Os parágrafos 8º e 9º do artigo 118 da Lei das S.As. prejudicam a independência do conselheiro?
João Laudo de Camargo x Durval Soledade

antitese-2

A atual redação desse artigo, introduzida pela Lei 10.303/2001, colide com princípios fundamentais consagrados na Lei das S.As., notadamente os relacionados à autonomia entre os órgãos da companhia (art. 139) e à independência funcional do conselheiro de administração (art. 154, §1º). Essa redação de 2001 é, ainda, incompatível com o regime da responsabilidade pessoal do conselheiro (art. 158) decorrente, é óbvio, da aludida independência funcional com a qual deve exercer suas funções no colegiado.

As modificações introduzidas em 2001 no regime do acordo de acionistas vão na contramão da valorização do conselho de administração como órgão central na aplicação de boas práticas de governança corporativa e esvazia uma das características primordiais desse colegiado — debater com liberdade as estratégias empresariais.

A redação esvazia o poder do conselho de debater

De todos os temas atinentes a essas boas práticas, destaca-se a necessidade de se assegurar a independência funcional do conselheiro, no interesse da companhia, de seus acionistas e da sociedade.

Nessa linha, o novo Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas contempla o seguinte princípio: “Os acordos de acionistas não devem transferir para os acionistas signatários as decisões nas matérias de competência do conselho de administração, da diretoria ou do conselho fiscal”. Na mesma toada diz o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC: “…o interesse da organização não deve ser colocado em risco pelo acordo entre sócios, que, deste modo, não deve conter limitação ou vinculação das competências e atribuições do conselho de administração”.

A administração da companhia, por seu turno, é de responsabilidade exclusiva do conselho de administração e da diretoria, ou somente da diretoria, na sociedade que não tem conselho de administração (art. 138). A lei estabelece, ainda, que o conselho é órgão de deliberação colegiada (art. 138, § 1º).

Não satisfeita em delimitar claramente a estrutura de poder da sociedade anônima, a Lei das S.As., como que para afastar qualquer dúvida quanto ao modelo pretendido, estabeleceu que “as atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.” (art. 139).

Deixar de computar o voto “proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado” é atingir, na sua substância, uma das prerrogativas fundamentais do conselheiro de administração, a de manifestar sua vontade com liberdade e independência.

Com a alteração de 2001, o processo de formação da vontade do conselho fica comprometido: não há incentivo para debate da matéria objeto de “orientação de voto” advinda de reunião prévia de acionistas; tampouco há estímulo para cada integrante procurar influenciar na formação da vontade de um companheiro — afinal, a decisão já foi tomada, em outro órgão social.

Seria então o caso de permitir que todos os conselheiros de administração e, quando for o caso, os conselheiros fiscais participem da reunião prévia como “ouvintes” ou mesmo como “debatedores”?

Havendo “orientação de voto” oriunda de reunião prévia de signatários de acordo de acionistas, a Carta Diretriz no 1 do IBGC recomenda que essa “orientação” seja recebida como “mera recomendação de conduta”.

antitese-1

A controvérsia está centrada nas instruções de voto emanadas de reuniões anteriores ao encontro do conselho de administração. Conceito preliminar importante: a execução específica de obrigações de se fazer ou não se resolve em perdas e danos, conforme estipulado pelos artigos 247 a 251 do Código Civil.

São incontestavelmente válidas as disposições que prescrevem que os conselheiros — eleitos por acionistas controladores e, por conseguinte, seus delegados — profiram seus votos de acordo com instruções emanadas de reuniões prévias.

Sobre isso, há uma manifestação do inesquecível professor Alfredo Lamy Filho, em parecer transcrito no seu livro Temas de S.A. (páginas 323 a 327), a favor da legalidade da disposição de delegação de votos aos conselheiros. Ressalto que a doutrina e a jurisprudência nos EUA reconhecem como válidas regras semelhantes, nos pooling agreements. O mercado de capitais americano não faz qualquer restrição a eles.

O artigo 118 permite, sem dúvida, a transparência dos votos — já que, segundo seu caput, os acordos de acionistas somente “deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede”. Havendo disposições sobre reuniões prévias e sobre quais são os participantes dos acordos, fica fácil determinar quem, nos termos do artigo 116, são os acionistas controladores.

Ademais, a reunião prévia confere segurança jurídica ao que foi pactuado.

No caso de os votos exercidos não serem em benefício da companhia, se ela for aberta os conselheiros que os proferiram são alcançáveis pela CVM. Isso sem prejuízo de o conselheiro que votou contrariando os interesses da companhia (causando-lhe ou não prejuízo) poder ser responsabilizado, nos termos dos artigos 158 e 159 da Lei das S.As.

Caso o voto indicado seja danoso à sociedade, a obrigação do conselheiro é votar contrariamente a ele, e em conformidade com o interesse da companhia. A consequência é que seu voto não será computado pelo presidente do conselho; caso ele se abstenha ou não compareça, outro conselheiro votará por ele. Se insistir em votar, sua manifestação será desconsiderada pelo presidente do conselho e o voto será exercido por outro conselheiro. Ele pode, todavia, exigir que sua manifestação contrária conste da ata.

Não há nada que impeça o voto contrário

Existem opiniões segundo as quais os conselheiros eleitos pelos acionistas controladores, que celebraram acordos de votos, estariam obrigados a votar conforme orientação de reunião antecedente. Mas não há na Lei das S.As. nenhuma disposição nesse sentido. O acordo de acionistas tem natureza contratual; logo, ele tão somente obriga as partes que o assinam. Suas obrigações não se estendem a conselheiros que dele não sejam partes.

Diz-se que também que, com a decisão já tomada por acionistas controladores, não haveria espaço para argumentações. E, por isso, alega-se que os parágrafos 8o e 9o tornariam irrelevante a atuação do conselheiro independente. Mas, ao contrário, existem os direitos e deveres legalmente previstos, com destaque para o dever de diligência. Cada membro tem a obrigação, per si, de fiscalizar a atuação dos demais membros, princípio contido no parágrafo 1º do artigo 158 da Lei das S.As. Nas situações que envolvam companhias abertas, não há empecilho à comunicação de fatos à CVM.


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