Empresas devem indenizar acionistas por fraudes?
Recentes episódios envolvendo grandes empresas suscitam debate sobre a pertinência da demanda de responsabilização das companhias
, Empresas devem indenizar acionistas por fraudes?, Capital Aberto

*Bruno Gontijo | Ilustração: Julia Padula

Desde o início das investigações policiais que identificaram supostas fraudes cometidas por ex-administradores de companhias brasileiras nos últimos anos, várias têm sido as demandas de investidores em torno da reparação de potenciais prejuízos decorrentes da negociação de valores mobiliários sobrevalorizados ou depreciados. Os argumentos apresentados pelos autores concentram-se no fato de as companhias terem eventualmente publicado declarações falsas ou omitido informações aos investidores a respeito das situações nas quais estavam envolvidas.

Em razão de seu histórico de litigância, o principal foro de estudo quanto a essas demandas tem sido os Estados Unidos. As facilidades relacionadas à propositura de ações coletivas, patrocinadas pelos próprios advogados, ou a ausência do pressuposto processual de comprovação do nexo de causalidade entre a falha informacional e o dano — conforme sustenta a Fraud-On-The-Market Theory1 — criam um ambiente propício para essa natureza de disputa. Até 2019, ao menos sete companhias brasileiras já haviam sido acionadas por meio de class actions nos EUA: Bradesco, Braskem, BRF, Eletrobras, Gerdau, Petrobras e Vale.

Por conta da propositura dessas ações perante o Poder Judiciário estrangeiro contra companhias brasileiras, surgem no País debates em torno da possibilidade de investidores brasileiros prejudicados buscarem no próprio ordenamento jurídico nacional a responsabilização direta das companhias pelas eventuais indenizações devidas, em parâmetros similares aos da regulamentação americana.

Contudo, essa corrente tem ignorado importantes reflexões feitas pela literatura jurídica dos EUA a respeito da Fraud-On-The-Market Theory. Os estudos demonstram que, por causa dos custos elevados e da repercussão negativa associada ao litígio, a deterioração de valor para os acionistas relacionada às class actions é significativamente superior aos possíveis valores decorrentes de acordos indenizatórios que eventualmente venham a ser celebrados posteriormente2. Ou seja, o resultado líquido é negativo, o que gera uma verdadeira destruição de valor.

Dessa forma, há uma incompatibilidade entre as perdas dos investidores prejudicados e o custo social da responsabilização das próprias companhias pelas falhas informacionais, o que resulta em uma relevante deterioração dos emissores de valores mobiliários sem um correspondente ressarcimento de danos aos acionistas — e tampouco punição efetiva dos responsáveis. Qualquer desembolso por parte da própria companhia representaria tão somente um pocket-shifting, ou seja, uma mudança de bolsos: nessa dinâmica, os acionistas que remanescerem em sua composição societária, ao assumirem os custos da indenização, vão transferir parte de seu patrimônio para compensar a perda dos investidores que propuseram a demanda de responsabilização civil em face da companhia.

Assim como ocorre em outros ramos do Direito, não há que se falar em tratamento equitativo e isonômico na reparação aos investidores quando a análise comparativa se referir a jurisdições distintas, cujas regulamentações estão estritamente relacionadas ao histórico do mercado de capitais de cada um dos países analisados. Ainda que os prejuízos auferidos pelos agentes sejam decorrentes de um mesmo fato jurídico, como nos casos de inobservância do dever de informação, a reparação dos prejudicados dependerá, mandatoriamente, da regulamentação a qual estiverem submetidos.

Estando sujeitos a remédios jurídicos distintos, os investidores brasileiros devem buscar, juntamente com a atuação investigativa-sancionadora da CVM e amparados na legislação pátria, a responsabilização individual daqueles responsáveis pelas falhas informacionais, como os administradores das companhias ou ainda seu acionista controlador, com efeitos dissuasórios mais efetivos à prática desse ilícito. Exigir que as companhias assumam os custos decorrentes da reparação dos danos aos investidores prejudicados representa tão somente a internalização nas corporações e, indiretamente, em seus acionistas, da responsabilidade pela inobservância de deveres individuais de seus agentes.


*Bruno Gontijo ([email protected]) é advogado com atuação nas áreas de mercado de capitais, societário e regulatório. Colaboraram Bernardo Fabião ([email protected]) e Igor Muniz ([email protected]), advogados.


Notas

1 A Fraud-On-The-Market Theory defende que os investidores lesados não precisam comprovar que os prejuízos suportados na negociação de seus valores mobiliários estiveram diretamente relacionados às informações veiculadas pelas companhias, desde que o mercado em que esses títulos são negociados sejam considerados eficientes. Isso significa que, havendo falha informacional, é possível presumir que houve distorção no preço da negociação dos valores mobiliários e, por esse motivo, todos aqueles que detêm valores mobiliários do emissor estão sujeitos à referida desconformidade; por essa razão, não precisam demonstrar danos, estando legitimados a obter ressarcimento a partir da quantidade de ações que detêm da companhia.

2 U.S. CHAMBER. Institute for Legal Reform. Economic Consequences: The Real Costs of U.S. Securities Class Action Litigation.


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