
*Diego Gonçalves Coelho | Ilustração: Julia Padula
O mercado de crédito privado, bastante vinculado ao cenário econômico, não escapou dos efeitos negativos da disseminação do novo coronavírus. Antes do início da pandemia, o segmento vivia um momento promissor, sendo inclusive alternativa para empresas refinanciarem passivos ou aumentarem capital giro. Agora a situação é incerta, principalmente em virtude da falta de liquidez no mercado secundário e do prejuízo às emissões de dívidas de grandes volumes no mercado primário.
Um movimento que já era observado antes da pandemia de covid-19 e que está se consolidando envolve as ofertas de CRIs (certificados de recebíveis imobiliários) e CRAs (certificados de recebíveis do agronegócio) de até 100 milhões de reais, operações em que a participação de instituição financeira como intermediária pode ser dispensada. Nesses casos, as próprias companhias securitizadoras podem assumir a distribuição dos ativos, desde que atendidos determinados requisitos. A vantagem para os tomadores de recursos é a configuração de custos de captação potencialmente mais atrativos. Afinal, há um intermediário a menos no processo.
Dados de 2001 já indicavam que a reputação da ofertante afetava os valores devidos aos intermediadores, podendo ser arbitrados entre 3% e 4% do valor da oferta pública para empresas de melhor reputação. Para empresas menos conhecidas no mercado, o custo poderia chegar a 10% do montante da oferta¹. Ou seja, um gasto exorbitante, ainda mais em períodos de dificuldades financeiras.
A distribuição direta de CRIs e CRAs por companhias securitizadoras é um antigo pleito, que se tornou possível com a Instrução 600/18, norma da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para as ofertas públicas de CRAs, e a Instrução 603/18, que modificou a Instrução 414/04 para oferta pública de CRIs.
Conforme a regulação, as seguintes exigências devem ser atendidas pela companhia securitizadora: distribuição realizada pela própria companhia securitizadora; observação às normas de política de conheça seu cliente (KYC), nos termos da Instrução 301/99; verificação da adequação dos produtos ao perfil do cliente, conforme política de suitability, nos termos da Instrução 539/13; observação da política de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, nos termos da Instrução 301/99; e nomeação de diretor responsável pelo cumprimento das normas.
Outra observação: a securitizadora não pode contratar agentes autônomos para distribuir os CRIs ou os CRAs objetos de dispensa de participação de instituição intermediária, exceto se esta for instituição financeira autorizada a funcionar pelo Banco Central. A intenção da CVM foi limitar as ofertas a um público–alvo mais restrito.
Assim, as companhias securitizadoras passam a ter atuação de protagonista nas operações. Mas vale lembrar que para operações maiores e voltadas ao varejo, principalmente as destinadas a investidores pessoas físicas, as instituições intermediárias continuam relevantes para o sucesso na colocação dos valores mobiliários. É comum, inclusive, a realização de ofertas sindicalizadas, com a participação de diversas instituições financeiras de forma conjunta.
Diante do atual cenário de crise, as operações de CRIs e CRAs com distribuição direta pelas securitizadoras estão se mostrando alternativas de captação competitivas para empresas dos setores imobiliário e do agronegócio, o que reforça o posicionamento acertado da CVM de estimular a desintermediação financeira para captações de menor volume financeiro.
*Diego Gonçalves Coelho (diego@adv-coelho.com.br) é sócio do Coelho Advogados e mestre em Direito comercial pela USP
Notas
¹CEREZETTI, Sheila C. Neder. “Regulação do mercado de capitais e desenvolvimento”. In: SALOMÃO FILHO, Calixto (org.). Regulação e desenvolvimento: novos temas. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 226.
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Tags: CVM captação de recursos Securitização CRI CRA Coronavírus Encontrou algum erro? Envie um e-mail
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