Ameaça das fake news à concorrência
Informações falsas a respeito de concorrentes têm consequências jurídicas relevantes
, Ameaça das fake news à concorrência, Capital Aberto

Pedro Paulo Salles*/ Ilustração: Julia Padula

Hoje o mundo anda às voltas com as fake news. Embora a mentira não seja propriamente uma novidade do século 21, é inegável que a capacidade de difusão de notícias deliberadamente falsas se multiplicou nestes tempos de redes sociais, mensagens instantâneas, big data e tecnologias acessíveis a todos, que permitem criar, reproduzir e espalhar — entre destinatários determinados ou indeterminados — informações, documentos, fotografias, gravações e vídeos substancialmente falsos. Há quem diga que os tempos são de “pós-verdade”.

Cientistas e políticos discutem o impacto das fake news em eleições como a de Donald Trump e em plebiscitos como o do Brexit. Como conter a mentira? Para Giovanni Pitruzzella, chefe da autoridade de defesa da concorrência da Itália, as notícias falsas estimulam o populismo e ameaçam a democracia. Por isso ele defende a criação de uma agência europeia de combate às mentiras, que as suprima e imponha sanções a seus divulgadores. Outros, por seu turno, acham que esse tipo de controle seria incompatível com a liberdade de informação e opinião. Afinal, o que é mesmo verdade e o que é mesmo mentira? O tema é espinhoso.

Mas o simples fato de a questão ser abordada por uma autoridade antitruste suscita uma questão: existe alguma relação entre as fake news e a defesa da concorrência? Não há consenso a esse respeito. A publicação Competition Policy International publicou em sua edição de dezembro de 2017 dois artigos que sustentam posições opostas. Uma autora acredita que Facebook e Google estariam usando de seu poder de mercado para difundir notícias falsas, competindo contra as fontes de notícias legítimas, e isso seria “um verdadeiro problema antitruste”. Outro colaborador diz exatamente o contrário, afirmando que, além de Facebook e Google sequer terem posição dominante no mercado de notícias, a difusão de fake news seria um problema que não pode e não deve ser examinado sob as lentes do direito da concorrência.

Olhando do ponto de vista do direito brasileiro, é certo que a divulgação de informações falsas a respeito de concorrentes tem consequências jurídicas relevantes. Por um lado, essa conduta pode configurar crime de concorrência desleal, tipificado na Lei de Propriedade Industrial, e, por outro, pode dar ensejo ao pagamento de indenização por perdas e danos, pela prática de ato ilícito. Nesses dois casos, porém, o direito socorre interesses individuais de concorrentes que serão prejudicados pelas falsidades contra eles dirigidas. Esses direitos individuais não são o objeto do direito antitruste, cujo titular é a coletividade e que visa tutelar um determinado sistema econômico baseado na livre concorrência.

Entretanto, não se pode negar a hipótese de informações falsas reproduzidas com as atuais ferramentas tecnológicas produzirem efeitos que superem as relações individuais entre concorrentes determinados. Em outras palavras, não é impossível que as fake news prejudiquem não apenas os concorrentes, mas a concorrência como um todo — distorcendo, contaminando, prejudicando o próprio funcionamento do mercado. Se acreditamos que o sistema de preços representa, de alguma forma, um modo de eleição permanente, em que os agentes econômicos — produtores ou consumidores — se manifestam de forma contínua, e se sabemos que até mesmo o sistema político pode ser influenciado pelas notícias falsas, por que o sistema econômico não seria?

Ocorre que o reconhecimento de que as fake news podem, em tese, ser um tema de direito antitruste é capaz de levantar novas discussões a respeito de alguns aspectos essenciais desse ramo do direito.

Em princípio, as condutas consideradas ilícitas contra a concorrência são divididas em duas grandes categorias: os acordos, sejam eles horizontais ou verticais, que de alguma forma asseguram aos seus participantes uma certa indiferença em relação ao mercado (o que seria chamado de uma posição dominante), e as condutas unilaterais, em que alguém que já detém uma posição dominante dela se vale para excluir competidores, para impedir a entrada de novos competidores, ou simplesmente para complicar a vida dos competidores.

Em tempos de fake news, parece teoricamente possível que um agente sem posição dominante, sem poder de mercado, sem poder econômico, se utilize unilateralmente das informações falsas para entrar em um mercado, afastando ou prejudicando seus possíveis rivais e, finalmente, prejudicando o próprio funcionamento do mercado. Isso talvez seja uma grande novidade no direito antitruste.


*Pedro Paulo Salles Cristofaro ([email protected]) é sócio de Chediak Advogados e professor da PUC-Rio


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.