiquem pacientes em trajetória de risco antecipadamente — uma solução que salva a vida de 12 pessoas por dia e também ajuda instituições a reduzir custos de internação. A NexoData oferece um prontuário eletrônico para médicos cadastrarem pacientes, prescreverem medicamentos e solicitarem exames, dando mais eficiência a profissionais, consultórios e hospitais e reduzindo a chance de erros.

Todas elas têm potencial para se tornarem empresas muito grandes —unicórnios, até. E espero que consigam. Mas essa é uma consequência, não o objetivo. São startups que construíram produtos e serviços para ajudar e salvar pessoas no momento em que elas mais precisam. É uma contagem infinitamente mais importante do que qualquer post-money valuation. O prisma que eu acredito ser mais eficiente em termos de impacto numa área em que impacto está no centro de tudo é um tanto inspirado no juramento de Hipócrates: comprometer-se em não causar danos e sempre colocar a saúde do doente como a primeira preocupação. Não dá para investir em healthtechs com o foco único em criar unicórnios porque não há métrica que represente o valor da vida de ninguém.


*Daniel Izzo ([email protected]) é sócio-cofundador da Vox Capital.


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