Quem de fato controla a BR Distribuidora?
Modelo de venda de participação da Petrobras na empresa gera insegurança jurídica para os demais acionistas
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*Carolina Fidalgo | Ilustração: Julia Padula

A recente venda de cerca de 30% do capital da BR Distribuidora pela Petrobras criou uma situação no mínimo inusitada: a empresa deixou de estar sob a administração pública federal sem que a petroleira perdesse seu papel de controladora. A alienação foi feita de forma pulverizada, por meio de leilão na bolsa de valores, e a Petrobras manteve o posto de principal acionista da BR, com cerca de 37% do capital.

Ocorre que a fatia remanescente pode bastar, à luz do artigo 116 da Lei das S.As., para que a estatal exerça o controle minoritário da sua antiga subsidiária, sendo titular de direitos de sócio que lhe asseguram a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder para eleger a maioria dos administradores da companhia. A Petrobras também tem meios para usar seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Assim configura-se o cenário inusitado: formalmente, a BR não é mais uma estatal conforme define o artigo 4º da Lei 13.303/16; deixa, portanto, de estar submetida a controles como a necessidade de promover licitações e concursos públicos. Apesar disso, ainda pode ter, em alguma medida, sua atuação influenciada pela vontade do sócio estatal e, no limite, pelas políticas do Poder Executivo.

Uma situação como essa não só viola os propósitos da privatização; também — e, talvez, mais importante — pode levar o processo de desestatização a ser questionado sob os argumentos de “fuga para o direito privado” ou de controle materialmente estatal de uma empresa formalmente privada, hipótese que, aliás, já ensejou discussões no Tribunal de Contas da União (TCU).

Vale citar o caso do Projeto Gasene, que envolvia uma sociedade de propósito específico (SPE) em que a Petrobras tinha participação: o TCU chamou a atenção para o fato de que essa SPE “de fato, era controlada pela Petrobras, buscando, com isso, não apenas a execução estruturada do projeto (…), mas também fugir do certame licitatório e do controle externo financeiro exercido pelo TCU”. Em outro episódio, no acórdão que teve por objeto a fiscalização da atuação das estatais integrantes da SPE Norte Energia S.A. em relação a investimentos e contratos de execução da usina de Belo Monte, o TCU entendeu que “há possibilidade, contudo, de que algumas dessas sociedades estejam de fato sob o controle do Estado, numa modelagem societária artificializada para afastar a aplicação de direitos e normas do regime de direito público e todas consequências advindas (…), trazendo sérios riscos ao erário ante a não consideração dos mecanismos de governança pública exigidos pela Constituição”.


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Em acórdão mais recente, referente ao processo de aquisição de 22% das participações acionárias da CPM Braxis Capgemini S.A. pela Caixa Participações S.A., o TCU foi categórico: “A participação de empresa estatal no bloco de controle de empresa privada da qual é acionista minoritária, mediante celebração de acordo com o acionista majoritário, conferindo à estatal parcela de controle compartilhado, não a torna controladora da empresa participada, devendo esta concorrer nas licitações em condições de igualdade com as demais empresas do setor privado”. Note-se que, nesse caso, a participação da Caixa era inferior àquela que a Petrobras atualmente detém na BR (37%).

Em pelo menos duas oportunidades o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, independentemente de autorização legal, sociedades controladas pelo Estado se enquadravam no conceito de sociedades de economia mista, inclusive para efeito de acumulação de cargos e fiscalização pelo Tribunal de Contas.

O primeiro caso versava sobre a possibilidade de fiscalização, pelo TCU, de ato de promoção de pessoal realizado pela Eletrosul, controlada pela Eletrobras, mas que não havia sido autorizado por lei. Já o segundo tratava da demissão de um empregado por acumulação indevida de cargos públicos, o que só ocorreu em virtude de se ter considerado que um dos hospitais no qual ele trabalhava integrava a administração indireta, mesmo não tendo sido a sua criação autorizada por lei.

Assim, independentemente de a Petrobras não deter, atualmente, mais de 50% das ações com direito a voto da BR Distribuidora, o cenário pode suscitar questionamentos sobre seu efetivo papel na condução das atividades da companhia — e, consequentemente, sobre o regime jurídico dessa sociedade, na linha das decisões do TCU e STF anteriormente mencionadas.

Nesse contexto, a Petrobras deve evitar a adoção de qualquer tipo de ação que possa configurar exercício de poder de gestão na BR Distribuidora (ou gerar suspeitas nesse sentido), e de forma permanente. Dessa maneira pode contornar eventual configuração de insegurança jurídica em torno de futuras operações da BR e, com isso, evitar prejuízos que poderiam recair sobre os novos acionistas em função de processos no TCU e em outros tribunais.


*Carolina Fidalgo ([email protected]) é sócia do escritório Rennó, Penteado, Reis & Sampaio Advogados


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