Mazelas da alteração de participações societárias
Ivo Bari*

Ivo Bari*

“Ma.ze.la”: sf. (lat vulg *macella). Tudo que aflige ou molesta.

A palavra define com exatidão o sentimento dos executivos brasileiros quando são informados por seus advogados de que estes ou aqueles contratos estão sujeitos a vencimento antecipado, rescisão ou multa em caso de alteração da composição societária da empresa.

Diversos instrumentos estabelecem tais cláusulas para, dentre outros motivos, proteger credores contra mudanças significativas de quem efetivamente é seu devedor. Como consequência, para implementar a operação almejada, as empresas devem obter os famosos waivers de bancos, clientes, fornecedores ou outros contratantes.

As redações dadas a essas cláusulas são muitas: podem ser amplas (com anuência obrigatória para “alteração”, “modificação” ou “mudança” da composição acionária, direta ou indireta), restritas (alienação direta de 100% das ações da contratante) ou até inexistentes (obrigação apenas de informação).

A essência das redações extremas nos parece bem clara. O que nos interessa são os milhares tons de cinza existentes entre elas.

Vejamos o seguinte exemplo: no início de um projeto bilionário de infraestrutura, o otimismo contamina diretores da empreiteira, o que reverbera no tom assertivo das negociações e nos números do plano de negócio da sociedade de propósito específico (SPE) que desenvolverá o projeto. Entregue o plano e feita uma apresentação quase cinematográfica dos executivos, o banco de desenvolvimento (BD) aceita liberar os recursos necessários. Em meio a comemorações, SPE e BD assinam o contrato de financiamento.

Entre fatos relevantes, reuniões com investidores e reports à matriz, a cláusula de vencimento antecipado em caso de alterações de controle da SPE não foi ponto de grandes embates — mas lá estava ela…

Essa cláusula previa vencimento total e imediato da dívida em caso de alteração de controle societário da SPE sem obtenção de anuência prévia do BD. O texto era omisso quanto a uma mudança indireta e não continha definição contratual de controle.

Passados dois anos, instabilidade do setor, crise econômica no país da matriz, crise política brasileira e contínuos testes à higidez financeira dos agentes substituíram o antes tão presente ânimo por apreensão. Os controladores indiretos da SPE (X, Y e Z, cada um com 33,3%) não veem outra opção senão dar uma saída honrosa a X (que está na iminência de pedir a própria recuperação judicial) e estruturar uma operação por meio da qual X venderá 16,65% para Y e 16,65% para Z, retirando-se da composição acionária da holding que detém 100% da SPE.

Agora, porém, temos um problema: precisamos lidar com a possibilidade de o BD exigir o repagamento imediato do financiamento do projeto.

Nessa situação, somos obrigados a responder se há alteração de controle na holding da SPE, se a cláusula contratual atinge mudanças de controle indiretas e se é viável a obtenção de renúncia do credor ao seu direito de declarar o vencimento antecipado da dívida.

Em relação à primeira pergunta: sim. O sócio X nunca deteve controle societário para poder aliená-lo. Porém, antes da venda, o controle da holding era exercido conjuntamente por X, Y e Z e, depois da venda, o controle passa a ser exercido por Y e Z — há, portanto, alteração na composição (e na dinâmica do exercício) do bloco de controle. Existe nítida diferença conceitual entre os termos “alteração” e “alienação” quando utilizados juridicamente. Assim, a operação configura “alteração” de controle, mesmo sem “alienação” de controle.

Sobre o segundo ponto: texto, contexto e a racionalidade econômica da cláusula convergem para se estabelecer que tal redação sujeita a dívida ao vencimento antecipado também em casos de alteração indireta de controle. O próprio conceito societário de “controle” não está adstrito à camada societária imediatamente superior à pessoa jurídica sob análise — em outras palavras, o que importa para a definição de “controle” é seu componente de fato e não de direito. A máxima “substância sobre forma” acaba se tornando óbvia nesse caso. Mesmo que se colocassem dez holdings entre a SPE e X, Y e Z, o controle da SPE continuaria sendo detido (e exercido) por esses três, sempre.

Quanto à terceira indagação, vale notar que, apesar de não ser regra, o credor muitas vezes aproveita a situação de fragilidade do devedor para renegociar taxas e aumentar sua rentabilidade na operação. Adicionalmente, há sempre o risco de o credor considerar que a saída de um sócio “rico” pode resultar em perda significativa da qualidade do crédito e, por isso, optar pela saída de declarar a dívida vencida antecipadamente.

Questões relativas a esse tema estão longe de serem pacificadas e ainda causarão muitas mazelas. Embora não seja possível evitar todas elas, uma forma de mitigá-las é negociar cada passo com cuidado, para que se evite situações adversas no futuro.


*Ivo Bari ([email protected]), associado da prática de societário e M&A do Tauil & Chequer Advogados


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