Desde o início da pandemia de covid-19 muito se tem discutido sobre as práticas adotadas pelas companhias para enfrentar a crise. Nesses debates, duas constatações são praticamente unânimes: as companhias mais bem preparadas em termos de governança corporativa têm sofrido menos; ninguém — nem regulador, nem agentes de mercado — seria capaz de prever todos os desafios a serem enfrentados em razão da inesperada e repentina disseminação do novo coronavírus.
No campo político, um país já chegou a ficar por alguns dias sem seu líder, acometido pela doença. Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, passou uma semana internado, alguns dias em terapia intensiva. Depois de ter alta, ainda precisou de algum tempo para se recuperar completamente, período em que deixou o governo a cargo do ministro das relações exteriores, Dominic Raab.
No mundo corporativo, no entanto, a linha sucessória tende a não ser tão clara. É provável que uma empresa não esteja preparada para de repente perder seus principais executivos e talentos — e esses eventuais afastamentos podem provocar um prejuízo bastante significativo.
Em outubro de 2019, o artigo “Why the Best CEOs Are Already Thinking About Their Exits”, publicado pela Harvard Business Review, apresentou alguns dados bastante surpreendentes. Um deles foi o resultado de uma pesquisa conduzida por Nat Stoddard e Claire Wyckoff, que estimou que o custo da saída desastrosa de um CEO poderia variar entre 12 milhões e 50 milhões de dólares, a depender do tamanho da companhia. Além dos ônus diretos, é possível vislumbrar outros, não mensuráveis: alteração da dinâmica da equipe, tanto para as discussões quanto para a tomada de decisão, e dificuldade de previsão do período de adaptação do novo time.
Ganha força, assim, a primeira afirmação que reproduzimos na abertura deste artigo: as companhias que já adotam as melhores práticas de governança corporativa e que, dentre elas, já contam com um plano de sucessão bem desenhado, podem sofrer bem menos com a saída de um executivo.
A transição já não é fácil quando se trata de uma saída voluntária, de uma aposentadoria, por exemplo: os administradores acham difícil abandonar seus cargos e postergam sua saída. Mais complexo, então, o caso em que a saída é repentina em razão de uma doença ou de uma suspeita de contaminação, que necessariamente demanda uma quarentena. Nesse ponto vale a segunda afirmação: não é possível ter todas as respostas.
Esse cenário evidencia a importância de um bom plano sucessório — que, se já era essencial em um cenário pré-pandemia, vem sendo cada vez mais reconhecido. E, para a construção desses planos, alguns aspectos merecem atenção.
Em primeiro lugar, o conselho de administração, como preconizado pelo Código Brasileiro de Governança Corporativa (CBGC), deve se envolver na elaboração e no acompanhamento do plano de sucessão. Vale lembrar que o papel do conselho vem mudando. Ele passa a discutir mais questões relacionadas ao elemento humano e a ter maior interação com a gestão da companhia, sempre respeitando a autonomia dos executivos e o plano estratégico aprovado pelo órgão colegiado.
O segundo ponto — que vai além do previsto no CBGC — é que a abrangência do plano de sucessão deve abarcar não só a identificação de potenciais sucessores para o CEO, mas também para outros cargos-chave e para talentos da companhia.
Nesse aspecto ganha relevo outro documento, a política de indicação, prevista no CBGC e também no regulamento do Novo Mercado da B3, que caminha em paralelo com o plano de sucessão, ainda que tenha características próprias. Ao tratar dos requisitos para a indicação de administradores — e, por consequência, da sucessão do conselho de administração —, o documento é capaz de endereçar os novos desafios decorrentes do cenário de pandemia. Isso porque a renovação do órgão colegiado e a diversidade, não só de gênero, se mostra essencial para o enfrentamento das novas discussões e a construção de alternativas para a saída da crise de forma criativa e transformadora.
Por fim, o plano de sucessão não deve se restringir à saída de executivos e pessoas-chave. Ele deve abordar a retenção de talentos, em todos os níveis da organização, e reconhecer sua atuação diferenciada nos períodos mais críticos enfrentados pela companhia. Preservar talentos é ainda mais fundamental no processo de retomada, assim como garantir uma cultura que permita o crescimento e desenvolvimento de pessoas que se destacam na empresa.
O plano de sucessão é tão relevante que tem um ponto de contato com aspectos de gestão de risco — muitas companhias, não por acaso, colocam a saída dos principais executivos ou de talentos como um dos fatores de risco. Assim, uma vez que esse risco seja identificado, resta avaliá-lo, tratá-lo e monitorá-lo, e um plano de sucessão é uma excelente ferramenta de mitigação.
Passada a pandemia, certamente haverá uma nova realidade, nos negócios e na sociedade. O reforço na adoção de critérios de competência e uma cultura de muita interação e colaboração, tanto no nível executivo quanto no âmbito do conselho, são fundamentais para que se estruturem novas respostas e novos modelos de negócio e de operação.
*Maiara Madureira ([email protected]) é associada da área de companhias abertas do escritório Lobo de Rizzo. Coautoria de Leila Abraham Loria ([email protected]), conselheira de administração.
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