A lei que criou os certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) determinou que esses títulos sejam lastreados em “créditos imobiliários”, sem, entretanto, detalhar o que poderia ser considerado um “crédito” e tampouco o que lhe atribuiria a qualidade “imobiliária”. Essa ausência de definição sempre gerou controvérsia no mercado e, diante disso, o papel da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem sido determinante para a criação do conceito. A autarquia enfrentou a questão diversas vezes nos últimos anos e, na maioria dos casos, adequou a definição às práticas e necessidades de um mercado naturalmente dinâmico, oferecendo a necessária evolução para o conceito e tentando manter a segurança essencial para qualquer ambiente de negócios.
Inicialmente a definição era restrita. Eram “créditos imobiliários” apenas aqueles provenientes de contratos de compra e venda de bens imóveis. A primeira evolução ocorreu em 2002, quando a CVM estabeleceu que os créditos oriundos de contrato de locação poderiam ser incluídos na definição. No ano seguinte, o regulador reexaminou o tema, determinando que o “crédito imobiliário” que poderia servir de lastro ao CRI seria aquele proveniente da “exploração de um imóvel”, ou do “financiamento do imóvel”, mas não aquele que representasse uma dívida tomada para investimento em imóvel.
Em 2013, a CVM se debruçou sobre o conceito de “créditos imobiliários por destinação”, assim chamados os créditos que, apesar de não terem origem imobiliária, seriam destinados para essa atividade. No caso analisado, uma empresa de rede hospitalar pretendia captar recursos para financiar a aquisição de terrenos e a edificação de prédios hospitalares via emissão de debêntures, que serviriam de lastro para a emissão de CRIs. Naquela oportunidade, contrariando a opinião do mercado e também a decisão da área técnica do órgão, o colegiado entendeu que as debêntures em questão não eram viáveis como lastro de CRI, uma vez que o fluxo de pagamento da operação proposta não estaria relacionado à exploração de atividade imobiliária, notadamente de imóveis de propriedade da empresa, mas sim às receitas oriundas da consecução de sua atividade empresarial hospitalar e, portanto, carente de natureza “imobiliária”.
Por muito tempo essa decisão gerou dúvidas quanto à posição da CVM sobre créditos por destinação serem aptos ou não a lastrear uma emissão de CRI. Até que, em 2016 o tema foi oportunamente revisitado em outra emissão de CRI com estrutura similar (debêntures cujos recursos teriam destinação imobiliária). O registro dessa operação foi acertadamente aprovado, tendo a CVM considerado que: os recursos captados pela oferta seriam direcionados a imóveis previamente identificados; a verificação da destinação dos recursos seria realizada pelo agente fiduciário; e o objeto social da emissora era “imobiliário”. Nesse passo, a decisão dissipou boa parte das dúvidas que o mercado tinha até então sobre esse assunto específico.
No final do ano passado, a CVM foi consultada pela mesma rede hospitalar em nova operação com características similares à anteriormente negada. Entretanto, na oportunidade, tanto a área técnica como o colegiado autorizaram o registro da oferta, sob o argumento de que embora a companhia não tivesse como objeto social atividade tipicamente imobiliária, restou comprovado que realizaria o efetivo direcionamento dos recursos à atividade imobiliária. Dessa forma, a CVM aprimorou novamente o conceito, removendo a necessidade de que a devedora tenha objeto social imobiliário, desde que os recursos fossem de fato investidos em imóveis identificados e que a verificação dessa destinação fosse feita pelo agente fiduciário.
Em sua mais recente decisão, a CVM novamente ampliou a interpretação ao determinar que créditos de instrumentos particulares de empréstimo com pacto adjeto de alienação fiduciária de imóvel tomados por pessoas naturais (home equity), ainda que não destinados a qualquer atividade imobiliária, serviriam de lastro para emissão de CRI já que, entre outros argumentos: o proprietário tira proveito econômico do seu imóvel para obter recursos a custos reduzidos; existe vinculação entre a garantia e a satisfação do crédito; e o Banco Central já interpreta esse tipo de crédito como imobiliário.
A decisão, apesar de não ter sido unânime, certamente expande a gama de estruturas disponíveis aos participantes do mercado. Estritamente com base nos fundamentos apresentados por parte do colegiado, talvez a próxima decisão da comissão estabeleça que, não apenas empréstimos tomados por “pessoas naturais”, mas também aqueles tomados por pessoas jurídicas, integrem a definição de “crédito imobiliário”, sempre e quando garantidos por alienação fiduciária.
*Bruno Gagliardi ([email protected]) é sócio de NFA Advogados; Luiz Marujo ([email protected] ) é associado do mesmo escritório
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