O ano de 2019 ficou marcado por numerosas controvérsias de caráter socioambiental no Brasil — entre elas, a desconfiança do governo em relação ao Fundo Amazônia, os dados sobre desmatamento colocados em xeque pelo presidente da República e o número recorde de queimadas na maior floresta tropical do mundo. Por outro lado, a sustentabilidade deu passos firmes no setor financeiro no País: empresas mais sustentáveis continuam a ter melhor desempenho no mercado e gestores de ativos incorporam cada vez mais o tema em suas decisões de investimentos.
Sob uma nova orientação, o Ministério do Meio Ambiente passou a considerar o meio ambiente e as questões sociais correlatas entraves à retomada do crescimento. Isso não significa que governos anteriores priorizassem o assunto ou fossem referência na conservação e exploração sustentável dos recursos naturais, na defesa dos direitos de povos tradicionais e na resistência diante de lobbies pelo enfraquecimento das normas socioambientais. Contudo, um movimento formal, do próprio governo, de contestação e flexibilização do arcabouço regulatório e científico para o meio ambiente e de acordos internacionais firmados para esse fim é uma novidade desde a redemocratização.
É importante ressaltar que sempre existem pontos a serem dinamizados nos normativos socioambientais, em qualquer país. Por outro lado, a ideia de que eles só pioram o ambiente de negócios é equivocada e remete à analogia de “jogar o bebê com a água do banho”. A falta de uma regulação ambiental efetiva não só compromete o meio ambiente: pode impossibilitar uma relação harmoniosa com outros países e inviabilizar acordos comerciais que podem impulsionar a economia. Exemplos claros são o cancelamento de doações de Noruega e Alemanha para o Fundo Amazônia, a ameaça do presidente francês e da ministra da Agricultura alemã sobre o tão celebrado acordo Mercosul-União Europeia e o boicote a produtos de couro do País, caso o Brasil não dê sinais de avanço na agenda ambiental.
Portanto, as revisões regulatórias não devem caminhar no sentido de se anular tudo o que foi construído e consolidado a duras penas; elas devem fortalecer as estruturas institucionais que comprovadamente funcionam e que, muitas vezes, carecem de recursos. Aquelas mais ineficientes devem ser reformadas, sempre com base em dados científicos e boas práticas consolidadas.
Do lado das empresas — supostamente quem a nova agenda do Ministério beneficiaria —, o alinhamento a essa visão de temas relacionados à sustentabilidade como barreira de negócios não tem sido automático. O setor financeiro, em especial, tem visto esses fatores de maneira inversa, como oportunidades. Instituições financeiras e gestores de ativos já começam a adotar metodologias para incorporar temas socioambientais a suas decisões de investimentos, a fortalecer sua governança no tema, a oferecer mais produtos e serviços desenhados com base nessas preocupações e a intensificar sua participação em iniciativas setoriais pró-sustentabilidade.
E os números mostram que estão corretos em adotar essa abordagem. Nos últimos dez anos, mesmo nos períodos de crise, o desempenho do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que reúne as empresas com melhor performance socioambiental, tem superado o do Ibovespa. O empenho, assim, tem sido reconhecido pelo mercado — tendência que deve se acentuar.
Não à toa, 85% dos gestores de ativos nacionais já consideram, de alguma forma, o impacto ESG em seus investimentos: 44% em renda variável, 35% em renda fixa e 42% em emissões soberanas1. A participação de investidores brasileiros em iniciativas globais para discussão de abordagens de investimento sustentável também vem crescendo. Nos Princípios de Investimento Responsável (PRI), a maior iniciativa nessa temática, já são 49 instituições brasileiras — sendo nove novos participantes do Brasil a se juntar entre 2018 e 2019. Por sua vez, a Sustainable Banking Network reúne 53 órgãos do setor pelo mundo, incluindo o Banco Central do Brasil e a Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban).
Por falar em regulação, desde 2014 o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central exigem que as instituições financeiras adotem políticas de responsabilidade socioambiental2 — o que é cumprido por 100% das organizações sob a norma — e já discutem como tornar a regra mais prescritiva neste ou no próximo ano. Em 2018, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) também passou a fazer exigências sobre questões sociais e ambientais na gestão de fundos de pensão, sob força de resolução do CMN3.
Por mais que o atual Executivo dê mostras constantes de que enxerga as questões socioambientais como secundárias, irrelevantes ou mesmo perdulárias, o mercado financeiro tem mostrado uma visão oposta. Assim, se você ainda acredita que o futuro pertence a instituições menos sustentáveis — ambiental e socialmente — e colocar dinheiro nisso, pode perder a aposta.
*Fred Seifert ([email protected]) é gerente de finanças sustentáveis da SITAWI Finanças do Bem
Notas
1Dados de 2018 da Anbima
2Resolução 4.327/14 do Banco Central
3Resolução 4.661/18 do CMN
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