O oferecimento do seguro de responsabilidade civil pelas grandes empresas aos seus administradores, com foco principalmente em diretores estatutários e conselheiros de administração, comumente conhecido como seguro D&O, vem ganhando força nos últimos anos. De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), só em 2018 as 20 maiores companhias abertas do Brasil —com valores de mercado que vão de 26 bilhões de reais a 300 bilhões de reais —, como AmBev, Vale, Santander, Braskem e B3, contrataram esse seguro.
A modalidade obedece à regulamentação da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e tem suas regras estabelecidas na Circular Susep nº 553, de 23 de maio de 2017. Esse seguro tem por objetivo proteger o patrimônio pessoal dos administradores, que podem ser responsabilizados pelos prejuízos causados às companhias ou a terceiros em decorrência de atos por eles praticados no exercício de suas funções — ainda que não estejam mais em seus respectivos cargos.
O D&O pode, ainda, ser estendido às pessoas que tenham assessorado, que assessorem e/ou venham a assessorar os administradores, como chefes das unidades de negócios, advogados, consultores, contadores, entre outros. Há também a possibilidade de cobertura de defesa do patrimônio de cônjuge ou companheiro(a) dos segurados, herdeiros, representantes legais e/ou espólio de segurados que venham a falecer.
O seguro pode ser contratado pela própria pessoa física (ou seja, diretamente pelos administradores) ou, como geralmente acontece, pela pessoa jurídica — aqui compreendida como a empresa na qual os administradores exercem suas funções. Quanto aos segurados, enquadram-se nessa definição as pessoas físicas que contratam o seguro diretamente e as que são beneficiadas pela contratação do seguro pela pessoa jurídica (tomadoras).
Muitos podem questionar os benefícios do oferecimento do seguro D&O em meio a uma crise sem precedentes, como é o caso da pandemia de covid-19. Não é desarrazoado imaginar que o seguro poderia estimular os administradores a atuar sem a devida cautela, assumindo riscos demasiados, justamente em um momento de grande impacto não apenas para as empresas, como também para todos os seus stakeholders (empregados, fornecedores, clientes, bancos etc.). É o denominado risco moral (moral hazard) no jargão econômico e que é inerente aos — e particularmente acentuado nos — seguros de responsabilidade civil em geral.
No entanto, é importante lembrar que o seguro D&O surgiu justamente em situação de crise, com a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929, um dos motivos que desencadearam a Grande Depressão Econômica dos anos 1930. Sua criação contribuiu para que acionistas e investidores de diversos lugares do mundo, que sofreram grande prejuízo financeiro com investimentos realizados e quebra de suas empresas, buscassem formas de ressarcimento, inclusive mediante o ajuizamento de ações contra as empresas e seus administradores.
A atual crise decorrente da pandemia, sem precedentes recentes em nossa história, obriga os administradores a atuar de maneira ágil e intensa, tendo que avaliar diversos cenários e adotar uma série de medidas de grande impacto —reduções de jornadas, prorrogações de pagamentos de impostos, suspensão de contratos de trabalho, revisão do planejamento estratégico — e diante de informação, premência de tempo e incertezas jurídicas em relação à forma de interpretação das novas normas, leis e regulamentos que foram e vêm sendo editados — e que, não raro, têm sido questionados no Judiciário.
Portanto, é exatamente em tempos como esse que as empresas devem oferecer e até ampliar a oferta desse seguro, protegendo o bom administrador e tolerando o erro honesto. Importante ter em mente que o seguro D&O não cobre o mau administrador, o administrador negligente, aquele que causa danos a terceiros em consequência de atos ilícitos ou atua além dos limites estabelecidos pelas empresas. Também não há cobertura quando resta comprovado abuso de poder. O escopo do seguro protege os administradores diligentes, que cumprem com seus deveres fiduciários, atuam com boa-fé, sem conflito de interesses, de forma leal e no melhor interesse das empresas.
Ao beneficiar os administradores que atuam de boa-fé e no melhor interesse das empresas, que contarão com proteção a seus patrimônios pessoais, o D&O beneficia também as empresas e o mercado em geral. Isso porque a oferta do seguro pode ser vista como um estímulo à assunção saudável de riscos por parte dos administradores, com a consequente atração de talentos decisivos para o futuro das empresas, manutenção desses em seus cargos e, consequentemente, maior investimento de investidores e acionistas
Assim, pode-se concluir que a oferta do seguro D&O, há muito tempo considerada como um importante fator de atração de bons profissionais para a administração de empresas, assume cada vez mais status de ferramenta efetiva para a garantia de continuidade das atividades empresariais em momentos delicados. Os administradores são, na prática, os maiores responsáveis pela condução dos negócios. Mediante oferta do seguro D&O, as empresas criam condições mais adequadas e propiciam ambiente de maior confiança para a tomada de decisões estratégicas e relevantes para a definição dos rumos das empresas e persecução de resultados lucrativos.
*Beatrice Blanchet ([email protected]) é advogada de Societário e M&A no Veirano Advogados
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