Legaltechs ainda têm grande potencial a ser explorado
Tradicional resistência do ecossistema jurídico a mudanças emperra crescimento mais acelerado dessas startups
Legaltechs ainda têm grande potencial a ser explorado

Imagem: cornecoba | Freepik

A afirmação já virou lugar-comum: a pandemia de covid-19 é um catalisador de inovações tecnológicas cuja disseminação ocorreria gradualmente, ao longo dos anos. No caso das legaltechs e lawtechs, no entanto, o impacto da crise pode mesmo ser mais profundo que a simples aceleração de uma tendência. Afinal, o Direito é secular, e tem nas suas convenções e tradições elevadas barreiras que dificultam a aceitação de novos modelos. Não por acaso, enquanto fintechs, edtechs e healthtechs usaram a crise para consolidação e expansão de mercados, as startups ligadas ao mundo do Direito parecem ainda estar nos primeiros passos em direção à concretização de seu potencial — que é imenso.

“O Direito está passando por uma primeira fase de digitalização, em que o objetivo é adaptar o que era analógico para se ganhar eficiência. A verdadeira disrupção ainda está por vir, e deve gerar uma explosão de novas tecnologias”, afirma Daniel Marques, diretor-executivo da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L). Ao lado de Flávio Ribeiro, CEO da startup jurídica NetLex, e de Marcos Toledo, sócio-gestor do fundo de venture capital Canary, Marques participou de encontro na Conexão Capital cujo tema foi o desenvolvimento das lawtechs e legaltechs no Brasil em tempos de pandemia. A dupla nomenclatura, a propósito, está mais relacionada à origem do termo do que à atuação de cada negócio: legaltech é um conceito americano e lawtech é uma designação usada na Europa.

Entre laws e legals, as techs jurídicas já somam 220 negócios no Brasil, segundo cálculos da AB2L — um crescimento de 1.100% entre 2017 e 2020. As frentes de atuação incluem gestão digital, resolução de conflitos online, acompanhamento processual digital e automatização de processos, contratos e documentos. A maior parte das soluções se concentra naquilo que no jargão jurídico se conhece como “mato alto”: problemas bastante visíveis que não exigem soluções 100% inovadoras. “É um setor com muita oportunidade para se empreender, porque grande parte das ideias envolve simplesmente organizar o serviço com uma cabeça de business, de eficiência”, argumenta o gestor do Canary, que tem três legaltechs na carteira de investimentos.

Na opinião dos participantes do encontro, a digitalização do meio jurídico demora a deslanchar por duas razões principais: resistência do próprio ecossistema do Direito e falta de investimentos. “Empreender em legaltechs é para heróis, porque o Direito é o setor mais reticente que existe em termos de inovação. Até pouco tempo atrás, era possível exercer muito bem a missão e função jurídicas sem usar tantas ferramentas tecnológicas. Word e Excel eram suficientes”, opina Marques. Ribeiro acrescenta que o âmbito jurídico foi colocado de escanteio no início do processo disruptivo. “A onda de investimentos em tecnologia antes da pandemia era muito concentrada em marketing e vendas, segmentos que davam retorno mais imediato. Com a crise, ficou claro o quanto o setor jurídico estava submetido à ineficiência e à falta de controle por ausência de tecnologia”, avalia.

Como CEO de uma plataforma especializada em automatização e gestão de documentos, Ribeiro defende que as soluções oferecidas pelas startups são benéficas para todo o ecossistema jurídico, até mesmo para aqueles escritórios que cobram por hora e que — teoricamente — se beneficiariam de processos demorados. “Um advogado que cobra por hora costuma estabelecer um teto de pagamento por tempo trabalhado. A ineficiência da burocracia faz com que ele trabalhe muito mais que o necessário, inclusive estourando esse limite. Um dos nossos clientes chegava a ultrapassar o teto em 47% na média dos casos trabalhados”, relata.

Antes da pandemia, esses não eram argumentos suficientes para colocar as legaltechs no radar do mercado jurídico. Estudo recente da AB2L, feito em parceria com o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), mostra que apenas 22% dos escritórios usam os serviços de lawtechs. Para o diretor da entidade, a baixa adesão está diretamente relacionada a custos. “Os escritórios menores são os que menos adotam a inovação porque ainda é um processo caro. Há também aqueles que classificam as legaltechs como modismo. E o que se provou foi justamente o contrário, segundo o estudo: os escritórios mais conectados a essas soluções foram os menos impactados pela crise da covid-19”, observa Marques.

Com a experiência forçada na direção da tecnologia, a expectativa é de que o universo do Direito fique mais aberto — não só para as tecnologias já existentes, mas também para uma segunda fase de disrupção. Nessa etapa, a ideia é deixar de simplesmente automatizar processos e passar a repensar a própria lógica dos procedimentos, tanto dos escritórios quanto dos departamentos jurídicos das empresas. É possível, por exemplo, imaginar um cenário de estruturação de dados que ofereça um novo olhar para a jurisprudência. “É comum que advogados defendam que essa ou aquela jurisprudência é a majoritária, mas não existe um estudo ou levantamento que comprove essa percepção. É um verdadeiro caos de dados, e isso pode ser melhorado com ferramentas tecnológicas”, destaca Ribeiro.

Entre as tendências, as principais apostas são o fortalecimento da mediação online, a maior integração dos departamentos jurídicos corporativos com as áreas de marketing e atendimento, a evolução dos modelos de contrato e uma possível disrupção na área tributária. “A empresa que conseguir usar tecnologia para ajudar empresas e pessoas a navegar no emaranhado tributário que existe no Brasil vai destravar muito valor. É uma grande oportunidade”, completa Toledo.


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