Robert Monks, um dos pais do que nos Estados Unidos se costumou chamar de ativismo societário (shareholder activism), mencionou, em certa oportunidade, que a base do capitalismo democrático estava sendo fortemente atacada por dentro de suas próprias estruturas. E essa ofensiva seria proveniente de uma série de fatores e agentes, resumida em parte do título de uma de suas obras: investidores passivos e a captura do sonho americano.
Migrando para a realidade nacional: é fato que o brasileiro nunca “sonhou” com a bolsa de valores ou mesmo com o próprio capitalismo. Nossa sociedade aplaude os benefícios do trabalho, mas demoniza o empresário, e mantém certo preconceito — religioso, estrutural e moral — com o lucro.
É possível dizer que o perfil de investidor do brasileiro é passivo. A explicação para essa característica talvez resida no fato de termos assimilado a ideia de que o investimento em bolsa é essencialmente de risco. E, numa leitura extensiva muito imprópria e mesmo errônea, por força do risco acabamos admitindo condutas lesivas ao interesse dos acionistas, que deveriam ser refutadas e, eventualmente, indenizadas.
Assim, após aportar os valores — muitas vezes resultantes de uma vida inteira de restrições e escolhas difíceis — o investidor brasileiro tende a não observar atentamente o que ocorre no dia a dia da empresa investida. Assembleias dos acionistas ficam desertas, exceto por alguns qualificados e pelas estruturas de controle.
Note-se que mesmo os grandes investidores institucionais não lograram, em terras brasileiras, qualquer desempenho que possa se assemelhar ao ativismo que se processa no Estados Unidos. Se a natureza humana é a mesma, e a tendência às fraudes, à corrupção e à geração de danos é equivalente, o Brasil ainda carece de uma prática ativista que conserve o sonho do investimento no mercado de capitais.
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Essa passividade tropical está descrita no recém-publicado “Review of Shareholder Activism”, publicado pela Harvard Law School Forum. O Brasil, numa indústria global de cerca de 65 bilhões de dólares, figura apenas com três casos de ativismo societário no ano de 2018. Mas penso que ainda há tempo para mudança.
Existe um risco inerente à volatilidade da renda variável, próprio do mercado, e o brasileiro aprenderá a lidar com ele como opção aos juros baixos das aplicações que, até aqui, nortearam sua capacidade de poupança e de investimento. Já o risco indevido — proveniente de toda a sorte de má-gestão, corrupção e conflitos entre os controladores e o interesse coletivo dos acionistas — deverá ser prevenido por medidas de governança e ressarcido por mecanismos próprios.
Acredito que isso vai acontecer porque agora os fundos de pensão assumirão com mais clareza o papel que lhes é reservado: o de prover, para muitos, o sustento na aposentadoria. O cenário vai despertar os acionistas minoritários, que precisarão, além de meramente aportar valores, zelar por seus próprios investimentos. As redes sociais podem vir a facilitar esse trabalho.
Existem novidades promissoras que catalisam o processo de mudança de visão e de atitudes dos acionistas não controladores. Na perspectiva de prevenção e, igualmente, de ressarcimento, a Instrução 607/19 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) qualifica como atenuantes de certas imputações a reparação prévia do dano causado. A Câmara de Arbitragem do Mercado, por sua vez, para além das demandas relevantes que já processa (leia-se Petrobras e Vale, lesadoras de milhares) deve ter seu emprego ampliado, para ser capaz de restituir quem, no mercado de capitais, for indevidamente lesado.
Surgem, ainda, as iniciativas oriundas do artigo 246 da Lei das S.As. Um dispositivo que também hibernava no leito dos investidores passivos e que foi “acordado”, pelo menos contra algumas grandes companhias. Trata-se da valorização da iniciativa de qualquer acionista que, percebendo inércia da controlada em promover a restituição de prejuízos promovidos pela controladora, pode promovê-lo, com benefícios amplos, via pagamento de prêmio calculado no montante do dano.
Essas iniciativas aproximam o Brasil do que Monks chamou de “dever cívico” com o capitalismo democrático. Em suma, zelar pelo próprio investimento e pela regularidade do mercado de capitais consiste, em última instância, na promoção de mais empregos, oportunidades e melhores condições para o Estado arrecadar tributos. Nada, portanto, mais cívico.
*Eduardo Silva da Silva ([email protected]) é sócio do Escritório DRO (Dispute Resolution Office)
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