Companhia à venda
Transferência de controle

, Companhia à venda, Capital AbertoOperações que envolvem mudanças no controle acionário de uma companhia podem se tornar celeiros de conflitos entre acionistas, administradores e até reguladores. No Brasil, as disputas ocorreram — e ainda ocorrem — em razão de uma característica básica do nosso universo corporativo: o controle acionário. Controladores tradicionalmente se veem no direito de receber mais que os acionistas minoritários. E estes últimos avançam na luta contra os prêmios e os benefícios privados de controle.

Para minimizar as diferenças, a lei criou a figura do tag along, que garante aos acionistas minoritários vender sua participação por preço próximo ao pago pelas ações do controlador quando o poder de controle é alienado (a Lei das S.As., após a reforma de 2001, determina a proporção mínima de 80%). As polêmicas surgem quando a venda desse controle é praticamente imperceptível. E se agravam nas companhias com controle minoritário ou totalmente desprovidas de controlador, com capital composto somente de ações ordinárias. Não podendo mais receber prêmios de controle, empresários trataram de se armar com “poison pills” e preservar seu status quo. A questão hoje, para controladores e investidores, é como se livrar desse veneno.

Depois de terem recebido várias críticas do mercado, as poison pills devem ser evitadas por companhias que desejam abrir o capital?

Advogados que recomendaram a adoção de poison pills costumam dizer que as pílulas não são necessariamente boas nem ruins; o importante é que a dosagem seja adequada. Ou seja, prêmios elevados demais, que inviabilizam a entrada de um investidor benéfico para a companhia, devem ser evitados, assim como gatilhos muito baixos, que tendem a afastar qualquer comprador interessado. O dispositivo conhecido como “cláusula pétrea”, que acompanha muitas das poison pills, é considerado o pior problema. Essa cláusula funciona como uma ameaça, determinando que os acionistas que votarem a favor da exclusão de uma poison pill terão de cumprir os ritos prescritos pela pílula. Em outras palavras, isso significa que a responsabilidade pela realização da OPA passa a ser desses acionistas.

As chamadas cláusulas pétreas presentes em poison pills são ilegais?

Ficou difícil defender a legalidade das cláusulas pétreas depois que a Companhia de Valores Mobiliários (CVM), em junho de 2009, emitiu o Parecer de Orientação 36, afirmando que não vai punir acionistas que votarem favoravelmente à retirada da poison pill, ainda que eles não realizem a oferta pública prevista no estatuto. O entendimento do regulador é de que esse tipo de disposição estatutária não é compatível com “diversos princípios e normas da legislação societária em vigor, em especial os previstos nos artigos 115, 121, 122, I, e 129 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976”. Porém esse compromisso assinado pela CVM não foi suficiente para tranquilizar os investidores — como pôde comprovar a companhia ABnote, cujos acionistas tiveram receio de serem castigados se votassem a favor da exclusão da pílula e acabaram se abstendo na assembleia. Parece claro que as cláusulas pétreas são juridicamente inválidas, por imporem um ônus a um acionista que está simplesmente exercendo o seu direito de votar. Mas há quem as considere um direito adquirido por todos aqueles que se tornam investidores da companhia: o de receber uma oferta pública nos termos do estatuto. Portanto, alguns investidores poderiam brigar perante o Poder Judiciário para que o estatuto fosse cumprido, criando uma situação onerosa para quem ousasse desprezar a cláusula pétrea. Por tornarem remotas a supressão da pílula do estatuto e a entrada de qualquer investidor relevante na companhia, essas cláusulas provavelmente não vão aparecer mais nos futuros IPOs, acredita Carlos Motta, sócio do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados e criador de uma série de pílulas de veneno.

A incorporação de ações ou da companhia anula os efeitos de uma poison pill blindada com cláusula pétrea?

Incorporações que envolveram companhias do Novo Mercado nos últimos anos não acionaram o mecanismo de proteção à dispersão acionária. Um argumento recorrente diz que o objetivo da poison pill é evitar que o controle da empresa seja adquirido sem que o prêmio pago por ele seja igualmente distribuído entre todos os acionistas. Nas incorporações de companhias com 100% do capital composto de ações ordinárias, notadamente aquelas que fazem parte do Novo Mercado e contêm pílulas de veneno, há uma única relação de troca para todos os acionistas. Em tese, o prêmio já é distribuído equitativamente. Várias empresas trataram de deixar claro em seus estatutos que a poison pill não se aplica no caso de o percentual de participação que obriga a realização da OPA ser atingido em decorrência de uma incorporação ou de uma subscrição de ações em emissão primária aprovada em assembleia. Foi o que ressaltou a superintendência de registro de valores mobiliários da CVM numa manifestação pública de 2008. Nesse pronunciamento, a CVM também destacou que a OPA discriminada no artigo 254-A da Lei das S.As. é obrigatória apenas para alienações de controle, e não incorporações.

Então as incorporações resolvem o problema das poison pills?

Nem sempre. No geral, essas operações só ocorrem quando o investidor — no caso, a sociedade incorporadora — é do mesmo setor de atuação da incorporada. Fundos de private equity, por exemplo, não têm como recorrer a essa fórmula. “Vários fundos de participação desistiram de ingressar em companhias que tinham poison pill e cláusula pétrea”, conta Carlos Motta, do Machado, Meyer.

Quando o controle de uma companhia com poison pill é alienado, quais os termos que devem ser seguidos para a realização da oferta pública de aquisição obrigatória: os da pílula ou aqueles previstos na Lei das S.As.?

O artigo 254-A da Lei da S.As. estabelece que, na alienação de controle, o adquirente deve fazer uma oferta pública de aquisição aos acionistas titulares de papéis com direito a voto, pagando no mínimo 80% do valor desembolsado por ação integrante do bloco de controle. Esse direito dos acionistas minoritários é chamado de tag along. Uma poison pill que defina um prêmio elevado poderia, eventualmente, tornar a OPA obrigatória mais cara que o tag along. Isso criaria uma situação “sui generis”, em que os minoritários receberiam mais que o controlador. Para boa parte dos especialistas, porém, tendem a prevalecer os termos do tag along. “As poison pills devem ser interpretadas com muitas ressalvas”, acredita o advogado Paulo Salles de Toledo, professor de direito comercial da Universidade de São Paulo (USP). O espírito de uma pílula de veneno, em princípio, é impor condições de preço para uma oferta hostil de aquisição de controle. E a aquisição das ações de posse do acionista controlador não representa uma oferta hostil. Além disso, o tratamento dado pela lei para esse tipo de operação (que dá origem ao tag along) já busca oferecer condições justas para os minoritários. Mas como a redação das poison pills é pouco clara sobre esse ponto, é possível que surjam controvérsias a respeito do entendimento jurídico quando forem seguidas apenas as regras do 254-A.

Em que situações uma poison pill poderia ser considerada positiva?

Mesmo quem critica veementemente essas cláusulas aceita a pílula em algumas situações. A presença de uma poison pill em uma companhia com controle difuso ou capital pulverizado torna mais difícil o surgimento repentino de um controlador desalinhado com os interesses dos demais acionistas, ou de uma oferta pública de aquisição hostil (como são chamadas as ofertas apresentadas sem negociação prévia) que atribua às ações da empresa um preço ruim. Se o objetivo é evitar apenas os maus negócios, recomenda-se que o estatuto delegue à assembleia-geral a decisão sobre a aplicabilidade da pílula. Como lembra Norma Parente, ex-diretora da CVM, “a chegada de um novo controlador pode ser boa”. Nada melhor que os acionistas para fazer esse julgamento. A companhia de telecomunicações GVT, antes de ser adquirida pela Vivendi, deixou que seus acionistas dispensassem a cláusula para a entrada do grupo francês. A Vivendi não quis pagar o alto preço exigido na poison pill pelas ações de emissão da GVT. Se não tivesse uma pílula, entretanto, a GVT estaria sujeita a ofertas hostis com valores piores que o acertado com a Vivendi, que nem precisariam do aval da assembleia.

Por que acionistas aceitariam vender seus papéis numa oferta pública de aquisição que não atribua um valor justo pela companhia?

Acadêmicos estrangeiros falam da teoria de “pressure to tender”, segundo a qual acionistas de uma companhia-alvo de uma oferta pública de aquisição são “pressionados” a aceitar um preço abaixo do considerado justo. O motivo para isso está no receio desses acionistas de que o adquirente consiga comprar o controle mesmo sem a adesão de toda a base acionária à oferta. Sob essa ótica, os minoritários que se recusam a participar da oferta correm o risco de ficar com uma participação minoritária de menor liquidez e baixo valor.

A alienação de menos de 50% das ações votantes de uma companhia obriga a realização de oferta pública de aquisição nos termos da Lei das S.As.?

O artigo 254-A da Lei das S.As. é claro: a oferta pública de aquisição de ações ordinárias é obrigatória quando existe uma alienação de controle. A alienação de controle é definida como a transferência de ações do bloco de controle (ou de valores mobiliários ou direitos conversíveis em ações que venham a resultar na alienação do controle acionário da sociedade) para terceiros. “O desafio está em identificar o exercício de um controle minoritário”, observa Nelson Eizirik, sócio do escritório Carvalhosa e Eizirik Advogados. Por mais que o artigo 116 da lei defina quem é o acionista controlador (acionista ou grupo de acionistas titular de direitos que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas assembleias e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia — e que exerça tais direitos para orientar os negócios da companhia), na prática é difícil comprovar tal situação quando a companhia não tem nenhum acionista com mais de 50% das ações com direito a voto. A alienação de uma fatia minoritária da Telecom Italia, controladora indireta da TIM, levou a um julgamento polêmico da CVM no passado. Após a área técnica da autarquia ter enxergado uma alienação de controle minoritário, o colegiado da CVM voltou atrás, alegando falta de evidências para essa conclusão (leia quadro).

Transferências de ações entre integrantes de um bloco de controle podem ensejar tag along previsto no artigo 254-A da Lei das S.As.?

Aumentos de participação acionária de um integrante do bloco de controle nunca foram determinantes para a realização de oferta pública de aquisição de ações, na história recente da CVM. Esse assunto voltou à tona em 2008, quando o grupo Votorantim anunciou pela primeira vez a fusão de VCP com Aracruz, que juntas formariam a Fibria. Na época, o Votorantim fazia parte do bloco de controle da Aracruz com 28% do capital e, sem oferecer o tag along, queria elevar sua participação para 56% ao adquirir as ações detidas pela holding Arapar. Houve quem visse nessa mudança uma alienação de controle, já que, com tal participação, a Votorantim seria capaz de controlar sozinha a Aracruz. No fim, acabou havendo uma oferta pública de aquisição. Para muitos advogados, contudo, esse procedimento não seria necessário. Isso porque a Instrução 361 da CVM, que regula ofertas públicas de aquisição, afirma que alienação de controle implica a transferência do poder de controle para um terceiro — por dedução, alguém fora do bloco de controle. Apesar disso, o parágrafo quinto do artigo 29 da instrução alerta que a CVM poderá impor OPA por alienação de controle sempre que verificar ter ocorrido “alienação onerosa do controle de companhia aberta”. Ou seja, aspectos como o pagamento de prêmio e outros não previstos na instrução podem ser determinantes para a decisão do regulador.

Uma companhia com patrimônio líquido negativo pode ser cindida?

De acordo com o artigo 229 da Lei das S.As., a cisão é “a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes (…)”. Há quem argumente não ser possível fazer uma cisão quando o patrimônio líquido da companhia for negativo, pois, nesse caso, não há transferência real de recursos. Gustavo Moraes Stolagli, associado do escritório Veirano Advogados, salienta, no entanto, que a lei não faz nenhuma restrição a isso. Ele interpreta a cisão como uma segregação de ativos e passivos. Nesse sentido, a cisão de um patrimônio negativo poderia, inclusive, ter como objetivo criar uma sociedade com menos passivos que a anterior, o que despertaria o interesse de investidores.

Venda de controle minoritário dá tag along?

Em 2008, o colegiado da CVM modificou a decisão de uma área técnica da autarquia, que havia determinado a realização de uma oferta pública de aquisição dirigida aos titulares de ações ordinárias da operadora de celular TIM. O motivo fora a compra de 17,99% do capital da Telecom Italia, controladora indireta da TIM, pela Telco, consórcio que tem como principal acionista o grupo espanhol Telefônica.

Dos cinco diretores da CVM, apenas Marcos Barbosa Pinto e Eliseu Martins viram na operação uma alienação de controle. Eles foram vencidos pelos votos da presidente Maria Helena Santana, de Otavio Yazbek e Eli Loria. O curioso é que cada um desses três usou argumentos distintos para refutar a obrigatoriedade de oferta pública de aquisição. Para Eli Loria, a aplicação do artigo 254-A da Lei das S.As. não inclui a alienação de controle minoritário. Yazbek não encontrou evidências suficientes para caracterizar o poder de controle exercido pela Olimpia, que vendeu seus 17,99% para a Telco. Maria Helena recorreu à regulamentação italiana, pela qual a transferência dessa participação não desencadearia uma oferta pública.

A conclusão mais forte que se pôde tirar das argumentações dos diretores é a de que, caso o controle exercido pela Olimpia e posteriormente pela Telco fosse visível e demonstrável, pela primeira vez a CVM teria determinado o tag along após a alienação do controle minoritário. Até Otavio Yazbek admitiu a possibilidade de tag along nessas circunstâncias, embora a detecção desse tipo de controle, segundo ele, seja difícil. No caso específico da TIM, Yazbek considerou a missão impossível. (D.G.)


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