Debilidades da proposta da CVM para RPPSs
Texto em audiência pública mescla conceitos e gera campo fértil para insegurança
proposta para RPPSs, Debilidades da proposta da CVM para RPPSs, Capital Aberto

Guilherme Cooke */ Ilustração: Julia Padula

Na última década, os regimes próprios de previdência social (RPPSs), seguindo a trajetória dos seus irmãos mais velhos, os fundos de pensão, aumentaram seus investimentos no mercado significativamente, após uma longa história de déficit e má gestão de recursos. Recursos que, em alguns casos, nem aplicados eram, permanecendo em regime de repartição simples.

Junto com o dinheiro, vieram más práticas. A Operação Encilhamento demonstrou que, mesmo neste momento de, teoricamente, maior rigor contra a corrupção, os agentes de má-fé parecem continuar atuando, apropriando-se do erário com manobras (bem pouco sofisticadas, inclusive) também no mundo de fundos. Os desvios de recursos verificados pela operação teriam sido feitos por meio de fundos cujos cotistas eram RPPSs que, mancomunados com seus prestadores de serviço, investiam em debêntures de companhias de fachada, emitidas no rito da Instrução 476/09 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Obviamente, muitos RPPSs são sérios, organizados, competentes e adotam excelentes práticas de gestão. A própria regulamentação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) vem incentivando esse desenvolvimento. Entretanto, a amostra daqueles que não têm capacitação técnica ou que se envolvem em fraudes, infelizmente, não é desprezível.

A CVM já vinha demonstrando preocupações com os RPPSs há algum tempo. Durante a vigência da Instrução 409/04, os RPPSs eram considerados investidores qualificados. Em 2014, a CVM os tirou desse rol e transferiu à Previc a responsabilidade de estabelecer critérios para a qualificação desses investidores. O novo passo da CVM nesse caminho está no edital de audiência pública SDM 03/18 que, dentre outras propostas, sugere a alteração das normas de diversas classes de fundos (Fundos 555, FIDCs, FIIs e FIPs) para prever que os que tenham mais de 15% de seu patrimônio líquido detidos por RPPSs não possam adquirir valores mobiliários que não tenham sido objeto de oferta pública de distribuição registrada — a conhecida “oferta 400”.

A ideia é boa. A norma tiraria uma opção daquele que entra no mercado de capitais com má-fé, pois o rito de oferta restrita da Instrução 476/09 é mais ágil e efetivamente requer menos informações. Isso não significa que os procedimentos dessa instrução sejam permissivos para operações fraudulentas quando comparados aos das ofertas sob a Instrução 400 — embora menos transparente, a 476 é um avanço do nosso mercado. O problema está em quem utiliza a ferramenta — e é no agente que o foco deve estar.

Por mais que a intenção seja nobre, a sugestão do texto parece infeliz. A exigência para os fundos regulados pela Instrução 555 é a que parece mais fácil de ser cumprida. No entanto, o desafio beira o impossível para FIDCs, FIPs e FIIs. O texto utiliza o termo “valores mobiliários”, mas é necessário que a CVM esclareça exatamente a quais ativos ela se refere, ajustados à classe do fundo, para que o mercado entenda sua intenção e participe da audiência de forma produtiva. A mescla de conceitos legais e regulatórios, como títulos de crédito, valores mobiliários, direitos creditórios e ativos financeiros, associada aos tipos de ativos que podem ser adquiridos por esses fundos, é campo fértil para insegurança. Afinal, seria a expectativa do regulador que um FIP apenas adquira ações ofertadas por meio da 400? Que um FII apenas adquira participações em sociedades de propósito específico (SPEs) imobiliárias que tenham passado pelo mesmo rito? E as debêntures que um FIDC vier a comprar?

Ao mesmo tempo, é difícil considerar a hipótese restritiva — a de que a regra, nesses fundos, se aplicaria só ao que se enquadrar na definição legal de valores mobiliários, excluindo-se, assim, a maioria dos ativos que essas classes de fundos normalmente adquirem (imóveis, companhias fechadas e direitos de crédito, por exemplo). Se for o primeiro caso, seria mais fácil simplesmente vedar que um RPPS invista nessas classes de fundo, já que seriam poucos os produtos enquadráveis (FIPs de Pipe, FIIs ou FIDCs de CRIs ou CRAs, além de alguns outros). Caso seja a segunda opção, a norma não atingiria seu objetivo maior declarado.

Outro ponto curioso do edital é o fato de a CVM estimular os RPPSs a investir em fundos que contam com outros investidores, vendo como prática potencialmente problemática a constituição de fundos específicos para esses regimes. Tal estímulo pode não encontrar ressonância no mercado, pois os limites de investimentos aplicáveis a fundos investidos por RPPSs, em alguns casos, são mais restritos do que aqueles do investidor de varejo. Além disso, é praxe de mercado segregar esses perfis de investidores em fundos diferentes, por terem diversos objetivos e prazos de investimento. As práticas do mercado podem ir de encontro à expectativa da CVM de que os RPPSs se aproveitem da capacidade de análise de outros investidores, ao investirem nos mesmos fundos que eles.

Ao que tudo indica, por mais que haja o esforço de moralização e saneamento, a batata quente dos RPPSs continuará queimando na mão da CVM.


*Guilherme Cooke ([email protected]) é sócio do escritório Velloza Advogados, responsável pela área de mercado de capitais


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