Poucas décadas atrás, quando os sapatos eram feitos exclusivamente de couro, havia uma solução barata improvisada pelos sapateiros para solados gastos. Substituía-se apenas a porção mais usada: era a chamada meia-sola, que terminou por se transformar em sinônimo de serviço porco, mal feito, incompleto, sem capricho.
Li em O Globo que a chamada Lei de Responsabilidade das Estatais está enfrentando resistências de políticos, sindicatos e entidades diversas. Isso levaria a vetos do presidente da República, após acordos com o Congresso.
Ora, antes de qualquer outra consideração, é fundamental entender que a dita lei nada mais é do que uma meia-sola. Trata-se de dar nova roupagem e, consequentemente, sobrevida a um tipo de negócio que há muito deveria ter sido extinto no Brasil: aquele de iniciativa e comando estatais.
A Operação Lava Jato e suas congêneres — que têm proliferado País afora — apenas demonstram que empresas estatais constituem meros biombos para as mais torpes traficâncias de políticos e funcionários inescrupulosos. Pior ainda quando elas têm capital misto e captam recursos no mercado, iludindo a boa-fé dos investidores.
Mesmo assim, diversas atividades ainda progridem e tentam avançar mais em suas manobras. Há alguns dias a Infraero noticiava a abertura de capital de uma subsidiária que englobaria a ponte-aérea Rio-São Paulo, mantendo o controle acionário da operação. Mais uma autêntica meia-sola, destinada a remendar com verniz de modernidade um tipo de gestão que está virtualmente falido: a administração estatal de empreendimentos econômicos.
Não se encontra o mesmo padrão de despudor na iniciativa privada que lida exclusivamente com o público consumidor. Quando ocorrem escândalos no setor privado, eles envolvem alguma relação com o poder público — este sim, sempre o ente corrompido.
Para extinguir a corrupção e poder progredir, o Brasil está diante de uma alternativa única: privatizar ou privatizar. Chega de meias-solas.
*Ney Carvalho ([email protected]) é historiador e colunista da CAPITAL ABERTO
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