Leis ou explicações?
Diante do ativismo reticente dos investidores no mundo e, mais ainda, na América Latina, autoridades querem esperar menos e regular mais

, Leis ou explicações?, Capital AbertoO ano de 2010 encerra uma década memorável para a governança corporativa na América Latina (AL). Apesar de terem mercados de capitais pouco expressivos — com a devida ressalva ao Brasil e sua guinada a partir de 2004 —, os principais países da região empenharam-se em melhorar. Uma testemunha dessa evolução foram as mesas-redondas promovidas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Reunindo autoridades e especialistas de vários países da AL, elas estimularam discussões sobre como disseminar as melhores práticas na região. Na mais recente edição do evento, realizada em dezembro na cidade de Santiago, no Chile, as conquistas alcançadas ficaram evidentes ao longo de um dia e meio de palestras e debates. Mas a crise financeira internacional, que mudou os paradigmas das discussões sobre governança no mundo todo, parece ter abalado também algumas convicções consolidadas por aqui. Dentre elas, a de que uma das formas mais eficazes de fomentar a governança é seguindo o caminho das adesões voluntárias.

, Leis ou explicações?, Capital AbertoA primeira provocação sobre esse ponto durante a mesa-redonda veio de um participante de fora da América Latina. “Devemos continuar com o sistema ‘comply or explain’ ou dar um passo adiante?”, questionou Juan Munguira, consultor legal para assuntos internacionais da Comisión Nacional de Mercado de Valores (CNMV), o órgão regulador espanhol. O sistema “pratique ou explique” foi adotado pela Espanha em 2006, quando lançado o Código Unificado de Governança, aplicável a todas as companhias listadas em bolsa de valores no país. Sua proposta não é exigir o cumprimento das práticas recomendadas, mas sim explicações das companhias para as não conformidades. O mesmo sistema prevalece na América Latina, adotado por Argentina, Colômbia, México e Peru. “Temos uma decisão a tomar entre os reguladores. (…) Como fazer valer certos princípios se eles têm caráter voluntário?”, indagou Munguira.

O país anfitrião do encontro não tem muitas dúvidas sobre como resolver essa questão. Em outubro, a presidente Michelle Bachelet sancionou uma nova lei de sociedades anônimas para o Chile, impondo uma série de normas de governança para as companhias emissoras de valores mobiliários. “Não podemos seguir esperando uma autorregulação voluntária que nunca chega e que, além do mais, não é a substituta perfeita do marco legal de um país, como demonstraram as evidências lá fora”, disse Héctor Lehuedé, assessor do ministro da Fazenda do Chile. Aspirante a entrar no grupo de países da OCDE, o Chile achou que era melhor não pagar para ver. Seguindo sua tradição de resolver assuntos na base da canetada, introduziu uma série de obrigações para , Leis ou explicações?, Capital Abertoos emissores de valores, atendendo às preocupações da organização internacional (ver matéria na página 12).

A apatia dos investidores é o que preocupa os reguladores espanhol e chileno. “Eles são mais passivos do que pensávamos. Seus próprios problemas de governança fazem com que não reajam como esperávamos quando imaginamos o sistema comply or explain”, disse Guillermo Larraín, presidente da Superintendencia de Valores y Seguros, a comissão de valores mobiliários chilena. Ele defendeu que o “pratique ou explique” só teria resultados efetivos se os investidores assumissem o papel de batalhar por melhores práticas nas companhias que não cumprem as recomendações e nem se explicam adequadamente. Munguira recorreu ao baixo ativismo dos investidores nas assembleias gerais para justificar a sua desconfiança quanto à eficácia dos sistemas de adesão voluntária. “Estamos dependendo de um árbitro que já deu provas de que não funciona bem.”

Ativismo limitado

Cobrar uma postura mais enérgica dos investidores tem sido uma tônica das discussões sobre governança desde a eclosão da crise financeira. E não há dúvida de que, nos países em que o capital está concentrado nas mãos de acionistas controladores, esse é um tema ainda mais preocupante. A América Latina apresenta forte tradição de empresas familiares e estrutura de propriedade concentrada. Até o Chile, que passou por um processo de privatização voltado à dispersão acionária, não conseguiu escapar dessa sina: em 2007, a participação do principal acionista nas companhias listadas em bolsa era de, em média, 50,7%. Com exceção do Chile e do segmento de listagem premium do Brasil, o Novo Mercado, as ações sem direito a voto ainda representam boa parte das negociações nas bolsas de valores da região.

E mesmo para aqueles que têm voto não é fácil fazer-se representar nas assembleias-gerais. Apesar dos incentivos recentemente introduzidos por Chile (com a nova lei) e Brasil (com a Instrução 481), os sistemas eletrônicos de votação ainda são pouco difundidos. Muito mais práticos, principalmente para o acesso de investidores estrangeiros, eles ajudariam a fugir das burocráticas regras de reconhecimento de voto. “São tantas as exigências que alguns votos simplesmente não chegam às empresas porque são rejeitados antes, pelos bancos custodiantes”, disse Dwight Clancy, analista da Glass Lewis & Co, referindo-se aos problemas que enfrenta no Brasil.

Limitações aos investimentos dos fundos de pensão em renda variável também em nada ajudam o ativismo. No México, por exemplo, as fundações estão proibidas de aplicar diretamente em ações de companhias listadas em bolsa. Na Colômbia, apenas 5,6% dos US$ 37 bilhões dos fundos de pensão estão em ações. Na Argentina, só 15% — e os fundos de pensão privados ainda foram nacionalizados pelo governo Kirchner em janeiro de 2009, limitando as chances de mudança desse cenário no médio prazo.

Depois da crise financeira, esse panorama ficou ainda pior. Com os portfólios murchando no mesmo compasso da bolha do crédito imobiliário, investidores internacionais viram os custos fixos de suas gestoras crescer em relação às receitas. “Agora o tempo e os recursos estão mais escassos”, avaliou Paul Clark, analista da Risk Metrics. Munguira, da Espanha, já nem espera mais dos investidores uma postura ativista. “A governança não é responsabilidade dos gestores de fundos. O papel deles é entregar rentabilidade aos seus clientes”, afirmou.

Mudanças em curso

Muita gente não concorda com essa ideia. Para Paul Lee, executivo do Hermes Equity Ownership Services, que tem como filosofia investir em empresas e lucrar com os avanços em governança, há uma clara correlação entre as boas práticas das investidas e a rentabilidade. “Pressionar por mais governança não é um dever social, mas sim uma obrigação fiduciária com os clientes”, disse Lee. Para ele, a luz que a crise financeira acendeu sobre a passividade dos investidores já começou a gerar efeitos positivos. “Muitos fundos de pensão estão vindo falar conosco, interessados no trabalho que fazemos. Eles perceberam que estavam mais focados no curto prazo do que deveriam”, afirmou. Além de gerir recursos com olhos na governança, o Hermes faz esse trabalho para outros investidores que não têm a mesma expertise.

Na América Latina, o ambiente regulatório dos investimentos institucionais também avança. Os fundos de pensão do México ficaram um pouco menos engessados a partir de julho do ano passado. Uma norma emitida pelo órgão regulador, a Comisión Nacional Bancaria y de Valores (CNBV), criou a figura de fundos de investimento (trust funds) habilitados a investir em ações de companhias listadas em bolsa e a receber recursos das fundações. As cotas emitidas por esses fundos são chamadas de Certificado de Capital de Desarrollo (CCD), e as instituições de previdência podem investir nelas até 10% dos seus portfólios. No Brasil, em setembro, o Conselho Monetário Nacional ampliou de 50% para 70% os limites de aplicação em ações dos fundos de previdência. Os maiores tetos só poderão ser alcançados se os investimentos forem em companhias negociadas nos segmentos de governança da BM&FBovespa.

No Chile e no Peru, as normas aplicáveis às entidades de previdência já favorecem não apenas o investimento em renda variável, mas também o ativismo. No Chile, elas são obrigadas a votar em todas as assembleias das companhias em que investem. No Peru, é requerido por lei que os representantes das fundações manifestem sua opinião sobre cada um dos temas votados nas assembleias, defendam seus direitos como investidor e promovam a adoção de práticas de governança nas empresas. “Há exemplos suficientes, não só na América Latina, mas também globalmente, de investidores institucionais obtendo retornos positivos por desempenhar um papel ativo e retornos ruins por não atuar dessa forma”, disse o white paper revisado da OCDE sobre o papel dos investidores institucionais na AL, apresentado durante a conferência. O documento ficou aberto a comentários até o último 16 de dezembro, e uma versão final deverá ser divulgada em breve.

Mais “comply” ou “explain”?

Acreditando que os investidores vão fazer cada vez mais — e melhor — a sua parte, Lee, do Hermes, sugere que os reguladores apostem, sim, no modelo “pratique ou explique”. “Funciona muito mais do que colocar todas as companhias sob um regime único de governança, que não necessariamente será o mais adequado a cada uma delas”, ponderou. Segundo ele, as explicações, em diversos casos, podem ser muito mais informativas para os investidores do que a conformidade com a regra. A boa explicação demonstra a capacidade de disclosure da companhia, enquanto a ruim dá uma ideia de como os administradores da empresa se sentem mais confortáveis. “A partir daí, podemos decidir se essa é uma empresa da qual devemos sair ou, ao contrário, se é o caso de tentar mudá-la.” Paul Clark, da RiskMetrics, concorda com Lee: “Quando você tem todas as companhias marcando caixinhas, não sabe quais são boas e quais são ruins, porque todas fazem a mesma coisa.”


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