Os desafios impostos pelo fim da Libor
Taxa que serve de referência para 350 trilhões de dólares em contratos deve ser substituída pela SOFR até o final de 2021
, Os desafios impostos pelo fim da Libor, Capital Aberto

Gregory Harrington | Ilustração: Julia Padula

Taxa de juros que serve de referência para uma enormidade de 350 trilhões de dólares em contratos financeiros no mundo, a Libor (London interbank offered rate) deve ser desativada até o final de 2021. O motivo é a preocupação dos reguladores quanto à confiabilidade da taxa. Em busca de opções mais seguras para a substituição, o Alternative Reference Rates Committee (ARRC), grupo de trabalho organizado pelo Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos), escolheu a SOFR (secured overnight financing rate) como a nova taxa referencial para operações com títulos e para empréstimos denominados em dólar. Para outras moedas e outros mercados estão sendo desenvolvidas taxas alternativas.

A transição da Libor para a SOFR até 2021 apresenta vários desafios. Primeiro: enquanto a Libor vale para vários períodos de contagem de juros (três meses, seis meses e outros intervalos), sua substituta hoje só está disponível como uma taxa overnight. O mercado está estruturando curvas de SOFR para períodos prospectivos, mas levará tempo até que o mercado as adote.

Em segundo lugar, a Libor é geralmente mais alta, por ser uma taxa de empréstimo interbancário sem garantia — a SOFR é baseada em operações garantidas por títulos do Tesouro dos EUA (os repos). Como resultado, a simples mudança de Libor para SOFR num contrato de empréstimo, sem nenhum outro ajuste, diminuiria os juros que o credor receberia — e que o mutuário pagaria. Portanto, qualquer cláusula de juros que contemple a futura transição da Libor para a SOFR deve envolver um ajuste ascendente no spread comercial na hora do aditamento do contrato, para se assegurar que os níveis de taxa pré e pós-alteração sejam compatíveis.

Mas o maior desafio está nos contratos já existentes que vencem após a data de transição. Nesse caso, surge a chamada “zombie Libor”: a taxa permanece em contratos vigentes, apesar de a taxa em si ter deixado de existir. Quando um contrato de empréstimo está vinculado a uma taxa de juros que não existe mais, quanto é que o mutuário paga? Estima-se que aproximadamente 35 trilhões de dólares em operações atuais corrigidas pela Libor vençam depois de 2021; ou seja, configura-se um problema de US$ 35.000.000.000.000,00.

Os contratos de empréstimos com base na Libor geralmente são acompanhados por certas alternativas (fallbacks), previstas para o caso de a taxa não ser mais determinável usando-se o método previsto no documento (geralmente uma página na Reuters ou na Bloomberg). No entanto, em muitos contratos esses fallbacks são acionados somente quando a Libor não está disponível (não é exibida na tela designada, por exemplo); não se considera um cenário em que essa taxa referencial não exista mais.


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A modificação dos contratos já existentes será um desafio. Negociações para alteração de empréstimos bilaterais devem ser relativamente simples; já negociações relativas aos empréstimos sindicalizados, cuja documentação geralmente exige a aprovação de 100% dos credores para que seja modificado o método de cálculo de juros, mostram-se mais complexas. Os problemas se multiplicam nas operações de securitização e de grandes projetos de infraestrutura, que têm uma documentação ainda mais complicada. Mas se espera que o desafio maior esteja na mudança dos títulos de taxa flutuante, já que tipicamente esses papéis são amplamente distribuídos, às vezes a investidores que são menos sofisticados e menos atentos, tornando-se quase impossível a aprovação de 100% dos detentores.

Contratos mais recentes incluem um fallback diferente, que já contempla o momento em que a Libor deixará de existir. Além disso, grupos de trabalho do mercado financeiro internacional — além do ARRC, a International Swaps and Derivatives Association (Isda) — estão atuando no desenvolvimento de uma abordagem consistente para a transição. Mesmo assim, será difícil se estruturar uma linguagem 100% adequada até que as incertezas relativas à SOFR sejam resolvidas. Ao mesmo tempo, existe uma preocupação grande de que os respectivos fallbacks sugeridos pelo ARRC e pela Isda não fiquem alinhados, o que resultaria em hedges imperfeitos.

Para as partes envolvidas em contratos corrigidos pela Libor, cabem algumas recomendações. A primeira atitude deve ser um balanço dos riscos de exposição a essa taxa referencial, priorizando as operações que vencem após 2021. Além das cláusulas relacionadas à Libor, devem ser revisadas as disposições sobre aditamentos ao contrato. Discussões com contrapartes devem começar o mais cedo possível. É necessário também que se revise os documentos padrão para verificar se eles devem ser aditados para operações futuras.

Mais uma ação importante é a revisão de sistemas internos, para que se entenda quais ajustes podem ser necessários para empréstimos futuros baseados na SOFR, qualquer que seja o método de cálculo eventualmente adotado. Para o setor bancário, os sistemas e procedimentos de back office e middle office — sobre o cálculo de juros e o faturamento de clientes, por exemplo — precisarão ser adaptados.

O ano de 2021 pode até parecer distante, mas os ajustes que os participantes do mercado financeiro precisarão fazer são enormes. Assim, a hora de fazer um balanço dos riscos é agora.


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