O perigo das ofertas hostis a controladores que não têm o controle
Episódio da disputa pela AES Tietê evidenciou situações de poder de decisão dos preferencialistas
O perigo das ofertas hostis a controladores que não têm o control

*Rosinei Silvestre Libano | Ilustração: Julia Padula

A disputa pelo controle da AES Tietê acabou no último mês de julho. A BNDESPar optou pela oferta de compra de parte de suas ações detidas da AES Tietê feita pela AES Holdings Brasil (AES Holdings), controladora da AES Tietê.

Certamente, a AES Holdings viveu algumas noites tormentosas com o perigo de perder o controle e acabar como minoritária de um excelente ativo de que era controladora: a AES Tietê.

Esse caso é emblemático e serve de alerta aos acionistas de empresas que têm a maior participação numa empresa ou que as controlam — e que, no entanto, acabam, sem perceber, deixando algumas decisões fundamentais nas mãos de outros acionistas.

Numa primeira análise, esse tipo de discussão pareceria impossível. Vejamos alguns dados desse caso concreto:

— a AES Tietê tinha um acionista controlador, a AES Holdings, com 61,61% das ações ordinárias;

— a AES Holdings detinha também 0,13% das ações preferenciais e 24,35% do capital total;

— a AES Tietê é uma empresa bem gerida e que tem histórico de pagamento, nos últimos anos, de ótimos dividendos a seus acionistas, controladores e minoritários.

A AES Tietê está listada no Nível 2 de governança corporativa da B3 e tudo corria tranquilamente. Até que a Eneva identificou um excelente ativo no mercado, cujo controle poderia ser adquirido — sendo os acionistas preferencialistas (quem diria?…) o fiel da balança. Isso porque a incorporação da AES Tietê proposta pela Eneva na tomada do seu controle deveria ser aprovada também pelos acionistas preferencialistas, e colocava em xeque o poder de controle da AES Holdings.

O direito de voto dos acionistas preferencialistas está previsto no item 4.1. do regulamento do Nível 2 da B3: “As Companhias detentoras de padrão de governança corporativa Nível 2 (“Companhias do Nível 2) devem observar as seguintes exigências: […] (v) se tiverem emitido ações preferenciais, conferir direito de voto a essa espécie de ações, no mínimo, nas seguintes matérias: (a) transformação, incorporação, fusão ou cisão da Companhia;”.

E o próprio estatuto social da AES Tietê, por ter aderido ao Nível 2 de governança corporativa da B3, previa que a oferta da Eneva deveria ser deliberada pelos acionistas da AES Tietê (não cabendo a decisão ao conselho de administração). Diz o artigo 5º, § 11º: “Cada ação preferencial escritural confere ao seu titular o direito a voto restrito, exclusivamente nas seguintes matérias: (i) transformação, incorporação, fusão ou cisão da Companhia;”.

A AES Holdings foi contrária à proposta da Eneva e posicionou-se no sentido de que questionaria, mediante arbitragem, a operação de incorporação proposta. Questionaria sua perda de controle caso a operação fosse levada à deliberação em assembleia dos acionistas da AES Tietê e fosse voto vencido, perdendo o controle da empresa.

Diante do posicionamento da AES Holdings, a Eneva recuou e retirou sua proposta inicial. E, na sequência, fez outra oferta. A AES Holdings, então, fez proposta de compra de ações à BNDESPar em quantidade suficiente para ratificar, de fato, seu controle, passando a deter uma quantidade suficiente de ações que impede que outros acionistas tomem a decisão à margem de sua posição.

A BNDESPar, ao final, optou pela oferta da AES Holdings, mesmo diante de uma nova oferta da Eneva com suposto melhor preço. Terá tido sorte a AES Holdings?

Certamente, teve competência e aproveitou a oportunidade.

Agora as noites da controladora da AES Tietê devem ser mais serenas.

O caso é simbólico e serve de alerta, não só para outras empresas que estão no Nível 2 de governança corporativa da B3. Muitas vezes, o estatuto social e o próprio acordo de acionistas asseguram a determinados acionistas direitos de decisão de tal forma que muitos grandes investidores, apesar de serem os maiores investidores de uma empresa em termos de participação individual não são, de fato, os controladores. Além disso, frequentemente esses investidores são pegos de surpresa por não conseguirem impedir determinados passos de outros grupos de interesse.

É claro que cada caso é um caso a ser analisado e negociado, de forma consciente, para atender aos interesses das partes.

Nesses tempos de consolidação de mercado (e oportunidades) vale, mais do que nunca, um exercício de avaliação se o investidor (controlador) não está sujeito a receber uma oferta desse tipo, hostil, com seus consequentes dissabores.


*Rosinei Silvestre Libano ([email protected]) é sócia do Fleichman Advogados


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