Ligações perigosas

A antecipação dos efeitos de uma notícia, por vezes até mesmo de um boato, sobre a estimação do preço de valores mobiliários é prática comum. Em grande medida, aliás, é isso o que fazem os operadores. O emprego de informações providas por pesquisas de intenções de voto ao cargo de presidente da República, antes de sua divulgação ao grande público, com a finalidade de auferir vantagens no mercado, reacendeu recentemente os debates sobre uma necessária imposição de limites à especulação.

Os mercados são incapazes de viver de certezas. A existência de um número ideal de pessoas dispostas a apostar na ocorrência de situações futuras e incertas é o que provê a liquidez necessária a inúmeros ativos, particularmente nos mercados futuros. Esse exercício divinatório oscila entre esoterismo e ciência, sob as tentativas de estabelecer padrões e, por fim, encontrar uma lógica capaz de informar quando um dado evento — de que se pode tirar proveito no mercado — irá acontecer. A especulação descamba para o ilícito de mercado quando o operador “cola na prova”. Em outras palavras, quando dispõe de uma informação que transmuda estimativa em certeza; como insider, ele detém, em razão de sua posição estratégica (no contexto de uma dada companhia emissora), um dado secreto e, portanto, privilegiado, nos termos do artigo 2º da Instrução 358 da CVM, editada em 2002. Mas esse não é bem o caso ao qual chamamos, aqui, a atenção do leitor.

A especulação descamba para o ilícito quando o operador tem uma informação privilegiada

A CVM percebeu, nos últimos dias, que a divulgação do resultado de pesquisas eleitorais determinava oscilações relevantes na quantidade de negócios e também no preço de ativos, a exemplo das altas acionárias da Petrobras e da Eletrobras. O resultado decorre, ao que parece, da antecipação de uma mudança no tratamento, caso a presidente Dilma não se reeleja, das atividades dessas sociedades de economia mista, para alinhá-las mais à geração de valor ao acionista do que ao desempenho de suas funções públicas. A preocupação da CVM, contudo, como xerife de mercado, era que os detentores dessas informações antecipassem condutas negociais em massa e tirassem proveito disso.

O que pouca gente sabe é que isso tudo não é novidade. A Deliberação 443 da CVM foi tirada em um contexto bastante semelhante, às vésperas de Lula se eleger presidente pela primeira vez, em 2002, sob clima de “malas prontas”. Na ocasião, a CVM concluiu que: 1. as pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos têm o potencial de influenciar a cotação de valores mobiliários, bem como a decisão dos investidores de comprar, vender ou manter tais ativos; e 2. o uso de informações apuradas nas referidas pesquisas, por parte das pessoas que têm acesso a elas antes de sua ampla divulgação pelos meios de comunicação, pode configurar uma vantagem indevida nas negociações com valores mobiliários, colocando os demais participantes do mercado em posição de desequilíbrio ou desigualdade.

Sob essas premissas, alertou os operadores de que o mau uso de informações pode caracterizar uma prática não equitativa, nos termos do inciso II, alínea d, da Instrução 8, de 1979. Por isso, determinou que agentes de mercado sujeitos às competências da autarquia informem-na da contratação de pesquisas de intenção de voto, sob pena de multa e demais penalidades cabíveis.

A atuação da CVM merece, nesse episódio, todos os aplausos, porque cuida para que uma crise de fiabilidade não arrisque os recentes e ainda frágeis avanços no desenvolvimento dos nossos mercados de capitais.


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