Nas finanças, impact investing (investimento de impacto) é uma expressão da moda — em inglês mesmo, para se adequar ao vocabulário cheio de palavras anglófonas característico de quem trabalha no setor. Refere-se ao investimento que, além de gerar retornos econômicos, tem efeitos sociais e/ou ambientais positivos, mensuráveis e intencionais. O investimento de impacto, no entanto, sempre foi tratado pelos investidores como secundário. Até agora.
Antes de tudo, é importante ressaltar a característica de retorno econômico, que o diferencia da filantropia, baseada na doação. Também é distinto do investimento responsável, que considera padrões ambientais, sociais e de governança (ESG), assegurando que as empresas investidas cumpram boas práticas nesse sentido, mas não sem garantia de impactos social e/ou ambientais diretos e intencionais.
Assim, agregar o “impacto” ao investimento é possível por meio das diferentes classes de ativos (renda fixa, renda variável, private equity, entre outras) — ainda que não haja fixação do nível de retorno econômico esperado, cabendo ao investidor balancear o que espera entre ganhos financeiros e impacto socioambiental. Ao fim de 2018, estimava-se um mercado de investimento de impacto de 502 bilhões de dólares em ativos¹.
Na América Latina há bons exemplos do crescimento desse tipo de investimento, especialmente em microfinanças e investimento em pequenos produtores rurais. Por enquanto são poucas as instituições que se dedicam ao investimento de impacto e a disponibilidade de capital é escassa². Pelo lado dos investimentos responsáveis, os resultados são mais expressivos. Os títulos sustentáveis (papéis de dívida tradicionais cujos projetos financiados têm impacto ambiental e/ou social) em 2019 já somavam 13,6 bilhões de dólares na região, sendo 41% no Brasil³. Há, inclusive, duas emissões soberanas, ambas do Chile.
A região conta, ainda, com cerca de 60 investidores institucionais signatários dos Princípios de Investimento Responsável (PRI), a maior iniciativa global do tipo, juntando outros bilhões de ativos sob estratégias de investimento de impacto. Finalmente, a América Latina tem avançado em regulações que exigem compromissos de instituições financeiras, como bancos e fundos de pensão, na gestão sustentável de seus recursos.
Mesmo assim, a região está muito atrás dos principais mercados em termos de investimento de impacto: concentra apenas 4% dos ativos, perdendo não somente dos Estados Unidos (58%) e da Europa (21%), mas também de outro mercado emergente, a África (6%)⁴. É claro que o grau de desenvolvimento dos países e a maturidade de seus respectivos mercados financeiros torna a comparação complicada, mas ela mostra que a América Latina, uma das mais assoladas por problemas sociais e ambientais, precisa avançar na alocação de recursos para impactar esses temas de modo mais efetivo. Apesar disso, o desafio não é só latino: considerando o valor de ativos sob práticas de investimento de impacto, incluindo os mercados mais avançados, eles representam apenas 0,7% dos 74,3 trilhões de ativos de investimento no mundo⁵.
O avanço não deve se dar apenas em termos quantitativos, mas qualitativos. Reguladores financeiros têm sido cada vez mais exigentes em seus requerimentos para sustentabilidade, demandando ações práticas e não se contentando com políticas de investimento vagas e pouco aplicadas. Até iniciativas voluntárias vêm apertando suas exigências de medição e reporte para garantir que seus signatários não fiquem apenas no discurso ou focando em ações de efeitos marginais.
Por fim, a sociedade está cobrando mais “adicionalidade” dos investidores: não apenas colocar uma “etiqueta” de que certo investimento feito pela instituição — e que ocorreria em qualquer circunstância — gera novos efeitos socioambientais positivos. Espera-se que o investidor busque e foque cada vez mais em investimentos novos e que geram efeitos socioambientais positivos necessários e que não vinham sendo feitos anteriormente.
O novo cenário que temos diante de nós pode servir de catalisador para os investimentos de impacto. Tanto por oportunidade quanto por necessidade. É importante frisar que a pandemia do novo coronavírus não é uma crise isolada e que seus impactos podem dar uma ideia da dimensão da crise climática que se aprofunda. Na verdade, o aparecimento e disseminação de doenças infecciosas de modo cada vez mais frequente e intenso já é uma das situações com que devemos nos deparar de modo recorrente com a crise do clima, junto com eventos extremos, escassez de água e comida, entre outras calamidades.
Nesse sentido, precisaremos de mais recursos destinados a mitigar as mudanças climáticas, como o investimento em energia renovável e eficiência energética para menos emissões de gases de efeito estufa. Também teremos que nos adaptar a seus efeitos, pelo investimento em habitação e em infraestrutura mais resiliente, especialmente para pessoas em situação mais vulnerável. Mais que isso: investidores sofrerão pressões regulatórias e sociais para que ampliem sua contribuição para o desenvolvimento sustentável. Espera-se igualmente que o mercado recompense cada vez mais esse tipo de investimento.
O impact investing deve deixar de ser uma moda para converter-se em uma estratégia primordial de investidores individuais e institucionais. Mas, para isso, deve haver mais que uma mudança de mindset (mentalidade) para aproveitar essa low-hanging fruit (oportunidade imediata). É preciso compreender que já estamos vivendo o turning point (momento de mudança) para uma economia mais sustentável e necessitamos de um action plan (plano de ação) de longo prazo.
*Fred Seifert ([email protected]) é chefe de Operações para América Latina e Caribe da SITAWI Finanças do Bem. O artigo reflete suas opiniões pessoais.
Notas
¹GIIN, 2019. https://thegiin.org/research/publication/impinv-survey-2019
²ANDE, 2018. https://lavca.org/impact-investing-rep/panorama-do-setor-de-investimento-de-impacto-na-america-latina-2016-2017/
³CBI, 2019. https://www.climatebonds.net/2019/09/latin-america-caribbean-green-finance-huge-potential-across-region
⁴GIIN, 2019. https://thegiin.org/research/publication/impinv-survey-2019
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