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Duas cordas
Luiz Olavo Baptista: “A linguagem é a ferramenta do advogado. E não se pode advogar sem suscitar emoções”
Foto: Régis Filho

Foto: Régis Filho

“Socorro, papai!” O susto durou pouco tempo: Ana Keiko, a filha de um ano e meio, tinha apenas colocado o dedinho na água do banho, e achado muito quente. “Ela é mais apegada à mãe, o que acho bom, pois a terá por mais tempo do que o pai”, observa o advogado, professor, jurista e árbitro Luiz Olavo Baptista, de 77 anos. “Mas sinto que tenho um papel, sou um fator de estabilidade e segurança para ela.”

O pedido de salvação que hoje enternece o advogado, cujos olhos brilham sempre que fala da filha, não é inédito na vida do fundador do escritório L.O. Baptista. Só na madrugada de 17 de dezembro de 1968 foram cerca de 300 — se considerados todos os estudantes do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) que ele conseguiu libertar depois da invasão do alojamento universitário por tropas militares. “Lembro-me da fila de pais, na porta da cadeia, para me dar procuração. Era a minha obrigação de advogado”, diz. “Mas não dava para fazer só isso, naquela época: precisava ganhar dinheiro, já que não cobrava de presos políticos.”

A defesa de pelo menos uma centena de perseguidos pela ditadura militar (ele prefere não computar os 300 daquela noite) é apenas uma linha no alentado currículo desse jurista, que se notabilizou como precursor na prática de arbitragem no Brasil. Por conta desse pioneirismo, Baptista foi o único brasileiro a integrar o órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC), de onde saiu um pouco antes de completar o mandato de oito anos, em 2008. A rotina de viagens a Genebra, que ficara mais dura depois da viuvez, acabou inviabilizada com a descoberta, quase ao mesmo tempo, de um câncer de próstata, uma deficiência na válvula aórtica e uma leucemia mieloide crônica.

A fase difícil, no entanto, ficou para trás. Livre das três doenças — a leucemia é controlada com medicação diária —, Baptista conseguiu voltar a se dedicar ao escritório, um de seus orgulhos: da primeira mesa, dividida com o amigo e advogado Eduardo de Abreu (“quando o cliente de um chegava, o outro descia para tomar um cafezinho”), até o escritório da Avenida Paulista, hoje com 150 funcionários, a trajetória foi intensa, sempre com jornadas de trabalho de 12 ou 13 horas diárias. “Houve uma fase em que, além de atuar no escritório, eu dava aulas na Fundação Getulio Vargas, na São Francisco [USP] e na PUC. E ainda era conselheiro na Associação dos Advogados [de São Paulo] e na Ordem [dos Advogados do Brasil, seção paulista].”

Ele conta que a especialização em direito internacional aconteceu naturalmente — mas apenas depois do dia em que acredita ter encontrado a sua vocação. Bom aluno e com facilidade para aprender idiomas, Baptista pretendia seguir a carreira diplomática, mas decidiu cursar Direito porque ainda não havia completado os 21 anos exigidos para a prova do Instituto Rio Branco. Em uma das primeiras aulas na PUC, um professor de quem nem gostava muito acabou chamando sua atenção. “Ele falou de uma justiça que eu desconhecia, a justiça distributiva, que buscava distribuir as coisas para tentar igualar as pessoas. Eu achava o conceito de justiça muito duro. Naquele momento, encontrei minha vocação.” Baptista faz uma pausa. Os olhos verdes brilham como se falasse da filha, e ele acrescenta: “Sou um instrumento de duas cordas. Uma é a liberdade e a outra é a Justiça”. O professor que o inspirou naquele dia da descoberta era André Franco Montoro (governador de São Paulo entre 1983 e 1987).

A diplomacia pode ter perdido um negociador, mas o mundo ganharia um advogado especializado em direito comercial. Em um dos primeiros escritórios onde trabalhou, um sócio que atendia aos clientes exportadores saiu da firma, e Baptista foi convocado a cuidar das papeladas em inglês e francês. Com os livros desse sócio, depois encontrados num sebo, acabou iniciando sua própria biblioteca de direito internacional. Alguns daqueles primeiros volumes estão hoje no seu Atelier Jurídico — nome de seu novo escritório, de decoração moderna, localizado em Moema, onde as paredes e divisórias são estantes recheadas por 5 mil livros de Direito e literatura, outra das paixões do advogado, também fotógrafo de paisagens e texturas.

Mas por que Baptista resolveu sair do endereço na Paulista e concentrar em Moema o projeto de se dedicar às arbitragens? Ele conta que, desde a OMC, já vinha promovendo uma “progressiva passagem de poder”, por causa da idade. “Tentei ficar por lá, mas vinham me consultar toda hora. Eu funcionava como banco de dados, conselheiro e até bombeiro, quando havia alguma briga.” A perspectiva de uma rotina mais sossegada também o atraiu, especialmente depois que ele e Adriane, a antiga estagiária que cobria uma licença de sua assistente nas arbitragens, começaram “a se ver de uma maneira diferente”. Dri, como chama a atual esposa, mãe de Ana Keiko, é quem hoje mais usufrui o escritório-biblioteca. “Apesar da diferença de idade [43 anos], ela já leu quase tudo que li. E outras coisas mais, porque também é ótima em alemão e aprendeu um pouco de russo para ler Dostoiévski.”

A paixão de Baptista pela literatura é conhecida dos antigos alunos e dos sócios. Em uma ocasião, promoveu no escritório da Paulista um concurso interno: os funcionários deveriam modificar versos de Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac ou Álvares de Azevedo, trabalhos que seriam avaliados anonimamente pelos colegas. O vencedor ganhou uma passagem para a Europa. “O poeta é alguém que sabe usar a sua ferramenta, a linguagem, para suscitar emoções. A linguagem também é a ferramenta do advogado. E não se pode advogar sem suscitar emoções.”

Ele desconversa, porém, quando o assunto são os seus hobbies artísticos. Apesar de já ter organizado um livro de fotografias do sogro — com paisagens do Brasil registradas entre 1953 e 1973 —, ele não pensa em publicar as próprias fotos, muito menos os poemas, escritos desde a juventude. “Seria um exercício de narcisismo”, alega. “Atualmente, tenho escrito haicais. É muito difícil. Gostaria de escrever em japonês, comecei a estudar o idioma, mas parei por falta de tempo.” Afinal, além de se dedicar a pareceres e arbitragens, hoje Baptista precisa estar disponível para os doces “pedidos de socorro” da pequena Ana.

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Rotina – Vai a pé ao escritório e passa o dia lendo os casos de arbitragem e estudando livros de Direito. “No momento, estou com duas arbitragens que envolvem o direito do seguro, então vou aprender sobre isso.” Ainda escreve artigos e faz conferências, mas parou de advogar e de dar aulas. “Quando chego em casa, antes do jantar, vejo desenhos animados no YouTube com minha filha no colo, até ela ficar com sono.”

Arbitragens – Perdeu a conta da quantidade de que participou. Só no conselho da comissão de compensação das Nações Unidas, presidindo o painel que decidiu indenizações aos cidadãos do Kuwait relacionadas à Guerra do Golfo, foram cerca de dois mil casos, em seis anos. “Mas eram casos de arbitragem simplificados.”

Momento difícil – Em 1974, quando encontrou em casa o filho Humberto, do primeiro casamento, assustado porque “um homem mau” disse que iria matá-lo. A ameaça, por telefone, era direcionada ao pai, mas como a criança retrucou que ele era forte, o homem rebateu: “Então mato você.” “Decidimos ficar uma temporada em Paris”. Sua primeira mulher, historiadora, terminou uma pesquisa acadêmica na capital francesa, enquanto ele se preparou para o doutorado. “Para fazer carreira na USP, fui obrigado a escrever três teses.”

Atividade física – Na juventude, treinava oitos horas por semana caratê, esporte abandonado por causa do trabalho. Neste ano, depois de se recuperar de uma pneumonia, passou a fazer caminhada e condicionamento físico diariamente, com a ajuda de dois fisioterapeutas. “Estou melhor do que antes.”

Um orgulho – O fato de o L.O. Baptista ter sido o primeiro escritório em São Paulo com igual número de sócios e sócias, assim como de advogados homens e mulheres.

Viagem marcante – Depois do segundo casamento, foi para a Jordânia com a esposa, para conhecer o enclave arqueológico de Petra. “De quebra, descobri uma cidade romana maravilhosa.”

Hobbies – Literatura e fotografia. Escreve haicais e tem fotografado texturas que encontra em paredes e pisos. Anda fascinado pelos desenhos formados por ladrilhos hidráulicos de assoalhos de banheiros. “Eles são instalados com uma técnica que forma figuras estranhas. Passei a levar minha câmara menor no bolso quando vou a um banheiro.”

Autores preferidos – Machado de Assis e Umberto Eco. “Deste, prefiro os ensaios aos romances, embora goste muito de O nome da rosa e de O baudolino”. No momento, está relendo Da árvore ao labirinto, simultaneamente a vários outros livros selecionados no Kindle.

Conselho para quem está começando – “Manter a integridade, no sentido de se manter inteiro e fiel a si mesmo.”


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