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As estatais precisam de uma legislação específica?

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É preciso avançar além da indignação e da punição

As empresas estatais indiscutivelmente tiveram, e ainda têm, um papel relevante no processo de desenvolvimento econômico do País. Na década de 1940, por decisão política do presidente Getúlio Vargas e em plena segunda guerra mundial, iniciou-se a implantação da primeira grande estatal industrial brasileira, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Seguiu-se a esse primeiro movimento a criação de dezenas de outras estatais federais, entre as quais a Petrobras, BNDES e Eletrobras. O impacto desse movimento sem dúvida contribuiu para a modernização da economia, antes eminentemente agrícola, tornando-a uma diversificada economia industrial.

Essas empresas adquiriram tamanha importância que a própria Constituição de 88 previu a necessidade de uma lei que definisse o estatuto jurídico das estatais, comando este não implementado até hoje.

O modelo de desenvolvimento econômico protagonizado pelas empresas sob controle público esgotou-se a partir da década de 1980, levando o governo, com o suporte político do Congresso Nacional, a transferir para a iniciativa privada o controle de diversas estatais. O maior exemplo foi a privatização de todo o setor de telecomunicações. Mesmo assim, elas continuaram com uma presença marcante, às vezes até aumentada, em setores como o elétrico e o de petróleo. Esse quadro não deve se alterar significativamente nos próximos anos, por conta de fatores históricos, econômicos e, principalmente, político-ideológicos.

Com base nessa premissa e diante das recentes revelações de fatos envolvendo essas empresas (que vêm arcando com severos prejuízos em decorrência da ação combinada de alguns gestores, empresários e políticos desonestos e inescrupulosos), é necessário que se avance para além da justa indignação e da imprescindível punição dos culpados. Há que se refletir se o quadro legal e regulatório que rege o funcionamento e as atividades das estatais, sejam elas sociedades de economia mista ou empresas públicas, assegura que sejam administradas de forma eficiente e em observância das melhores práticas de governança corporativa.

Não resta dúvida de que não faltam leis ao País, de todos os níveis e para todas as situações. O furor legislativo é uma realidade nacional que dificulta a vida dos cidadãos, onera quem produz, desestimula o investimento e castra o empreendedorismo. As estatais não escapam desse calvário. As dezenas de leis e normas que devem observar constituem um conjunto confuso, esparso e muitas vezes com disposições contraditórias. Percebe-se, no entanto, um ponto comum no conteúdo de grande parte dessa legislação: um certo sentido “não construtivo”, mas fortemente “proibitivo/punitivo”. Não se verifica uma preocupação séria dos legisladores, no caso das estatais, com melhora de qualidade da gestão, aumento da produtividade, adoção de controles internos que funcionem, maior transparência para a sociedade, avaliação do desempenho dos administradores e aderência da empresa à finalidade pública que justificou sua criação.

Por isso, entendo que seria bem-vinda uma lei que, em cumprimento à Constituição Federal, consolidasse a legislação atualmente aplicável às empresas estatais, e cujo conteúdo, além da ênfase no caráter “proibitivo/punitivo”, estimulasse as melhores práticas de governança corporativa. O País só teria a lucrar com isso.

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Já existem as normas legais. Agora falta cumpri-las

Desde que a Lei 6.404/76 entrou em vigor, sabia-se que, na experiência prática, haveria conflitos entre o modelo societário das empresas de economia mista estabelecido pelo texto e o que aconteceria na realidade. A discrepância era previsível. Na época em que a lei foi promulgada, as sociedades de economia mista, comumente conhecidas como estatais, experimentavam grande sucesso no mercado e tinham as ações mais procuradas pelos investidores — logo transformando-se em blue chips na bolsa. O artigo 238 da lei estabelecia: “A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador, mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”. O problema é que a interpretação de “interesse público” por parte dos governos acabou transgredindo os limites, e a permissividade legal levou as sociedades de economia a atender interesses muito diversos. Não é necessário estabelecer nova legislação para as estatais: o simples cumprimento da lei já existente garantiria uma adequada operação dessas empresas.

Mais recentemente, ganharam força as discussões a respeito desse permissivo legal, principalmente porque o governo tem levado sociedades de economia mista (em especial a Petrobras) a exercer atividades e a adotar comportamentos que se afastam do “interesse social” que deveria nortear a atuação empresarial, conforme estabelece a lei. Ao longo do tempo, o Executivo tem utilizado as sociedades de economia mista como instrumentos para alcançar finalidades diversas, que pouco têm a ver com o negócio primordial das companhias. Assim, uma determinada sociedade de economia mista passa a ter poderes para estabelecer preços de produtos essenciais da economia, por exemplo (veja-se o caso do represamento, ao longo de anos, dos aumentos de preços dos combustíveis como forma de combate à inflação — política adotada apesar da sangria que provocava no caixa da Petrobras). Sob essa estratégia, as estatais passam a operar como verdadeiros braços de investimento e de atuação macroeconômica governamental.

A essência do artigo 238, desde que a lei entrou em vigor, consiste em não apenas permitir o distanciamento do objeto social, mas também delimitar esse distanciamento. O que presentemente se observa é, pois, uma questão de identidade: ou se aplicam estritamente o artigo 238 da 6.404/76 e seu expresso limite, ou a sociedade de economia mista se desnatura, passando à mera condição de agente do poder público. É isso que não parece legítimo: de um lado, pretender que a sociedade de economia mista funcione primeiro como entidade de direito privado, apta a captar recursos nos mercados e necessariamente sujeita à regulamentação ordinária das companhias abertas; e, de outro lado, exigir que funcione como entidade inteiramente subordinada ao governo, passando a operar na economia sem responder devidamente às necessidades de seus acionistas.

Ou uma coisa ou outra. Se o artigo 238 for aplicado em sua literalidade, não há por que pretender mais uma legislação. Considerando a natureza primordial das estatais, defendo que não é preciso criar uma regra diferente: já existe um mecanismo para regular sua atuação. O que falta é o cumprimento da lei.


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