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Difícil de vender
Obstáculos jurídicos dificultam a venda de ativos por empresas envolvidas na Lava Jato
Ilustração: Beto Nejme / Grau 180

Ilustração: Beto Nejme / Grau 180

Intensidade foi o que não faltou nos últimos meses na rotina de um grupo particular de advogados e executivos de bancos, empresas privadas e concessionárias de serviços públicos. Passados pouco menos de três anos do início da Operação Lava Jato, ativos de pessoas jurídicas envolvidas nas investigações trocam de mãos — movimento que tende a continuar ao longo de 2017. Buscar proteção contra eventuais respingos de responsabilidade legal nessas aquisições é a palavra de ordem entre esses profissionais. Alguns compradores tentam ficar com ativos apenas de empresas em recuperação judicial, para assegurar a blindagem jurídica mais efetiva prevista pela lei. Outras tantas transações ainda dependem de definições regulatórias, como o trâmite da Medida Provisória (MP) 752. Editada no fim de novembro, ela tenta criar uma saída para correção dos rumos de problemáticas concessões licitadas entre 2012 e 2013.

No setor de saneamento, por exemplo, alguns ativos já foram vendidos, enquanto outros poderão ganhar novos donos ainda neste início de ano. Em maio de 2016, o grupo espanhol GS Inima comprou a concessão para os serviços de fornecimento de água e tratamento de esgoto da cidade de Araçatuba, no interior de São Paulo, da OAS Soluções Ambientais. O valor arrecadado com a transação, não revelado, será usado na reestruturação das dívidas do Grupo OAS, que alcançam cerca de R$ 10 bilhões.

Já neste início de ano é possível que a CAB Ambiental, braço de saneamento do Grupo Galvão (que teve um dos acionistas preso na Lava Jato), ganhe um novo proprietário. A companhia é integrante de parcerias público-privadas (PPPs) e detentora de concessões de água e esgoto em cerca de dez cidades do País. Assim como o Grupo Galvão, a CAB Ambiental entrou em recuperação judicial em 2015, e desde então foram feitas duas tentativas de venda de seus ativos em leilões — o preço mínimo de R$ 500 milhões, no entanto, assustou os potenciais compradores.

No fim do último mês de novembro, bancos credores forçaram uma reorganização societária da CAB, com a finalidade de reestruturar sua dívida líquida, no total de R$ 1,2 bilhão no fim do terceiro trimestre de 2016 (com relação dívida líquida/Ebitda de 7,76). Nessa recomposição, as ações da CAB Ambiental pertencentes à Galpar (holding da família Galvão) passaram para um FIP do braço de private equity da RK Partners (do consultor Ricardo Knoepfelmacher), que conduz a recuperação judicial da concessionária, e a Galpar tornou-se cotista do FIP. Também ganharão status de cotistas Votorantim e Bradesco, maiores credores da concessionária — os dois aceitaram trocar o que têm a receber por participação futura no capital do FIP. Com o ingresso dos bancos, há chances de o BNDESPar, detentor de uma participação de 33% na CAB, ter sua fatia diluída. Ainda assim o braço de participações do BNDES aceitou a criação do veículo de investimento, dada a necessidade de a CAB diminuir seu endividamento para continuar cumprindo o previsto na concessão.

Entre as empresas que avaliam a possibilidade de adquirir a concessionária está a multinacional francesa Suez. “Estamos sim de olho na CAB Ambiental. A Lei de Recuperação Judicial nos garante uma salvaguarda jurídica ao evitar contaminação de dívidas trabalhistas ou tributárias, o que faltou no caso de outros ativos”, diz Gabriel Toffani, presidente da Suez no Brasil. A multinacional chegou a examinar os ativos da Odebrecht Ambiental, mas abandonou a ideia da compra por causa da incerteza jurídica decorrente dos acordos de delação premiada e de leniência do grupo.

Riscos minimizados
A salvaguarda a que se refere o executivo da Suez está relacionada à criação da unidade produtiva isolada (UPI). Prevista na Lei de Recuperação Judicial, essa figura fica imune à sucessão de obrigações passadas da empresa que está em recuperação judicial. Assim, sua constituição reduz os riscos para os novos donos e, por isso, tende a aumentar o número de interessados na compra e o valor da transação. “Qualquer interpretação diferente representaria um tiro na legislação exatamente no momento em que diversos ativos estão à venda, e com empresas interessadas na aquisição”, observa um advogado que preferiu não se identificar. No plano de recuperação judicial do Grupo Galvão, a CAB Ambiental se tornou uma UPI.

A proteção vinculada à recuperação judicial, todavia, não é critério determinante para a decisão de investimento de todas as empresas. O fundo canadense Brookfield comprou, em outubro passado, por R$ 2,8 bilhões, 70% da Odebrecht Ambiental. “O estômago deles parece mais resistente a riscos, mas mesmo assim eles se cercaram de cuidados”, comenta o mesmo advogado. Para não perder a venda, a Odebrecht teria dado garantias de que arcará com riscos sucessórios — como multas que poderão ser cobradas no âmbito do acordo de delação do grupo — caso envolvam a Odebrecht Ambiental. A operação prevê ainda a criação de um fundo em que o equivalente a 5% do valor da compra da empresa ficará retido por cinco anos. Se no processo de acerto com as autoridades não surgirem problemas relacionados à Odebrecht Ambiental, o dinheiro reservado vai para o grupo, que também ficará proibido de voltar à área de saneamento no Brasil por cinco anos a partir do fechamento da transação. A perspectiva é que a venda seja concluída no primeiro trimestre deste ano, quando deverão ter sido obtidas as anuências do poder público, dos financiadores e as aprovações regulatórias. O fundo de investimento FI-FGTS, dono dos outros 30% da Odebrecht Ambiental, optou por continuar no negócio.

Relicitações
No rescaldo da Lava Jato, também estão à venda ativos referentes a contratos de concessão na área de transportes licitados pelo governo federal entre 2012 e 2013. São operações que hoje enfrentam problemas como redução de demanda superior à estimada, dificuldades para obtenção de financiamentos ou para pagamento de outorgas. Encaixam-se nessa descrição os aeroportos do Galeão (controlado pela Odebrecht com participação minoritária da Changi, de Cingapura) e Viracopos (do consórcio formado por UTC, Triunfo e a francesa Egis) e as rodovias BR-153 (arrematada pelo Grupo Galvão) e Rota do Oeste (Odebrecht).

Especificamente no caso dos aeroportos, as concessionárias têm dificuldades para honrar as outorgas bilionárias dos leilões realizados em 2012; concessionárias de rodovias, por sua vez, não obtiveram financiamentos de bancos públicos depois de seus sócios terem sido implicados nas investigações da Lava Jato. As empresas esperavam que, por meio de uma MP, o governo aparasse as arestas dos contratos e abrisse caminho para revisão de investimentos e outorgas inicialmente previstos — o que facilitaria a alienação de ativos duvidosos. Porém, não foi isso que aconteceu. Editada em novembro de 2016, a Medida Provisória 752, apelidada de “MP das concessões”, prevê a possibilidade de relicitação de operações sob concessão, com a rescisão amigável dos contratos anteriormente assinados com concessionárias que decidirem sair do negócio. Além disso, a medida estabelece que a concessionária que arrematou a licitação seja indenizada pelos investimentos feitos do início da concessão até a efetiva devolução do ativo ao poder concedente. A MP diz que “as indenizações apuradas serão pagas pelo novo contratado, nos termos e limites previstos no edital da relicitação”.

A MP estabelece ainda que as atuais concessionárias — assim como os acionistas das sociedades de propósito específico criadas para administração de cada contrato — que quiserem se desafazer das concessões não poderão participar dos leilões nos quais o governo vai novamente oferecer os ativos. As concessionárias, segundo a MP, poderão requerer arbitragem relacionada aos contratos com o poder concedente, com destaque para discussões que envolvam reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, cálculo de indenização por extinção da concessão e inadimplência de obrigações das partes. “Isso cria muitas incertezas, ainda mais pelo fato de a arbitragem ser um processo longo”, avalia o advogado Paulo Dantas, sócio de infraestrutura do Demarest Advogados. As atenções, agora, estão concentradas na tramitação da medida provisória. No início de dezembro, o texto — que será analisado por uma comissão mista de representantes da Câmara e do Senado a ser criada — já havia recebido 90 emendas de parlamentares. Um desses substitutivos trata de extensão dos prazos e das parcelas dos pagamentos das outorgas.

A repactuação dos contratos — que envolveria alterações na forma de pagamento de outorgas ou até nos valores devidos —, contudo, pode gerar incerteza, adverte um advogado que acompanha o tema. Afinal, o expediente daria às empresas que participaram dos leilões sem conseguir arrematar os ativos um bom argumento para contestação judicial das disputas.

Novas regras
No setor de energia, a venda de ativos de óleo e gás da Petrobras e de hidrelétricas da região Norte, como a usina de Santo Antônio, cujos principais acionistas são Odebrecht e Furnas, também despertam o interesse do mercado.

Em setembro passado, a canadense Brookfield liderou um consórcio integrado por British Columbia Investment Management Corporation (BCIMC), CIC Capital Corporation (subsidiária integral da China Investment Corporation) e GIC Private Limited (GIC) que arrematou, por US$ 5,2 bilhões, 90% da malha de gasodutos da região Sudeste da Petrobras. Já a japonesa Mitsui pagou cerca de R$ 2 bilhões, em setembro de 2015, por 49% da Gaspetro, que tem participação acionária na maior parte das distribuidoras estaduais de gás do País. As duas operações ocorreram em meio à discussão da nova regulação do setor de gás, que terá de refletir uma presença mais modesta da Petrobras. “A aquisição dos ativos pressupõe essa abertura do setor, até hoje comandado pela estatal em todas as pontas. Como o governo está discutindo a nova regulação e os detalhes ainda não são públicos, são operações de um certo risco”, comenta um consultor.

Para Márcio Félix, secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, o processo de venda de ativos da Petrobras — que inclui a alienação de participação majoritária na BR Distribuidora, a formação de parcerias em refinarias e a desverticalização na área de gás — causa preocupações, mas também representa uma oportunidade para o redesenho do mercado.

No caso do gás natural, a consulta pública que trata de novas políticas para o setor foi encerrada em novembro, com centenas de contribuições de empresas atuantes nesse mercado. Dois encontros em Brasília de autoridades do setor com empresários e um fórum que reuniu secretários estaduais de energia também discutiram o tema. “O desafio agora é sistematizar as informações”, afirma Félix. Segundo o secretário, um novo arcabouço regulatório para o mercado de gás natural pode gerar até US$ 27 bilhões em investimentos nos diversos elos da cadeia nos próximos anos. No que se refere ao refino e à distribuição de combustíveis, a meta do governo é concluir, até este primeiro trimestre, as diretrizes que nortearão o segmento. Elas devem passar por consultas aos agentes de mercado e depois seguem para o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Se bem elaboradas, as regras podem incentivar a disputa pelos ativos da Petrobras — situação benéfica para a petroleira e, principalmente para o mercado, que vai ganhar novos players.


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