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Crise faz Tecnisa virar gestora de estoques
Construtora amarga jejum de lançamentos e vê ações despencarem na bolsa
Crise faz Tecnisa virar gestora de estoques

Ilustração: Rodrigo Auada

Nos últimos tempos, a toada do setor de construção civil parece um tanto fora de ritmo. No lugar de lançar, erguer e vender entraram os verbos cancelar, cortar, desfazer, que nada têm a ver com a essência da atividade de incorporação imobiliária. São profundas as marcas deixadas por dois anos de recessão — e sem sinal visível de recuperação da economia — nas incorporadoras, especialmente naquelas que atuam em segmentos não populares ou desvinculados das benesses do subvencionado Minha Casa, Minha Vida. Na lista das mais prejudicadas figura a Tecnisa, cujas ações desvalorizaram-se 53,62% nos 12 meses encerrados em 8 de outubro, de acordo com dados da Economatica. Como não está a seu alcance a possibilidade de mudar o entorno, a empresa tenta fazer o que pode do tapume para dentro, com promoções para desovar estoques, redução de despesas e venda de ativos, sobretudo terrenos.

Diante de um cenário econômico muito pouco convidativo e de incertezas políticas além do normal, a companhia deve por enquanto manter o jejum de lançamentos que vem desde 2016 — isso depois de ter lançado apenas um empreendimento em 2015. Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores da Tecnisa, Flávio de Capua, a incorporadora tem hoje quatro projetos prontos para serem lançados quando a situação política e econômica melhorar. Por ora, diz o executivo, a ordem é reduzir estoques. “Depois de quatro anos difíceis, por mais que se crie expectativa, o retorno da demanda é muito pontual. O maior aquecimento está concentrado nas vendas de imóveis do segmento econômico”, afirma o sócio-diretor da consultoria VBI Real Estate, Rodrigo Abbud. E o nicho da Tecnisa está na média e alta renda.

Estoque incômodo

Para se ter uma ideia do problema, no fim do segundo trimestre deste ano, a empresa tinha em estoque 2.593 unidades — o que equivale (considerando apenas a participação da Tecnisa nos empreendimentos) a 883 milhões de reais. Importante considerar que o estoque é alto apesar de a companhia ter deixado de colocar novas unidades do mercado — as últimas foram as de seis projetos lançados em 2016. Não é à toa que os balanços indicam queda brutal na receita operacional líquida. Em 2017, a Tecnisa faturou 299 milhões de reais, muito menos que o 1,794 bilhão de reais registrado no balanço de 2013 — ano em que a Tecnisa lançou 18 empreendimentos, com valor geral de vendas de 1,8 bilhão de reais.  Pelo menos a empresa tem conseguido amenizar as perdas. Seu prejuízo caiu de 203,4 milhões de reais no primeiro semestre de 2017 para 139,5 milhões de reais na primeira metade deste ano.

O problema é que, com tantos imóveis encalhados e sem perspectiva de quando uma melhora do ambiente econômico permitirá a retomada dos lançamentos, a volta do lucro fica distante. “Acreditamos que a dinâmica de lucros deve permanecer fraca por um tempo”, escreveram em relatório os analistas do BTG Pactual Gustavo Cambauva e Elvis Credendio. No texto, distribuído a clientes depois da divulgação dos resultados do segundo trimestre, eles projetam um lucro de 29 milhões de reais para a Tecnisa — mas só em 2019.

Entretanto, eles destacam como fator positivo o fato de o ritmo de retração das vendas contratadas líquidas (10% entre abril e junho em relação a igual período do ano passado) ter sido menor que o de queda dos distratos (67%). Ou seja, a empresa vendeu menos, mas em compensação registrou uma retração maior das desistências de compra. Vale lembrar que os distratos têm um efeito duplamente negativo para a empresa: significam saída de caixa e entrada de unidades no estoque — e elas provavelmente serão revendidas com descontos compatíveis com tempos de demanda fraca.


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Mas nesse ponto, pelo menos, há uma expectativa positiva, relacionada à possibilidade de uma lei para disciplinar o tema. O projeto de lei 1.220/15, já aprovado pela Câmara e agora em tramitação no Senado, com chances de ser apreciado ainda neste ano, estabelece que as empresas poderão reter até 50% do valor pago pelo consumidor que desistir da compra de um imóvel. Trata-se de uma evolução e tanto em termos de segurança jurídica, já que hoje, sem regulamentação, a questão não raramente vai parar na Justiça, com impactos imprevisíveis sobre as finanças das incorporadoras e construtoras.

Na Tecnisa, os distratos somaram 51 milhões de reais no segundo trimestre deste ano, praticamente o mesmo valor da sua receita operacional líquida no período, de 57,7 milhões de reais. “Enquanto não se regularizar a questão dos distratos, as empresas vão continuar convivendo com esse fantasma”, comenta Abbud, da VBI Real Estate, reforçando que em muitos casos os imóveis de revenda têm descontos de 20% a 40%.

Corte de custos

Tantas dificuldades obrigaram a Tecnisa a ajustar seu tamanho às circunstâncias. Em 24 de março do ano passado, a empresa divulgou a meta de registrar despesas gerais e administrativas de 75 milhões de reais em 2017 e de 60 milhões de reais em 2018. Já foi bem-sucedida no ano passado, com gastos ligeiramente acima do estabelecido (76 milhões de reais) e segue pelo mesmo caminho em 2018 — a redução de janeiro a junho foi de 30 milhões de reais.

Um bom exemplo do esforço da empresa para reduzir gastos está na mudança da sua sede, que agora ocupa uma área menor e com valores mais baixos de locação e condomínio — isso apesar de ter continuado na cobiçada região da Avenida Faria Lima, em São Paulo. O diretor de RI estima que a mudança represente uma economia de 70%. Além disso, a Tecnisa fechou escritórios em Manaus e Fortaleza. E o quadro de funcionários atualmente é 25% menor que o de três anos atrás. “A empresa está mais leve e competitiva. Vamos nos concentrar no mercado de São Paulo, mais lucrativo”, afirma Capua.

Tecnisa em crise, Crise faz Tecnisa virar gestora de estoques, Capital Aberto

Infografia: Rodrigo Auada

A redução da operação da Tecnisa fora do Sudeste faz parte de um contexto mais amplo, de uma espécie de ressaca depois do boom das incorporadoras na bolsa há cerca de dez anos. Com várias empresas com dinheiro em caixa para comprar terrenos ao mesmo tempo, os preços dispararam; muitas, então, decidiram se aventurar em outros mercados para continuar crescendo — foi o caso da Tecnisa. “Tentamos replicar nosso modelo em novas praças, mas não tivemos sucesso. Quando percebemos que não seria possível capturar todos os ganhos, tomamos a decisão estratégica de vender os terrenos fora de São Paulo”, conta Capua. De acordo com ele, a venda dessas áreas rendeu cerca de 290 milhões de reais à empresa. A Tecnisa ainda tem em carteira 200 milhões de reais em imóveis em Brasília e em Curitiba, suas últimas operações fora de São Paulo. “São praças importantes, com produtos diferenciados, mas a velocidade de venda está muito lenta”, confessa.

Em São Paulo, a Tecnisa é sócia majoritária do principal projeto imobiliário em curso no País, lançado em 2013: o Jardim das Perdizes, na zona oeste da cidade, que tem um valor geral de vendas de 6,2 bilhões de reais. Mas apenas 2,4 bilhões de reais foram lançados e 80,4% estavam vendidos até o dia 30 de junho. No papel, o Jardim das Perdizes completo tem 28 torres, com unidades de 80m² a 283m², mas apenas 14 foram lançadas até agora. O problema é que o bairro foi desenhado para compradores de média e alta renda, o nicho de demanda mais enfraquecido. “Temos a vantagem de o terreno estar praticamente quitado. Quando voltarmos a lançar, haverá apenas os gastos com a construção das demais torres”, pondera Capua.

Enquanto espera a volta dos clientes, a Tecnisa investe no uso de big data e inteligência artificial para encontrar potenciais compradores e ser assertiva na oferta. As ferramentas podem diminuir o custo com marketing dos atuais 6% do valor do imóvel para cerca de 2,8%. Ainda na seara tecnológica, a companhia aceita criptomoedas, como o bitcoin, como pagamento. “Com a maior liquidez desse mercado, poderemos receber até 300 mil reais em bitcoins”, diz o diretor de marketing e ambientes digitais, Romeo Busarello. Ironicamente, a boia de salvação de uma empresa que vive de coisas tão concretas quanto tijolo e cimento pode vir do mundo virtual.

 


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